O presente da vida
O mundo é o que
percebemos do mundo. Talvez esta seja uma das declarações mais transcendentais
da obra de Castaneda, na síntese dos conhecimentos que a ele foram passados
pelo velho Nagual Juan Matus. Todos, de alguma forma, deveríamos entender este
conhecimento, é algo inerente de nossa condição de percebedores. Diante de
todos os sinais que recebemos do mundo, apenas alguns são tidos como essenciais
para nós, como relevantes, e destes selecionamos quais colocaremos a nossa
atenção. Consciência é exatamente esta escolha dentro do campo de percepção, é
a ênfase dada a uma determinada percepção. O conjunto destas percepções compõem
o nosso campo que chamamos vida. Se alguém fala que a vida está ruim, ou que a
vida está boa, isso representa uma definição inconsciente de seleções que esta
determinada pessoa vem fazendo diante de suas quase que infinitas
possibilidades. Por isso é fácil identificar que temos pessoas que exultam
alegria e plenitude mesmo vivendo em condições socioeconômicas precárias e
outras que vivem às expensas de remédios e divãs mesmo em palácios, cercadas de
tudo que o poder do capital pode dar. A diferença entre a alegria e a tristeza,
entre a plenitude e a depressão está exatamente na forma como percebemos a vida,
como sentimos o universo, como selecionamos com a nossa consciência um aspecto
da realidade total que nos cerca.
Para entender
tal premissa, em sua jornada de iniciação, o Velho Nagual expôs o então
aprendiz Castaneda a experimentar os ciclos de riqueza e de pobreza, a viver
com o mínimo, em hotéis e locações de extrema carência material, e o permitiu
viver em abundância da mesma forma. A demonstração que o Velho Nagual queria
lhe dar era exatamente a de que o universo permanece o mesmo em sua essência,
independentemente das lentes pelas quais o olhamos, ao fim e ao cabo, a riqueza
ou pobreza material, a opulência ou a decrepitude são apenas diferentes tipos
de véus ilusórios que nos tampam os olhos à verdade única que está por detrás
de tudo. O mefistotélico acordo da ilusão dependerá dos olhos e tendências de
quem vê, para alguns sucumbir à ilusão será reclamar-se das difíceis condições
de vida, para outros tantos será o regozijo pela opulência que têm, e o desejo
insaciável de querer mais, por detrás de ambas as ilusões, e de todas as demais
que delas derivam, estará uma realidade imutável escondida de todos igualmente.
Como vemos o
mundo, e como controlamos as nossas vidas são duas premissas básicas. Para onde
você mirar a sua visão será assim o seu mundo. Sentir-se guiado por forças que
não se sabe controlar é outra forma de sentir-se perdido, enganado, jogado como
folha ao vento. Temos que sentir que as escolhas são nossas, as decisões todas
que tomamos em nossa vida não são guiadas por necessidades externas, por vilões
externos, mas pela própria forma como lidamos com tudo que nos chega. Sentir-se
alegre, exultante, depende em exclusividade da energia que tem disponível e não
da quantidade de riqueza, da beleza do lugar em que você se encontra, das
vitórias materiais que você tem em sua breve vida. Se algo te está
entristecendo, te tragando a alegria, te mantendo sorumbático e fechado em si
mesmo, tente observar ao seu redor e perceberá que está deixando a sua energia
fluir em excesso para algo que não te engrandece, para alguém que te sugue,
para um propósito que te está levando a autodestruição. Somos corpos
energéticos que dependemos de uma fórmula básica que parece muito com a
econômica, que é a energética. Este é outro ponto nevrálgico na obra de Castaneda,
expor que as nossas rotinas diárias, todas elas, por menor que sejam, cobram um
custo energético para se manter, o nosso mundo como o percebemos exige um custo
energético, que pode, ao final, ter uma conta positiva ou negativa, no estrito
sentido de desgaste ou engrandecimento. Para saber se sua conta está positiva
ou negativa, basta ver a expressão da mente sobre seus sentires (sentimentos),
se passa o dia em tristeza está com a conta negativa, se passa o dia em
alegria, está com a conta positiva – permita-se a sentir, uma horinha por dia,
como está se sentindo com o mundo perceptivo que criou, isso chama-se tomar
consciência de sua vida. Repita essa operação para cada rotina que tens em sua
vida, saiba se aquela determinada rotina, seja ela grande ou pequena, está a te
permitir um saldo positivo ou negativo de energia – e principalmente, trate de
eliminar o que te está consumindo, por mais difícil que lhe pareça no começo,
ou mais inútil, verá que à medida que se esforça para limpar a sua vida a
alegria vem surgindo com mais força, e o mundo ao seu redor, mesmo sendo
exatamente o mesmo, se mostrará com outras tonalidades de cores, de sons, como
a vida vai se tornar mais apetitosa para seu paladar de viver.
Enfim,temos que
entender que a maior lição do velho nagual, para além de qualquer ato
transcendental ou místico, é aprender a viver com seriedade consigo, sem que
isso signifique ser um chato de galocha. Viver com seriedade significa
tornar-se um templo e cuidar-se com o respeito que cada um de nós merecemos,
agir com uma ética energética, prefiro dizer assim, nada de consensos sociais
forjados, nada de leis ou normas, mas sim um estabelecimento pleno de uma vida
que nos traga alegria, que nos traga plenitude. Estamos aqui para viver uma
dádiva e não um sacrifício, não temos que sacrificar o nosso corpo, a nossa
mente, a nossa energia em nome de nenhum sonho que nos façam acreditar ser o
real. A realidade toda está no que sentimos, e fazendo assim, agiremos, tenho
por certo, com respeito por tudo que está a nossa volta, pois esta é a forma
energética que parece mais se adequar a energia, uma energia transformadora e
criadora, expansiva e colaborativa, e não como o mundo se formou ao longo de
suas gerações, de forma competitiva, acumulativa, destruidora. Somos seres de
percepção e de criação, seres de amor para além do amor que se diz nas novelas,
filmes, livros, um amor pelo vier pleno, pela vida correta, pelo respeito a
nossa própria caminhada e como consequência a caminhada de outros que estão ao
nosso redor.
Talvez ainda
não consigamos traduzir isso no mundo como está hoje. A competição se tornou a
meta central, e o espírito belicoso se tornou o centro do mundo. A competição e
as batalhas constantes estão no foco, na crista da onda social, a meritocracia
e todos estes termos comparativos que levam a vida a se tornar uma corrida
contra o tempo, contra o outro, contra nossa própria natureza. No meio deste
caos devemos ser um mar de serenidade e ordem. Como já disse, não se trata de
abandonar o mundo, os debates sociais, o que nos enche o coração, mas sim de ir
nos refinando, de ir nos estudando, de ir nos aprimorando e mantendo em nossa
pequena mala de viagem apenas o estritamente necessário, aquilo que nos faz
sentir-se pleno e leve, deixando em nosso passado aquilo que nos prende e nos
trava a esta caminhada.
Talvez ao fim
será esta a maior dificuldade de todos nós, entender que a vida é infinitamente
mais simples do que pensávamos, e pode ser indescritivelmente mais prazerosa do
que nos dizem ser, e quando assim estivermos caminhando, estaremos quiçá
conscientes da verdadeira dádiva que é estar aqui neste mundo, com tudo e todos
que dividem este tempo e espaço conosco. Que belo acaso foi este encontro com
tudo que nos cerca, que belo desafio, e só o que temos que fazer é abrir os
olhos e apreciar este espetáculo que foi criado especialmente para cada um de
nós...
"Estamos aqui para vivermos uma dádiva e não um sacrifício." Um dos meus sentires.
ResponderExcluirMinha gratidão por este presente da vida.
Nestes 4 anos que leio teus textos, este foi uma sobriedade em palavras que chegou, audivelmente, aqui no coração!
ResponderExcluirGracias pelo presente
Saudações,
Gaivota