Os inimigos e o cerne: juntando fragmentos



A mente para ser domada, a primeira dos desafios, representa o primeiro passo do guerreiro a caminho do conhecimento. Percebam que o primeiro dos inimigos apresentado pelo donjuanismo é o medo. O medo é proveniente de onde, senão da mente. O medo é uma construção mental, uma disfunção da mente, um erro se visto sob a ótica da funcionalidade da mente como instrumento para busca do conhecimento. Contudo, se olharmos sob a ótica de seres que nos querem manter dominados, o medo é uma perfeita programação da mente social que nos impede de seguir, o medo é o inimigo paralisante que nos impede de dar os demais passos, uma ilusão que demonstra a condição miserável da maioria das pessoas que, dominadas por ilusões, não conseguem desprender as primeiras e mais rudimentares amarras no princípio da caminhada. 
Certamente o medo é necessário, em uma mente saudável, mas o medo sob controle, aquele que nos aponta para questões que podem nos prejudicar, e que, por isso, precisam de maior atenção. Mas o medo, quando cria monstros aparentemente concretos, mas realmente ilusórios, é paralisante, é a melhor ferramenta da dominação social. Medo do inferno, de não atingir o céu, de passar fome, de perder o emprego, de perder likes, admiração, amigos, amantes, bens, etc etc etc. O medo é o chicote daqueles que dominam a humanidade. Entender os medos no cotidiano permite que se perceba, com clareza, as correntes do aprisionamento. Dizia DJ que "eve desafiar o medo, e, a despeito dele, deve dar o passo seguinte na aprendizagem, e o seguinte, e o seguinte. Deve ter medo, plenamente, e no entanto não deve parar. É esta a regra! E o momento chegará em que seu primeiro inimigo recua. O homem começa a se sentir seguro de si. Seu propósito torna-se mais forte. Aprender não é mais uma tarefa aterradora. Quando chega esse momento feliz, o homem pode dizer sem hesitar que derrotou seu primeiro inimigo natural."
Após vencido o medo, vem a clareza. E o que é a clareza senão a clareza mental, a clareza do homem que está livre dos domínios da mente social, certamente ainda estarão lá as ilusões da dominação, mas o homem entenderá que são apenas ilusões. A clareza é o domínio da mente, da ferramenta que liga Tonal e Nagual, da ferramenta de aprimoramento na busca do homem do conhecimento. Quais são as palavras de DJ sobre vencer o medo: "Uma vez que o homem venceu o medo, fica livre dele o resto da vida, porque em vez do medo, ele adquiriu a clareza… uma clareza de espírito que apaga o medo. Então, o homem já conhece seus desejos; sabe como satisfazê-los. Pode antecipar os novos passos na aprendizagem e uma clareza viva cerca tudo. O homem sente que nada se lhe oculta." Olhem o seguinte fragmento com atenção "JÁ CONHECE SEUS DESEJOS; SABE COMO SATISFAZÊ-LOS..." Eis a chave, o medo tem ligação com os desejos, na mesma ótica do budismo, na mesma ótica do que apregoa diversas religiÕes, é como uma chave universal. Desejo de ter, desejo de não perder, ambos são ligados ao medo, a construção de uma sociedade artificial, com uma programação intersubjetivo, uma ilusão compartilhada que atua em um sistema rudimentarmente behaviorista (prêmio e castigo), reforçado pelas diversas instituições sociais, desde as mais básicas e antigas, como a família, por outras mis complexas: religião, leis, economia, status social, fachada social, fachada virtual, etc....
A clareza é o domínio sobre os desejos, sobre a mente, o polimento perfeito da espada que é a mente, e que se bem afiada torna-se a arma do guerreiro rumo a se tornar um homem de conhecimento. Se mal usada torna-se uma faca que corta, aos poucos, o próprio homem.
A clareza pode cegar, alerta DJ, senão vejamo: "Obriga o homem a nunca duvidar de si. Dá-lhe a segurança de que ele pode fazer o que bem entender, pois ele vê tudo claramente. E ele é corajoso, porque é claro; e não pára diante de nada, porque é claro. Mas tudo isso é um engano; é como uma coisa incompleta. Se o homem sucumbir a esse poder de faz-de-conta, terá sucumbido a seu segundo inimigo e tateará com a aprendizagem."
Eis o problema, a mente é uma ferramenta, uma espada que bem usada corta a ilusão, mas que não consegue apresentar a realidade. Na verdade, o domínio da mente cria uma ilusão, que ainda que esteja mais límpida que a ilusão social, ainda é aprisionante, pois uma realidade incompleta. A mente clara é um meio, e não o fim, mas a clareza cega e faz com que muitos que atingem este estágio acreditem ter chegado ao fim. A mente interpreta e organiza o mundo infinito do Nagual, mas é apenas uma projeção, uma concatenação do infinito, há ainda outros passos a serem dados, agora para além da mente.
Transcender a mente clara, e domada, é um passo de transcender, DJ dizia que "tem de desafiar sua clareza e usá-la só para ver, e esperar com paciência e medir com cuidado antes de dar novos passos; deve pensar, acima de tudo, que sua clareza é quase um erro. E virá um momento em que ele compreenderá que sua clareza era apenas um ponto diante de sua vista. E assim ele terá vencido seu segundo inimigo, e estará numa posição em que nada mais poderá prejudicá-lo. Isso não será um engano. Não será um ponto diante da vista. Será o verdadeiro poder."
Para além da mente reside o conhecimento silencioso, naquele passo essencial em que a compreensão é uma redução do infinito, se torna menor. Não adianta, nominar algo sempre o torna menor, mais restrito, fechado em uma cerca de definição, por mais clara que seja a definição. Há um mar para além das definições que é o próprio poder, e o poder é ir além da mente. O poder é entrar em definitivo no poder, para além da mente, para o lado esquerdo, é ceder ao conhecimento silencioso, ao duplo, é viver o mito energético de poder fundir a sua energia ao infinito, e fundindo ser capaz de tudo, sim, tudo. Mas como é possível ser capaz de tudo? Quando não se quer mais nada!
A velhice apenas mostrará tudo isso, dizia DJ, a velhice. Mas DJ deixou oculto um conhecimento, aqui vimos: a coragem (vencer o medo), a clareza, o poder - mas há algo, que está desconectado em outra obra, penso que assim esteja ou de forma deliberada ou por um erro energético de Castaneda. A chave para organizar a CORAGEM+CLAREZA+PODER, sem ser vencido pela velhice está nos cernes abstratos, que são um mapa a ser lido juntamente com esses quatro inimigos aqui estudados. O elo límpido, por exemplo, é uma chave dos cernes de aprimoramento do guerreiro em busca do conhecimento. Quanto mais límpido mais CLARO o caminho. Voltar-se ao Espírito tem relação com abandono do MEDO. O poder vem muito próximo a um controle: ENTREGAR-SE AO ESPÍRITO (a corrente, ao fluxo cósmico). Entregar-se é abdicar do desejo pessoal, é entregar-se e ser regido pelo espírito, chave explicada neste poema: 
"Já me dei ao poder que rege meu destino.
E não me apego a nada, para não ter nada a
defender
Não tenho pensamentos, por isso verei.
Nada temo, por isso lembrarei de mim mesmo.
Desprendido e à vontade,
Passarei como um jato pela Águia para ser livre."

ENTREGA
DESAPEGO
SILÊNCIO INTERIOR
CORAGEM
CLAREZA
SEM AMARRAS
PODER

Eis a fórmula condensada, os passos mágicos para atingir a transcendência, reformulando a cognição diríamos:

Aquele que voltou-se ao Espírito,
E a ele se entregou,
Sabendo não ser a sua história apenas,
Mas ele mesmo o uni e o verso,
Lembra finalmente o que é,
A lembrança ilumina o caminho que andará
A luz permitirá desfazer os nós que o prendem
E lhe dará o poder necessário para se tornar um jato
E transcender,
Mas antes deverá entender, por derradeiro,
E antes de a morte chegar,
Antes de a velhice o arquear,
Que não irá porque deseja,
Pois nada mais desejará,
A sua jornada é a jornada do próprio universo,
Que agora entende ser,
E sem notar, ao entregar-se por completo,
Sem nada querer, saberá, em um lampejo,
Que já terá passado pela Águia,
Pois será a própria Águia e tudo mais,
E sendo o próprio poder terá chegado ao seu destino...

Comentários

Postar um comentário

Obrigado por partilhar do intento da transformação global

As mais lidas (se gostas de multidão)

A mariposa, a morte, e o espírito

O fim da linhagem de Don juan, a prisão de Castaneda e o legado das bruxas

As dúvidas na caminhada: entre ser tudo e não ser nada