Os anéis de poder e a revolução dos feiticeiros
Por um grande
tempo me distancie deste blog de comunicação. Alguns fatores, comuns em nossas
caminhadas, me mantiveram estancado primordialmente no ciclo ordinário de
conhecimento, no que DJ chamava de primeiro círculo de poder. Este primeiro
círculo de poder é um conjunto de descrições do mundo que se referem ao
consenso de mundo no qual estamos inseridos, o consenso social, a ordem vigente
da realidade para a sociedade em que temos o privilégio de viver nesta
modalidade de tempo e espaço. Temos que ver o primeiro anel de poder desta
forma, um circulo hermenêutico-perceptivo do universo que foi criado, pelo
consenso dos antigos, com o intuito primeiro de nos proteger da impessoalidade
devastadora do universo que nos cerca. Por outro lado, este círculo que nos
protege também nos reduz as possibilidades cognitivas, nos mantém aprisionados,
em última forma. Este não previsto incidente nos fez como civilização
prosperar, sob o ponto de vista numérico, mas definhar do ponto de vista
evolutivo, desde um tempo que posso alocar historicamente nos tempos em que
passamos de caçadores-coletores para fazendeiros.
Em um primeiro
momento este consenso dos antigos, ou pacto dos antigos, criou uma descrição de
mundo, uma catalogação de itens energéticos de mundo que nos permitiu uma certa
domesticação da natureza que nos cerca, criando um mundo artificial de coisas
ao nosso redor, nos separando e nos protegendo da imprevisibilidade e das
intempéries naturais do universo. A representação disso se dá, muito
perfeitamente, na ideia de que somos seres já protegidos, energeticamente em
capsulas ou ovos de luz, mas para maior proteção agora somos encapsulados por
roupas, carros, casas, ovos dentro de ovos que nos separam cada vez mais da
visão original do universo. A cognição está cada vez mais centrada em descrições,
em lentes por dentro de lentes que reduzem interpretações à sub-interpretaçoes
do universo. Sentir o mundo que nos cerca é possível, mas não raras vezes o
fazemos por meio de lentes, de celulares, televisões, computadores, por meio de
imagens já interpretadas por outros e depuradas a apenas um aspecto, nos
mantendo cada vez mais distantes do verdadeiro contato com o universo que nos
cerca, a experiência real é substituída por interpretações das experiências.
Este pacto dos
antigos é a todo tempo reforçado por tudo e todos que, ordinariamente, nos
cercam. As estruturas sociais nos mantêm educados para viver imersos no
primeiro círculo de poder, no pacto hermenêutico dos antigos, no consenso de
mundo social. Descartamos, ao largo de nosso crescimento como seres sociais, tudo
que não está catalogado como a descrição correta de mundo, tudo que esteja fora
do pacto. Com o tempo, as explicações científicas foram a descrição cooptada do
universo em uma linguagem dominante do sistema social, uma linguagem aceita
para descrever o universo diante do primeiro círculo de poder. Toda descrição
diversa a esta é tida como invencionice, crendice, e descredibilizada como
verdade pelo consenso hermenêutico do universo.
Logo, mesmo
que tendamos a querer ampliar a nossa descrição, há uma força que nos atrai a
todo momento para o retorno ao pacto. Tudo ao nosso redor tende a isso, e todos
são, de alguma forma, compelidos a explicar e categorizar o universo nesta descrição.
O segundo
círculo de poder é então, dentro desta categorização, uma descrição alternativa,
ampliada de mundo, uma descrição mais ampla ou a hermenêutica dos feiticeiros,
um pacto secundário que serve como uma ponte para a liberdade perceptiva,
aquela que não pode ser descrita, para qualquer anel de poder. Sim, pois todo anel
tem uma dupla representação: a de um pacto que une, e a de uma cerca que
aprisiona. O segundo círculo de poder é o consenso dos feiticeiros, uma
contracorrente que acreditava, e ainda acredita, que uma segunda descrição mais
ampla pode fazer com que a percepção ampliada, possa permitir que o observador
tome as rédeas perceptivas evoluindo a sua verdadeira capacidade de transcender
pactos e anéis, conseguindo chegar a experiência natural de percepção, aquela
que não pode ser catalogada ou descrita.
Portanto a
hermenêutica dos feiticeiros segue as mesmas premissas que o próprio pacto dos
antigos, ela tenta combater o fogo com fogo, permitindo que, ao se criar um
novo âmbito de percepção e descrição do universo, em um consenso mais amplo, se
possa entender que nem o primeiro e nem o segundo anel são propriamente a descrição
da realidade que nos cerca, mas sim opções descritivas do indizível que nos
cerca. É um exercício, portanto, de elastificação da percepção para que se
possa dar o salto perceptivo final.
O primeiro
anel de poder, como descrição, é uma forma de se reduzir a realidade à um ponto
muito específico, energeticamente falando, em nosso ovo energético, possibilitando
a ancoragem do ponto de aglutinação em um local único que nos permite ver o
mundo como ele é descrito socialmente. A solidez das coisas, a ciência, o
método científico, tudo isso está dentro da descrição do possível dada pelo
pacto antigo, que foi paulatinamente sendo ampliado em sua catalogação para uma
redução de tudo considerado explicação metafísica para uma explicação física
das coisas. Descarta-se tudo que foge à esta catalogação como loucura, como
imaginação, como algo esotérico e que não compõe o restrito campo tido como
realidade.
No segundo
anel de poder a hermenêutica dos feiticeiros é apresentada ao aprendiz que,
pouco a pouco, soma ao catálogo da hermenêutica social um campo mais alargado
de explicação e percepção, fazendo com que o ponto de aglutinação, ao invés de
estar estacionado em um único ponto perceptivo do consenso social, possa
deslocar-se para diversos outros pontos dentro das possibilidades humanas de percepção.
Pode-se dizer então que a interpretação direciona o ponto de aglutinação, e da
mesma forma o deslocamento do ponto de aglutinação permite uma ampliação da interpretação
do universo, em um movimento que se retroalimenta na ampliação das possibilidades,
de um lado perceptivas, e de outro cognitivas do feiticeiro.
Diferentemente
da hermenêutica social, cartesiana, linear do consenso social, que exclui
qualquer outra possibilidade perceptiva como irreal ou imaginária, forçando ao
engessamento do ponto de percepção, a hermenêutica da feitiçaria leva em conta
e aceita a hermenêutica social, mas a toma como não única possível, ampliando-a
para um escopo quase que infinito, mas que também é uma forma de limitação (lembremos
que todo anel é uma aliança e também uma cerca que prende).
No caminho do
guerreiro o que se aprende é que a descrição do mundo social é também real, mas
não é a única possível. Exemplificando, se para a descrição social o ser humano
é um composto biológico de órgãos que definem o ser, para os feiticeiros é,
além de um corpo biológico, um corpo maior e mais amplo energético que, sob um
aspecto perceptivo compõe-se em um corpo biológico, mas que deve ser entendido,
manipulado e sentido como um ovo de luz, com infinitos filamentos energéticos
de composição que são encapsulados por uma camada de luz, que internamente tem
um ponto que nos faz perceber o universo e que os órgãos biológicos são pontos
emaranhados de importância energética dentro de cada pessoa. Percebam que, não
obstante a descrição do primeiro círculo seja excludente e limitadora, a
descrição do segundo círculo é inclusiva e ampliadora. Os feiticeiros não consideram
que o primeiro círculo seja algo errado ou equivocado, mas sim algo limitador e
que precisa ser ampliado. Isso é fundamental para se entender, por exemplo, a
espreita, que é uma imersão nas descrições do primeiro círculo exatamente para
mostrar a sua limitação, e permitir a ampliação.
A todo tempo
seremos, todos nós, guiados para a descrição do primeiro círculo, e por isso é
importante mantermos o diálogo dos feiticeiros, para a manutenção, mínima, de
um consenso maior, de libertação, que nos permita sempre olhar para além da interpretação
ordinária de mundo, não possibilitando que o nosso ponto de aglutinação fique
estacionado em apenas uma descrição, pois isso que fomenta a degradação de
nosso ser energético total. Com o tempo, se nos solidificarmos na ideia
corrente e facilitada do primeiro anel estaremos inevitavelmente presos ao
consenso social, e, solidificados tendemos a nos tornar quebrantáveis, e não fluídos
e maleáveis.
Eu mesmo,
olhando retrospectivamente em minha vida, hoje pensava no quão distante estava
ficando, e ainda está, a hermenêutica dos feiticeiros em minha vida. A hermenêutica
social está sempre presente, nunca cessará de agir em nossas vidas, mas a do
feiticeiro exige trabalho constante de observação e um intento inflexível a ser
perseguido. Olhando para trás comecei a achar algumas experiências que eu tinha
vivido, em completude, como absurdas, como devaneios de minha mente, como
resultados de manipulações mentais, autossugestão ou mesmo hipnose induzida por
psicoativos como a ayahuasca ou meditações. Mas isto é a voz da mente, do
pequeno mestre que carregamos conosco em toda a vida, assoprando em minha
orelha, por meio de pensamentos ordinários, o consenso social do primeiro círculo
de poder. A mente nunca será destronada de todo, ela pode ser controlada,
podemos conhecer a sua voz, os seus métodos, reconhece-la como apenas um mercador
do consenso, mas nunca extirpá-la completamente, enquanto estivermos nesta
pequena jornada que é a vida.
Para combater
a este mal só existe o silêncio mental. No silêncio conseguimos evocar a voz
antiga, a voz original que nos permite perceber o universo de forma indizível
por meio de palavras, e conceber e dividir as experiências por meio da
hermenêutica dos feiticeiros. É importante e essencial, para a nossa caminhada,
que possamos dividir, neste caminho, as pequenas experiências, é assim que formamos
a pequena resistência hermenêutica ao consenso social, mostrando ser possível.
Recebi, durante estes dias, uma mensagem vinda de um outro guerreiro, que por
meio da hermenêutica dos feiticeiros me serviu como um condutor, para que
inclusive narrasse esse texto. Percebi a importância e o ato extremamente
valoroso de dividir experiências. Na verdade, este ato foi brilhantemente descrito
em toda a obra de CC, onde histórias de poder (do segundo círculo) eram
passadas oralmente por DJ e nos foi deixada, como consequência, por CC em seus
livros. Ao final de todos os livros o que CC nos deixou foi apenas uma
reticência que deveria ser preenchida por cada um de nós, por cada uma de
nossas histórias, por cada gesto individual, que na verdade reflete o coletivo,
de resistência hermenêutica contra os milhões e milhões de soldados do primeiro
círculo. Não importa a linguagem por qual é repassada a mensagem do segundo
círculo – seja ela pelo budismo, hinduísmo, cristianismo, hermetismo, etc -, o
que importa é a resistência que nos permite, o senso de que existe muito mais
do que a descrição ordinária de mundo dada pelo primeiro círculo.
Estes espaços
diminutos em nosso mundo cumprem um papel essencial de manutenção de uma
possibilidade verdadeiramente humana, descobrir a forma humana é, quiçá, o
retorno as infinitas possibilidades perceptivas, que inclui, por certo, o não
abandono de uma essencial que é o primeiro círculo. O que se precisa é entender
que o primeiro apenas está contido dentre um bem mais vasto que é o segundo, e
que este, por sua vez, é apenas um exercício para o momento, no tempo certo, em
que poderemos navegar para além dos círculos hermenêuticos, para bem além do
que as imitações normais de nosso ser mortal permite.
Estava hoje a
meditar enquanto fazia a minha comida diária, e todo esse bloco de conhecimento
me veio como um passe de mágica por meio da terra.
Em uma
descrição hermenêutica do primeiro círculo do poder poderia dizer que foi um
devaneio que tive em razão de estar ouvindo algumas músicas místicas enquanto
cortava os vegetais para uma sopa, sendo que a minha imaginação me guiou a uma
estória inventada.
Mas fugindo
desta descrição digo que, enquanto guardava os melhores sentimentos que tenho
para fazer um alimento energético, me conectei com a energia de diversos
vegetais que eu manipulava, com a água e fui guiado à própria energia de nossa
matriz Terra. Senti a mão dos agricultores a colher os vegetais da terra, as
raízes das plantas, me senti ligado à energia de nossa Mãe e, como consequência
de todo o universo. Senti e me coloquei no lugar das plantas brotando enquanto
nelas chegava a energia do poderoso Sol, essa energia mágica que fluiu e
permitiu-se a chegar até mim. Senti todos os sentimentos e vi toda a visão
enquanto preparava este, que agora sei, alimento de poder, eu era, enquanto os
manipulava, o próprio sol, terra, ar, água – em comunhão como na sopa que eu
fazia. Ao ouvir a mensagem do guerreiro por áudio me senti conectado ao mesmo
chão que criava a ayahuasca, que nos dava as visões expansivas do segundo circulo,
e meu ponto de aglutinação se pôs a mover além da convencionalidade ordinária,
e me senti como energia cercado de outras energias, senti o sentimento de cada
planta e pessoa, de todo o ciclo de vida e morte de nossa passagem por aqui, de
toda a invisível teia que nos liga, e depositei aqui também, como agricultor, a
mesma semente de sentimentos que agora devem estar sentindo ao ler essas
palavras, que podem fazer brotar o mesmo deslocamento dentro de cada um de vocês.
É nessa
revolução silenciosa que seguimos, resistindo pouco a pouco, seguindo passo a
passo rumo a algo que não sabemos o que é, mas que nos atrai silenciosamente o
nosso coração, que desafia docemente a razão, e que nos motiva a ampliar a cada
dia a nossa percepção. Espero ter sido o condutor desta mensagem da forma mais
clara possível, e ter, por breve instante, conectado-se também,
silenciosamente, pelos sentimentos colocados nos espaços em branco entre cada
palavra, com o teu coração.
"Percebi a importância e o ato extremamente valoroso de dividir experiências." Nunca gostei de dividir experiências exatamente por achar que por vezes pudesse ser alguma viagem, e também por vezes por acreditar que tais não fariam qualquer diferença na vida de quem quer que fosse... Mas, comecei a pensar ao contrário quando comecei a ouvir relatos de terceiros,inclusive os teus aqui neste espaço! Senti as palavras deste texto... Pode ser viagem, mas eu sei o que senti! Um abraço!!
ResponderExcluirÉ uma viagem, uma viagem conjunta em que você esteve comigo por um instante. Mas toda essa viagem cósmica neste momento nos faz, de alguma forma, conectados.
ExcluirSão também essas boas conexões que nos fazem relembrar do algo mais, o que nosso cotidiano e nossa mente às vezes nos fazem esquecer! Toda essa troca é muito especial! Sinto profunda gratidão!
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