A ilusão da imortalidade e a quimera do guerreiro




Estou de férias, passeando, pairando sem a menor responsabilidade por sobre a vida social, sem preocupações de tempo, de dinheiro, leve como uma pluma ao sabor do vento. Mas percebi que a leveza e a falta de responsabilidade aparentes escondem ocultas em seu prazeroso sabor armadilhas em que podemos nos ver presos. Ontem, em meio a toda a falta de afazeres, em meio a um belo banho de sol nas águas doces do Tocantins, me vi fisgado por uma lembrança que me fez pensar e ponderar, coisa que não é comum de serem feitas quando estamos de férias. Vi na negligência, na falta do que fazer aparente uma soberba armadilha da mente, imediatamente me lembrei de uma velha frase que uso como guia em minha caminhada pela vida, em que a negligência é a quimera dos guerreiros.

Devemos estar despertos, todo e qualquer desvio em nossa jornada são apenas caprichos de nosso ego, de nossa mente, na tentativa constante de nos aprisionar novamente nas armadilhas da ilusão da primeira atenção. Isso ficou claro a minha frente, como um letreiro luminoso que brilhava mais forte que o sol que me banhava.

Na velha história grega, os argonautas em sua busca, em sua caminhada, se perderam em um perigo muito maior do que as atribulações e desafios que se assomavam sobre eles, em meio a todos os desafios, assomou-se um maior, a ilusão. Em sua jornada permeada por monstros, quimeras, desafios, o conforto que lhes fora colocado a frente, a feitiçaria e a ilusão deixaram torpes os argonautas em sua missão, que quase falhara.

Foi como uma alegoria a nossa trajetória de vida, a minha trajetória, não posso falar muito mais do que eu mesmo posso sentir, sob o risco de me perder em devaneios mais tolos do que os que geralmente expresso. Vejo a cada dia, as tormentas, as dificuldades, as atribulações como dádivas do destino que nos mostram que ainda estamos vivos, que ainda caminhamos que ainda temos que chegar em algum lugar, muito além do que se apresenta aos nossos olhos, muito mais do que sentimos em nosso paladar, a dor de cada derrota aparente, no mundo cotidiano, parece ser a dose necessária que o espírito nos dá com o objetivo, que é quase claro aos meus sentidos de nos acordar, por breves lapsos temporais.

Então vi o perigo das férias, logicamente não do momento, do abandono dos afazeres, da quebra da causticante rotina diária, mas sim do abandonar o caminho do guerreiro, da impecabilidade, pois estendendo todo o descanso podemos nos entregar ao sentimento de que somos imortais que podemos nos dar o desfrute de descansar da árdua tarefa de lutar pela nossa liberdade, de sermos impecáveis, por um mês quem sabe, pensamos, mas esse mês, esse dia, essa semana, podem representar a diferença entre a liberdade e a prisão.

O mais incrível é que vi tudo isso no melhor dia de minhas férias, como se o espírito me avisasse de todos os perigos que rondam o adormecer, como se meu corpo me agitasse e gritasse para eu acordar, como de um sonho breve e delicioso que se guarda apenas a lembrança doce de um outro, sem controle, sem consciência.

De que adianta pairar em brancas nuvens sem estarmos conscientes, sabem, posso estar errado, mas sinto, dentro de mim, e o falo simplesmente por sentir, mesmo sem entender, que prefiro tatear nos chão do mais profundo e escuro abismo tento consciência do que pairar no mais glorioso céu como um sonâmbulo, adormecido. 

Hoje vi um pequeno filme que se somou a todos estes pensamentos, era o filme de um menino que empreendia uma viajem em busca de seu cavalo que seu pai vendera, pois o achava velho e inútil. Mas o cavalo que o menino buscava era “azul que nem sei”, de crinas e rabo branco, voava pelos céus e tinha os olhos que mudavam de cor. O menino vagava, conhecendo pessoas, um homem que falava ser deus, palhaços, ladrões e uma menina, andava por todos os lugares em busca de seu intento, sem se cansar, nem descansar, foi uma busca magnífica que me abriu os olhos, uma busca com propósito que o levou a sua conquista e me levou a compreensão de nossa vida.

Sem um objetivo na vida, sem um norte e um compromisso o homem se perde em sua caminhada, a mercê do vento, dos pensamentos, com objetivos concretos, o homem se afoga em buscas superficiais, definhando a sua essência, a sua energia, só com uma busca abstrata como a liberdade o homem pode desejar sem ser aprisionado pelo desejo.

Não sei bem se transmiti o que se passou, mas deixo essas pegadas na areia para os caminhantes que virão e verão este mesmo caminho que ora percorro, e quem sabe, o que fora para mim um filme, um pensamento, uma inspiração não seja a fagulha que resta para despertar o fogo que quem aqui venha passear.

A todos os guerreiros
                                 Intento
Que não se percam
                                             no vento.
Que sejam despertos,
                                            Atentos
Que sigam o caminho
                                  para dentro.

Comentários

  1. ola, estava a ler e um pensamento cruzou me a mente, creio que o beneficio das ferias e dar-nos mais energia para caminhar os nossos caminhos. e o que fazemos nas ferias sem que descuremos o que somos . podemos ser responsaveis e estar de ferias . e a mente pode muito bem criar uma culpa e um mal estar so porque estamos descansando ...
    pense que o seu corpo e espirito precisa de um bocadinho de desapego .
    um bocadinho mais de brisa . :))

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  2. Buenos dias Hermanos Guerreros.
    Com uma sincronicidade incrivel, hermano Vento pareceu ler meus pensamentos e tocou justamente no assunto.
    Estou de férias também. Este tempo livre (não ocioso) é precioso para recarregarmos nossas baterias e adentrarmos ainda mais na segunfa atenção. Já estamos tão aprofundados nela que já faz parte de nosso dia a a dia, não importa se estamos de férias ou não. Temos de estar alerta para´as armadilhas do ócio e seguirmos em nosso intento com impecabilidade.
    Estou fazendo uma re-avaliação e novas incursões na segunda atenção.
    Naian
    Abraços Hermanos.
    In lak´ech Ala Kin.
    * * *

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