Um inesperado encontro
As coisas no
universo são assim um tanto quanto estranhas. As vezes não sacamos essa parada
de mistério, por um motivo ou outros absortos em nossas vidas cotidianas,
contas, amores, prazeres, dores, etc. Mas eis que, em um momento ou outro na
vida nos deparamos com a tal da espiritualidade. Não falo aqui de religião,
nada ao humano assim, mas não descarto, no entanto, que a espiritualidade possa
vir deste desvio humano no caminho para Deus que são as religiões. Mas voltemos
ao momento do encontro. Eis que nos vemos diante de uma necessidade antes não
percebida de conectar-se com algo, sentimo-nos na ante-sala de um segredo
oculto que parece, a cada passo estar para se revelar para nós, sem sabermos
como, quando, onde ou mesmo os porquês. Somos todos fadados a tomar o
particular por universal, e também o faço aqui, poderia me esquivar por eufemismos
lingüísticos em terceiras pessoas ou mesmo em segundas para dizer que não falo
de minha própria caminhada, mas todo texto tem um quê de autobiográfico, é
inevitável posto o canal que somos para atingir ao outro. Assim foi comigo.
Acertos, erros, tropeços e levantadas e então, em um determinado momento,
depois de muitas loucuras - drogas, sexo
e todas estas coisas que dizem ser deturpações do mundo -, eis que me surgiu a
vontade de algo que antes não havia pensado. Em decorrência da curiosidade
natural da infância transitando para a tal da responsabilidade, talvez por
conta da antecipação racional da prisão que serão as rotinas de recebimentos de
proventos e pagamentos de contas, com lapsos de intervalos de tempo para si,
talvez pelo fim da vida infantil de irresponsabilidade e prazeres sem fim temos
aquela rebeldia que representa a transição.
Descobri que
não são os pêlos pubianos, ou em qualquer lugar antes inabitado, descobri que
não são as alterações na voz, nos desejos, não são essas transições, em mim
como homem, que demonstram a chegada da vida adulta, é sim a premonição pelas
responsabilidades vindouras em se tornar uma engrenagem de um sistema pesado,
falido, corrompido e destruído por séculos de deturpação da vida e da natureza
humana.
Mas foi após
esta época de fartura de desejos, de liberdade extrema, de experimentações, foi
neste saturar de cognições, de visões que surgiu alguém que eu não conhecia e
sequer antevia que conheceria um dia – meu eu espiritual, a minha parcela mais
antiga desta efêmera conglomeração energética que chamo e que reconheço em meio
ao infinito que me cerca. Por certo havia uma lembrança oculta dentro de mim,
como há no leitor, de tudo que se passou antes do ajuntamento cataclísmico que
gerou a individualidade aqui que fala com esta ai, talvez até seria melhor
falar de lembranças, de fragmentos de lembranças de tudo que fomos antes de
juntares estes pedaços de fragmentos cósmicos neste feixe de ser orgânico e
finito. Éramos letras que formavam outras palavras, somos hoje palavra finita
que ao ser decomposta no fim breve, serão recompostas em outras.
Individualmente os nomes talvez a isso representem, a soma de fragmentos fonéticos
que juntos tentam fazer sentido, diferenciar-se dos demais, e ajuntar-se com os
outros em frases, em poemas, em livros, na página infinita do universo. E
quantas curvas não são possíveis com as palavras que saem de nós, e quantos nós
não se formam com palavras, nós que até mesmo eu me embaralhei aqui nesta breve
narrativa. Mas retomando, sim, o corpo é finito, e finitas são as suas
capacidades, uma incongruência, quase uma piada cósmica, ter uma porção do
infinito, reflexo perfeito de tudo, presa a um conglomerado finito em sua
especificidade. Olha só, até meio confusa é a definição, somos um conglomerado
de energia infinita presa em um receptáculo finito e efêmero, de duração
irrisória perto do conteúdo, talvez a analogia mais perfeita do que somos é uma
bolha de sabão, em que a crosta ínfima de duração irrisória seja análoga a
nossa vida, e o interior da bolha, o ar, como tudo que cerca a bolha, o mesmo
ar, tenta se diferenciar em uma forma multicor de beleza rara, de vôo leve e de
brilho indescritível.
Mas e o ser que
eu não conhecia?
Bem, sobre ele
era de se esperar a descoberta, afinal, tudo que eu detinha de mim mesmo era o
conhecimento da borda mais superficial. Conhecia meu eu externo, uma parcela
finita, conhecia de relance a mente, e explorava com perfeição os desejos
todos. Neste conhecer o preço do infinito corpo foi cobrado, dores, doenças,
desequilíbrio pelos excessos, claro, mas que me fizeram fechar-me dentro de mim
mesmo. Olhando para dentro de si inicialmente, não minto, pensei estar em uma
prisão. Não sabia que quando entramos para dentro de si, o que na verdade quase
que inconscientemente fazemos é juntar forças para eclodir, como em um ovo, em
um novo ser, um ser que gostei de chamar, pelo que representava em relação ao
anterior, ser integral.
Uma nova
energia nasce junto aquele que foi as profundezas de si e regressou ao mundo
externo, ali está a luz de um nascimento especial, um nascimento de consciência,
um nascimento de brilho raro que transcende aos outros nascimentos todos em um
aspecto especial: ele é escolhido de forma deliberada pelo que nasceu, não é
acaso ou sequer necessidade, é antes de tudo a iluminação da consciência.
Falava um velho nagual que este era o necessário nascimento do guerreiro após a
sua morte, desta forma consciente.
Lembro-me bem
de minha morte, e de como os antigos que me conheceram não mais me reconheciam,
é assim a trasmutação, a verdadeira alquimia energética que transforma o
plúmbeo aspecto decrépto do ser parcial ao ser integral. Os olhos se abrem, as
asas também, o brilho clareia e de repente somos guiados por uma força maior
que todo aquele pequeno e restrito mundo que conhecíamos. Eu que achava que
tínhamos três nascimentos, aqui mesmo tempos atrás já comentei que nascíamos primeiro
no útero materno, em que fazíamos uma jornada inteira de evolução, desde um ser
unicelular a um complexo ser pluricelular, biologicamente falando, e
energeticamente em que a alquimia da junção de dois filamentos atraem a outros
e ao encapsulamento do ser em uma forma humana; o segundo nascimento aquele
social, quando somos paridos, quando somos socialmente recebidos, quando
respiramos a primeira parcela de ar e começamos a assumir velhos pactos, o
primeiro de que temos que respirar nesta forma, e depois que falar, que andar,
etc; o terceiro nascimento, eu acreditava, era o nascimento para quem
consciente partia para a morte, tinha seu casulo rompido e então conseguia
manter a unidade estrutural de dentro do ovo de luz sem a fina película
protetora, seguindo inorganicamente em sua jornada pelo infinito. Enganei-me
apenas, e agora vejo, em achar que este derradeiro não tinha um precedente, e o
tem.
O terceiro
nascimento na verdade é o nascimento da consciência do que somos. Trabalho que
independe de mestres, já o disse, de religiões, de sopros externos. O terceiro
nascimento é guiado pelo Espírito de forma igual a todos, mas só uns poucos,
não por serem especiais, talvez até por serem antispeciais, conseguem ouvir.
Acontece na etapa da vida de todos em que começamos a ter sonhos lúcidos, e até
alguns ensonhos, na etapa da vida que algo maior parece estar diante de nós.
Para alguns são apenas hormônios, dramas da vida moderna, para outros um
turbilhão que para sempre mudará as suas vidas. No terceiro nascimento a
pessoa, em geral pelo que já observei em mim e outros, tem um surto de
despertar, ouve a estrnaha voz e reconhece nela a única verdade sem máscaras
que já viu, e começa a explorar profundamente o que na verdade é. Para além das
aparências encontra evidências do que é, e na jornada para dentro de si
encontra a consciência de ser o próprio infinito, e expande-se em um novo
brilho nascendo então em luz, a luz do entendimento, ainda incompleto, mas
baseado agora na consciência, que vem junto de uma certeza, inexcusável, de que
tudo que era até então não passou de uma farsa. Este nascimento em geral, por
ser exotérmico, as vezes espantará velhos hábitos, pessoas, mudará a forma de
quem eclodiu, transformará a sua vida naturalmente e de todos que estarão ao
seu redor, alguns nunca mais serão vistos, caminhos antes convencionais nunca
mais serão pisados, gostos serão alterados, sonhos, tudo, cada pequeno detalhe e
grande serão transformados, uma verdadeira revolução pessoal que representa, ao
universo, um verdadeiro pulsar, como o de um coração que volta a bater.
Claro que
poetizei toda a experiência, não existe outra forma de falar sobre este evento,
não existe como demonstrá-lo, mas tenho por certo que muitos reconhecerão-se
nestas palavras. Não quero imprimir aqui a verdade, pois esta só pode ser
vivida, nunca dizida, mas imprimo um aspecto do que foi ela para mim, hoje,
sendo que amanhã posso contar de forma diferente, como já o fiz no passado.
Esta
transformação não significa, alerto, que o terceiro nascimento faça brotar um
avatar na Terra, mas sim que a pessoa que atingiu este estágio, que digo ser o
primeiro, foi retirada do mundo da inocência, comeu a maça do conhecimento do
paraíso e foi expulsa do lugar da inocência. Esta pessoa poderá até mascarar o
que descobriu, tentar esconder e ter uma vida social convencional, mas não
conseguirá fechar os olhos a realidade que agora conhece. Depois de abandonada
a inocência ela não poderá, nunca, ser recuperada, só haverá um caminho para a
completude da vida deste ser desperto, e não será nos prometidos nas
propagandas e pelos mestres todos da sociedade. Só no tripé do fortalecimento
do ser integral, na conexão de corpo, mente, espírito que se fará o equilíbrio
necessário para a vida ser plena, e para que este caminhante, agora de olhos
abertos, possa enxergar a mínima chance de se deparar com a chance do
derradeiro nascimento, ou o quarto nascimento, quando chegar o tempo do
inevitável encontro com a morte.
Aquele velho
nagual assim deixou as suas pistas. Não descuidava em nenhum tempo dos cuidados
com seu templo corpo, seja com as caminhadas, exercícios, alongamentos, seja
com a alimentação sempre pautada na energia que fazia. Não deixava também de
abstrair-se alimentando a mente com a filosofia própria que tinha criado para
poetizar o mundo, e também não deixava de ler e ouvir poemas, acalmava assim a
mente com uma maquinação humana que apontava ao infinito, sorvia o tempo e os
pensamentos, quando ainda os tinha, com pensamentos abstratos, domando o
elefante selvagem que é a mente, tal qual como Budha dizia ser o que deveria
ser feito com a mente também, energeticamente alternava entre as percepções,
entrava e saía de mundos inteiros, movia o seu ponto de percepção, expandia-o,
deixava-o o mais fluído possível, ouvia a todo tempo o Espírito e as suas
manifestações e mantinha o seu intento sempre apontado para aquele infinito que
nos cerca. Era um ser integral, e deixou o modelo pronto para ser visto e não
copiado, mas corroborado por quem neste caminho também achasse por bem seguir.
Por fim, dizia
ele, era importante que perdêssemos a forma humana, que chegássemos a um ponto
em que algo estalaria e se desfaria, e então chegaríamos ao reconhecimento
integral do que somos, sem máscaras que nos iludissem mais, somente com as
necessárias para não atrairmos as desnecessárias atenção em nosso cotidiano
neste mundo. Sabia ele que as máscaras não nos permitiam ver o mundo como era e
sim como o intento da aparência para determinada situação nos tangenciava a
ver.
Dia destes, por
um acaso do destino, eu que já achava ter me perdido entre os tantos caminhos que
temos à nossa frente, olhei para trás, e vi que só havia um caminho, talvez o
único que eu pudesse ter já caminhado. Neste mesmo dia, prescutando a tudo algo
se rompeu. Tive algumas atividades, algumas questões que me aconteceram, ao
largo de um só grande dia, que me esvaziou de uma torrente de inutilidades sem
fim, que não sei o porquê impregnavam a minha vida. Foi como se algo tivesse
jorrado de mim, como um gozo, cheio de prazer, e que se foi, deixando sequer a
lembrança. Neste dia não quis sequer narrar ou escrever sobre o acontecido, fui
dormir em êxtase total, inebriado de consciência e tomado pela percepção total
de mim e do mundo.
Ao deitar em
meu canto, logo fui saudado por um conjunto de guerreiros, sei que eram, e
dentre eles Juan Cortez que há tanto não via. Podia até ter chorado, e me
pergunto agora ao escrever estas palavras o porquê de não ter feito, mas já não
importa. Eles então me pegaram pelo braço e instantaneamente me levaram, entre
sorrisos, por uma trilha de mata baixa para o cume de um pequeno morro, lá onde
tinha algumas pedras e uma pequena estrutura de madeira representando algo que
não me recordo. Eles estavam sem camisa, em seus perfeitos estados segundo a
minha própria percepção. Eu estava leve como pluma, sorria como eles como se
algo tivesse, de grandioso acontecido.
Eles me
saudaram e Juan Cortez me disse, em tom alegre, que saberia que eu chegaria até
ali, e que estava feliz por eu não ter chegado ali apenas ao final de minha
vida. Le estava exultante, eu sentia a vibração de alegria. Ele dizia que eu
nunca tinha me perdido, que eu sabia, por eu mesmo, olhando para trás que meu
caminho era uma reta de uma simplicidade sem fim, e que assim era o caminho de
todas as pessoas. Me falou em sussurro que apenas temos a vista por demais
embaçada e achamos que o um caminho que todos tempos é uma miríade de caminhos.
Me sorriu quando falava, com a anuência dos outros dois, que nosso caminho é
simples, dele só temos uma partida e uma chegada, mas que eu estava ainda no
meio, e sabia para onde ir: - É para o lugar para o qual todos somos
destinados... Me falou entre risos. A diferença, ele me disse sem palavras, é o
que acontece com cada um ao chegar na linha final desta pequena e bela vida!
Não sei mais o
que ocorreu, mas desde então estou livre, estranho falar isso, mas há liberdade
sim que possa ser sentida, não posso dizer quanto isso vai durar, pois sei que
as vitórias são efêmeras nesta caminhada, mas sabe, olhando aqueles três
fazendo festa pela minha caminhada, sentindo o que sinto aqui agora só posso
falar uma coisa: - QUE SEJA!
E que tenhamos
ao fim a chance e reconhecer, pelo menos, que chegamos ao fim, e que cada passo
que precedeu a chegada foi cheio até a borda, não importa se de desafios, de
vitórias ou de derrotas, afinal, o que importa é a história que iremos contar
ao final desta bela jornada, me lembro o que um deles me falou naquele momento:
- Lembre-se, as coisas parecerão piorar muito antes de melhorar, só não
esqueça, não adianta nem um pouco se preocupar...
...Gostei muito. Obrigada.
ResponderExcluir"Lembre-se, as coisas parecerão piorar muito antes de melhorar, só não esqueça, não adianta nem um pouco se preocupar"...GRATIDÃO!
ResponderExcluirÉ um alento pensar que, para além da escala do dia-a-dia, onde tudo se da mediante uma repetição boçal, há uma longa duração na qual as coisas parecem caminhar para um certo sentido de desenvolvimento. Não deixamos nunca de caminhar, estamos sempre desenvolvendo algo, nem que seja a paciência. Parece haver algo como regimes de sono e despertar. Passamos semanas, as vezes meses, nas rotinas loucas, totalmente apartados do mistério; e, de repente, essa onda nos invade... independente de nossa vontade. Acordamos. As ondas do infinitos atingem com força nosso ser. Vem vindo devagar, um dia, outro dia, e então, pumba!, um grande catalisador. Gratidão por ter sido esse catalisador. Algo moveu aqui. Intento hermano!
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