O (des)equilíbrio da jornada da vida: as cicatrizes de uma caminhada
Impressionante
como há uma força quase irresistível tendente a nos desequilibrar a todo tempo.
São vários os tipos de desequilíbrios em nossa vida, mas refletem, em um campo
perceptível, problemas de desequilíbrios do nosso campo invisível: o campo
energético. Todo desequilíbrio interno tende a nos levar a inconsciência, ou a
estados mais baixos de energia que não nos permite a manutenção de um nível ótimo
de consciência que nos permita manter o equilíbrio tênue e frágil que é a nossa
vida no âmbito da sociedade.
Há, podemos
dizer, um primeiro sentido no equilíbrio que reflete-se em nosso próprio ser
visível, que diz respeito às facetas básicas de nossa existência, senão
vejamos:
·
Como seres orgânicos, tudo que temos se
manifesta em decorrência da forma que adquirimos para manifestar a nossa individualidade
neste tempo e espaço. Portanto o nosso corpo é o veículo de interação primeira
entre o que é a energia interior, formada em nossa gênese, e o universo. O
contato entre estes dois é a percepção, que se dá por meio dos sentidos, e a
transcrição deste contato se dá com a consciência, que é a utilização de parte
da percepção para correlacionar o mundo ao nosso redor com o nosso mundo
interior. Neste sentido o corpo é o veículo que usamos para esta breve
passagem, composto de todos os instrumentos necessários para que possamos fazer
essa breve jornada. Cuidar do corpo, a parte densa, física, manifesta, é um dos
primeiros objetivos que temos. Com o tempo limpo, bem cuidado, podemos ter um
contato mais acurado com o universo que nos cerca. Contudo, os desvios no
cuidado com o corpo podem fazer a pessoa reclusa em seu próprio ser,
egocentradas, cultores da própria forma em detrimento a todo o restante;
·
Como seres energéticos, devemos entender que o
orgânico é apenas uma pequena parte de nosso todo, e exercitar também os
sentidos inorgânicos que temos: terceira visão, corpo energético, ensonhos,
etc. Exercitar o corpo energético é tão essencial quanto a limpeza e manutenção
do corpo físico, e há diversas formas de exercitá-lo, várias práticas que vão
desde a mais simples meditação até o mais complexo exercício de ensonho ou
contemplação. Contudo, os desvios e descuido com o restante, e o superenfatizar
do corpo energético pode prejudicar o veículo corpo, e fazer com que o terceiro
elemento, a mente social, se desequilibrem, levando o viajante a consequências
igualmente desastrosas.
·
Como seres sociais, temos que entender que
vivemos em uma correlação regida por um pacto social antigo, que denominaremos
aqui, em homenagem ao Velho Nagual de primeiro anel de poder. A descrição do
mundo como ela é, e a regência mental das atividades diárias, se exercitadas,
podem levar ao aperfeiçoamento e ao refinamento da própria vida social, em uma
prática complexa de loucura controlada, ou espreita, que é viver o mundo em sua
loucura descritiva, ciente de que tudo não passa de uma loucura, mas mesmo
assim dando o melhor de si a cada instante. O exercício da mente no cotidiano é
igualmente necessário, ele mantém a coesão neste mundo para que o guerreiro não
seja sugado pela loucura descontrolada, perdendo-se em meio à dissolução de seu
eu pelo todo. A mente é o exercício da individualidade, de categorização de
coisas, de organização do universo caótico, necessária como passagem e exercício
temporário. Contudo, o superenfatizar da mente pode levar o caminhante a
acreditar na loucura, e igualmente se tornar um louco, contudo em termos não
sociais, um louco que acredita que toda essa descrição de mundo, todo o
consenso antigo é a verdade única, vejam bem, e não um aspecto diminuto de uma
verdade muito maior.
Nosso mundo foi
construído de forma a nos levar ao eterno desequilíbrio, sempre tendemos para
um ou outro lado. Em diversos momentos Castaneda chegou aos novos discípulos e
dizia coisas como “seja menos espiritual”, ou “seja menos racional” ou até exercite
mais seu corpo”, demonstrando a dificuldade em se andar na linha estreita
escolhida pelo caminho do donjuanismo, nome dado como homenagem ao ultimo
grande guerreiro desta linhagem. Nos livros, legado último desta linhagem,
energia ainda viva entre nós, também isso se expressava em diversos momentos:
no exercício do intelecto com as conversas filosóficas de DJ; nas caminhadas e
exercícios físicos constantes do Velho Nagual, bem como no enfatizar da boa e
consciente alimentação; e nos exercícios espirituais para treinamento do corpo
energético. Nunca o Velho Nagual mandou que Castaneda abandonasse o mundo, as
práticas diárias, sua cognição do primeiro anel de poder, pelo contrário,
mandou que preservasse todo o primeiro anel e ampliasse a descrição com o
segundo anel de poder, ou o consenso dos feiticeiros, uma descrição muito mais
completa de mundo, mas ainda distante de abarcar a realidade total.
Para nós o
desafio é igualmente portentoso. Temos que manter os pilares: mente, corpo, espírito
– e a todo tempo ver se o equilíbrio não se rompe, e falo, por experiência própria
a tremenda dificuldade que o é.
Já tive tendências
de todas as formas.
Já houve o
tempo pretérito de exultação hedonista dos prazeres todos do corpo, sem a
preocupação da mente e do espírito, no qual senti um decréscimo elevadíssimo de
energia, tendo envelhecido anos e anos inclusive em aparência.
Já houve o
tempo de pura energia, espírito puro, em que da mesma forma o corpo sentiu o
definhar, e a mente se viu dispersa na quase loucura que pode obliterar a nossa
própria existência, e consolidar a nossa dissolução prematura, como uma
borboleta que sairia da crisálida sem asas firmes para voar.
Já houve o
tempo da pura mente, em que quase a loucura do mundo me engolfou, me prendendo
nas promessas de uma descrição única e vazia do mundo, como se ela fosse capaz
de suplantar o vazio daquela voz ancestral que vez ou outras nos fala a nós
mesmos sobre este grande desafio que nos espera e nos cerca a todo tempo.
São todos momentos
como ondas, que as vezes nos colocam acima de todo o oceano, e as vezes nos
fazem rolar por dentro de um mar vasto e estranho, perdidos em nós mesmos, até
que possamos um dia, ou aprender a navegar, ou nos afundar em definitivo.
Digo que o
desafio maior ainda que se posta sobre mim, em minha imperfeita compreensão é
buscar o equilíbrio dentre os três pilares, buscar a fina linha deste pequeno
caminho que leva a liberdade, entender que tudo é igualmente importante e válido
na vida, em nossa tão curta e breve caminhada. Sentir esse equilíbrio é algo
que nos deixa cheio de energia, e temos sim, a todo momento, que deixar marcas
no chão, pichar as paredes da ignorância com tintas multicoloridas para lembrar
aos que estão em igual condição que existe este caminho, que não foi apenas um
sonho de criança, um devaneio de uma adolescência hippie, ou um sonho de um
velho índio louco. Devemos lembrar sim que este caminho ainda está aqui ao
nosso redor, vivo, pulsando, e que mesmo se estivermos desequilibrados ainda é possível
voltar a ele, sem abandonar nada, sem deixar ninguém, mudando apenas a nossa
percepção, mudando apenas as nossas prioridades, mudando apenas as lentes sujas
e rotas que carregamos em nossa cara.
Sei que muitos
aqui se esquecem quase sempre, mas como eu lembram algumas vezes do que é a
sensação do equilíbrio, a sensação de estar no centro deste caminho, a sensação
de estar completo em si mesmo.
Posso até
arriscar, como a ignorância que me é convencional, a dizer que qualquer caminho
vai ter coração quando tivermos esse equilíbrio total dentro de nós, porque
teremos o entendimento mais que perfeito de que tudo é uma grande ilusão, um
grande adorno, uma grande brincadeira do universo que apenas cobre como um
manto quente a realidade impessoal que está por detrás de tudo isso.
Sinto falta do
equilíbrio, e para isso, e por isso, devo mais uma vez busca-lo, nas três
etapas do desequilíbrio que passei, por incontáveis vezes alternadas, sinto que
agora é a hora de buscar mais uma vez o centro, sem a certeza do sucesso, mas
com o regozijo da breve lembrança do que é estar ali nesta zona especial...
E mesmo que eu
chegue lá outra vez, e sei que chegarei, isso é certo, o que não garanto, e
essa é a única certeza que tenho, que ficarei por lá muito tempo. Se algo
aprendi nestes anos de caminhada foi que este equilíbrio é muito tênue, e
talvez por isso agora entenda muito mais visceralmente que intelectualmente o
que significa intento inflexível, aquele necessário para trilhar por esta
linha, pois nunca se consolida a vitória, sempre a caminhada se constitui em
guerra, uma guerra contra si, a sua própria ignorância e indolência, uma guerra
quase sempre arrastada para fora, nos espectros de nossas próprias falhas que
se manifestam no outro: espelhos perfeitos de nós mesmos.
E assim, o
mundo social, arrastando para fora essa batalha, nos mantém desequilibrados e
sempre em derrota no único lugar em que podemos vencer algo: dentro de nós
mesmos...
E prometo mais
uma vez, nesta jornada, não para ninguém além de mim mesmo resistir a toda
torrente da ignorância até o fim...
Espelhos de nossas próprias falhas que se manifestam no outro: espelhos perfeitos de nós mesmos. Equilíbrio, intento inflexível a todos.
ResponderExcluirBela reflexão, gracias por partilhar.
ResponderExcluirGaivota
O universo é insondável e mágico. Um dia, caminhando no parque de uma capital nordestina, uma pequena aranha pousou lindamente com seus fios de seda no meu ombro esquerdo. Não assustei-me com nada disso e continuei minha missão pelo parque crente de que ela, a qualquer momento, pularia de meu ombro. O que sucedeu foi que ela em circunstância alguma me abandonou e como que fosse uma carona pra ela, a levei em meu ombro por quilômetros de distância até que, ao chegar na rua de minha casa, ela saltou num jardim florido. Vendo isso percebi que ela só queria uma carona e que o lugar onde ela estava era de algum modo uma missão que teve de cumprir igual ao escopo da minha. Quando ela saltou naquele jardim florido não pude deixar de notar as fibras de energia que ela emanou no pulo. Vi seu espectro de luz porque ao caminhar sem focalizar a visão em nada, somente nas sombras das árvores e contemplando as nuvens rasas no céu, desliguei o diálogo interno e vislumbrei o toque do infinito - ou o toque do desconhecido. Vi o alinhamento das emanações livres se encaixarem com as emanações de dentro do casulo e como que numa confirmação, ou presságio, um anum piou no cansado sol do crepúsculo. Sem dúvidas, um instante de poder.
ResponderExcluirNik Muluc
Um Conto de Poder
11.09.2018 / 17:39