O ponto de inflexão




Por um tempo andei distante deste local de catarse de minha própria caminhada. Entregar-se aos desígnios do caminho social é parte inevitável da caminhada que fazemos neste breve hiato da eternidade. Há um tempo atrás, quando ainda ativamente aqui dialogava, havia me proposto a condicionantes futuras para um tempo de dedicação exclusiva ao Espírito, e a caminhada do Nagual. Todas as condicionantes eram desculpas pautadas em expectativas sociais bem montadas, que aos poucos se tornam necessidade em nossa jornada, não necessidades reais, mas forjadas, teias que nos prendem pouco a pouco, e de tão finas de forma invisível, a trama do emaranhado do mundo social. Contingências que são a todo momento reforçadas nos papéis sociais de todos aqueles que nos cercam. Tudo nos acerca para premissas futuras: quando me formar amplio o tempo para mim mesmo; quando conseguir um emprego me dedico ao lazer; quando meus filhos crescerem terei tempo para o que gosto; quando conseguir um cargo volto a ler os livros de gosto. São tantos os anteparos sociais que nos perdemos, tantas condicionantes que esquecemos, e esquecidos somos tragados à vida de zumbis que nunca acreditávamos que teríamos. Nos olhamos, vez ou outra, e no reflexo do espelho há um lapso que nos relembra as antigas promessas, de quem um ou dois obstáculos fossem cruzados, mas em meio  todas as promessas se perdeu aquele verdadeiro caminho que nos enchia até a borda. Ao olhar no espelho se passaram anos, e de duas ou três condicionantes, mais 10 ou 20 se formaram, e o futuro que já era para ter sido atingido foi postergado para um novo amanhã, como uma miragem no deserto ao ser alcançada.
Ao parar um pouco em meio ao alvoroço e correria do dia a dia me deparo com um questionamento: aonde está o Espírito que não mais o sinto?
Não existiu? Era apenas um devaneio infantil? Me abandonou pela rota que resolvi trilhar?
Sinceramente abrindo o coração consigo sentir o pulsar efêmero e distante, um rufar suave e abafado que me diz, em um sussurro efêmero que ainda existe o Espírito, e que ele está ali, mas que voltado para o lado oposto a ele não consigo enxergar. Basta voltar-se a ele, e ele voltará a pulsar como um eco constante nos dias, trazendo a exultante alegria do caminhar. O mundo social é frio, ele me conta, e desde sempre sabia disso, as promessas do mundo social sempre apontam para um amanhã, portanto ilusório, enquanto o Espírito não promete, mas sim realiza...
Sinto cada palavra como um eco em um coração frio, e vejo, com uma clareza longe de estar completa como já foi outrora, que os obstáculos e metas do mundo social não levam ao libertação, mas nos enterram em um distanciamento e obnublamento da verdadeira visão do mundo, nos distanciando essencialmente do que somos e do caminho de nosso coração. Basta medir, com a exatidão quântica dos melhores processadores, e verão que estão sim em polos opostos os desígnios sociais e os desígnios abstratos do Espírito: eis que é o signo de nosso tempo.
É importante então deixar de lamentar, juntar os frangalhos energéticos e voltar a caminhar na senda do guerreiro, no caminho estreito da atenção, espreitando como um caçador, ainda que velho, as trilhas com cheiro e forma de nosso coração. É tempo sim, para cumprirmos a promessa mais verdadeira da retomada, por debaixo de todas as vestes emplumadas e promessas falsas do mundo social, e iniciar o caminho do regresso.
Sentir a voz efêmera que ainda pulsa do Espírito e entender que, por efêmera significa não que Ele está distante, mas que o caminhante dele se afastou, é retomar a essencial limpeza do elo, abrindo-se como receptáculo aos mistérios do infinito, e intentando o abstrato, esta sim força motriz de impulsionamento ao infinito, que não está no amanhã, tão pouco no hoje ou no ontem, mas se estende por um infinito para além do tempo, que só pode ser tocado no agora, no momento único e mágico aonde acontecem as transformações.
Me deparo agora com a percepção de que a epifania é também um toque, um impulso, um suspiro daquele adormecido dentro de quem esqueceu a verdadeira caminhada, mas que está pronto a despertar. Sim, sempre é tempo de retomar, sempre é tempo de recomeçar, sempre é tempo de regressar a fonte, ainda que hoje fosse o último dia, o último suspiro, teria nele toda a possibilidade infinita do impulso ao infinito que aqui está, e que está para além de toda a efemeridade ilusória que nos cerca, não no sentido de estar ao nosso redor disponível, mas no sentido real, de nos cercear, se se tornar cerca de aprisionamento, muitas das vezes invisível, muitas das vezes forjando-se o caminho do coração, mas sempre vazia de sentido, de energia, de verdade...
Eis que aqui apresenta-se, mais uma vez, um ponto de inflexão, donde brota o ânimo do retorno, do regresso à fonte, ao chamado do Espírito.

Comentários

  1. Se me és chamado do Espírito, sou em Ti! Intento a todos.

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  2. Bom te ver!!! Saudações, Gaivota.

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