A CHANCE MÍNIMA DO GUERREIRO VIDENTE

Fui pego em uma onda, um puxão energético trazido pelos ventos que são muito comuns nesta época do ano, na terra onde moro. Este vento me levou lá para fora de minha casa, para o relento, me postando por sobre o maravilhoso e infinito céu de uma noite escura, cravejada de estrelas. O céu deste cerrado, por lindo que seja, não me chamou tanta atenção neste dia como o sentimento que se abriu nesta fisgada do Espírito. Me postei no chão, ou no ar, nem bem sei dizer pois me tornei uma sensação, a sentir o que já fui quando mais livre era, em um passado que a cada dia se torna mais distante, donde posso dizer que era outro eu, como somos, mudados a cada dia.

Naquela sensação me foram ditas algumas coisas, sopradas pelo vento como emissário do Espírito, ou talvez eu tinha apenas sabido por ter me tornado, como outrora fazia com mais frequência, o próprio vento.

“O amante, apaixonado, embriagado pelo seu sentir, não se importa com as coisas todas do mundo social: riquezas, poder, bens – ele só quer amar. Quando alguém está assim, o mundo abre a ele uma nova face, em regra oculta, que o permite contemplar a vida como uma maravilha diária.”

Entendi, pois não era uma frase, mas sim um conhecimento completo, que o sopro de conhecimento me dizia acerca da paixão pela vida, uma paixão pueril de um jovem que olha para as infinitas possibilidades do futuro e com elas se regozija. Um jovem que ao ler as obras mágicas como as de Castaneda se embriaga e se apaixona pelo mistério que nós somos, pela complexidade que temos em nosso conjunto energético, e pela mágica que existe ao nosso redor, para além da solidez de tudo que nos parece tão concreto neste mundo, mas que é por demais efêmero.

Fui jogando em uma torrente mágica e me apercebi e me assenhorei deste sentimento mágico de paixão pelo mistério e pela mágica que nos circunda e nos permeia ao mesmo tempo, e lembrei desta tão grande profusão de sentimento que nos deixa em um misto de uma tristeza profunda, eco do infinito, e uma excitação extrema, eco de nosso ser chamado pelo seu verso.

Sim, há mágica em nós, entre nós e ao redor de nós. Esta mágica é soterrada à medida que caminhamos a trilha do caminho social, que postamos à nossa frente, ao nosso lado e acima de nós os objetos sólidos e as preocupações efêmeras impostas, vendidas e dispostas em nosso rol de necessidades inventadas. Somos ensinados desde tão jovens a relegar ao esquecimento a mágica que somos e de onde estamos. O primeiro anel do poder, o círculo cognitivo construído, a realidade inventada no pacto antigo, mantida por gerações, o grilhão que nos prende à descrição resumida e simplificada da realidade profunda e complexa que é a existência. Este anel que outrora fora a organização hoje se torna o anel do grilhão que nos acorrenta, e à medida que caminhamos nos tornamos menos apaixonados, nos tornamos menos mágicos, construindo com as nossas próprias mãos os muros de nossa prisão inventada, que à medida que o tempo passa se torna a nossa lápide.

Sim, foi um espasmo de consciência, um espasmo que me fez ver para além dos muros de minha casa, para além dos bens que me cercam e me aprisionam, me fez lembrar a metáfora do deserto e da areia que se move a todo dia, tão insólita, sustentando os passos do viajante ao mesmo tempo que obnubila a sua visão, que voa e se reconstrói em montanhas que novamente serão pisadas, refeitas e desfeitas.

Neste espasmo vi como densamente treinados a nos solidificar acreditando, cada dia mais, que a descrição do mundo é a realidade do mundo, fazendo com que a lição imposta pelos mestres todos se torne a realidade em si, tomando a ilusão pela realidade. E deixamos passar a essência, somos treinados para deixar a essência sumir aos nossos olhos.

Vi um turbilhão de imagens passando ao meu redor e quando me dei por mim as coisas explodiram, literalmente viraram pura luz e escuridão, cessaram os pensamentos e a minha energia no plexo solar começou a vibrar, em uma sensação como de borboletas no estômago de um apaixonado ao ver o seu amor. Senti minha energia vibrando e em minha cabeça um formigamento, a excitação me percorria o corpo como jorros de energia, e vi tudo brilhar, como quando desfocamos a vista ao olhar para um ponto de luz. Vi teias de luz aonde eram antes muros, casas, árvores, senti a energia passar por mim, me tocar e ser tocada por mim, e me dissolvi em um instante, como um jato energético. A sensação ainda me permeia a garganta quando tento escrever e concatenar as informações, um nó, poderia assim descrever, me dificulta engolir até a saliva quando recordo as sensações. Tudo ficou extremamente diminuto e sem tanto sentido: vi espasmos de energia fluindo pela miríade de luz, sabia ser o fluxo social – aquilo é a crença no dinheiro, aquilo em deus, aquilo é o apego aos bens, aquilo é o amor entre entes queridos...

Após uma explosão de incompreensão uma voz me disse: É TUDO UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL: O AMOR, O PODER, O DINHEIRO, O APEGO AS COISAS TODAS...

Era tudo o mesmo quinhão energético, era tudo nada, mas uma vibração compartilhada. 

Talvez essa sensação vá se perder como outras tantas que já tive, e escrever seja um diário de memórias para mim mesmo, como vem sendo o que já escrevi outrora. Mas a mensagem, ao voltar para a minha cama, e ver que tudo pareceu ser um devaneio contemplativo de quem olhava o sol, banhado pelo vendo, é clara. O Espirito permanece ali, e a chance mínima que temos não se esvai até que tenhamos vida. A chance mínima é a nossa vida, este lapso tão efêmero e curto, que achamos ser eterno. O problema desta chance é que não sabemos como se esvai, quando se esvai, e não estamos tão pouco preparados para quando acontecer: e vai acontecer!

E quando acontecer teremos a mesma percepção que tive mais uma vez nesta visão, que tudo que temos não é absolutamente nada em meio ao infinito de possibilidades, que nos prendemos em um galho de arvore pela fé em sua força, quando somos apenas cavalos domados, inconscientes. A lápide de cada um de nós já está pronta, construída pelas nossas próprias mãos, arrumamos até as damas e senhores para chorarem a nossa morte, a nossa herança está pronta, e ela é a instrução para a lápide dos que, em nosso leito de morte chorarão.

Entendam amigos, a chance mínima está se esvaindo, olhamos impassíveis repetindo o mantra eterno da ilusão: ainda há tempo para salvação.