A jornada do autoconhecimento

 



Somos tocados, vez ou outra, por uma profunda vontade silenciosa, para além de qualquer interferência da mente, a buscar dentro de nós mesmos a verdadeira essência do que fazemos aqui, dentro da órbita inevitável das perguntas essenciais e fundamentais de todas as pessoas: de onde viemos, o que aqui fazemos e para onde vamos?

De todas elas me deparo sempre, ao olhar para o agora presente, na necessidade de assumirmos este lapso infinitesimal de consciência que somos, de uma brevidade espantosa em face ao que nos cerca, para conjecturar, para além de saber o que aqui fazer, em uma ação de transformação para aqui SER.

“Aqui ser” é um conjunto absolutamente complexo de nossas potencialidades, o que demanda em um primeiro lugar a observação de tudo o que a maioria das pessoas fogem: nós mesmos. Reconhecer-se é o primeiro passo, entender o que somos, em nossa completude, para entender, a posteriori, os próximos passos a se seguirem, que levarão a inevitável descoberta do que aqui fazemos e, com sorte, das demais perguntas existenciais.

“Nós mesmos” é uma composição única, tenho que dizer inicialmente, uma composição única de uma melodia que não é a repetição e que não se repetirá no universo em sua infinita grandiosidade. Cada um de nós é uma composição única e própria que nos torna, imediatamente, especiais – não ao universo, a um ser superior ou à admiração de inferiores, não sujeito, digo, a comparações. Somos especiais por sermos únicos, e a unidade que compõe a cada um de nós nos permite, inicialmente, entender que absolutamente todos somos especiais, absolutamente para todos existe o mesmo universo de possibilidades: com particulares desafios, facilidades, potencialidades a serem exploradas e dificuldades a serem superadas. Sim, em sendo cada um de nós especial, a cada um cabe um tipo de caminho, para cada um existe um tempo de maturação, uma forma de caminhar, ainda que possamos, eventualmente, caminhar junto a outras pessoas, desde que cientes de sermos todos especiais.

Entendendo a composição única que nos faz devemos reconhecer, ainda, que esta composição é uma somatória de fragmentos de composições únicas que nos precederam. Aqui alerto para que não nos confundamos com as histórias de reencarnação, de unidade eterna: não é sobre isso que falo aqui -, digo sobre sermos a composição de fragmentos do que fora antes unidade, por sua vez composta de fragmentos do que antes também, e assim em uma espiral de reorganização de fragmentos energéticos em unidades na espiral infinita do ourobouros.

“Nós mesmos” então é um pressuposto de autoconhecimento, a necessidade que se faz de entendermos o que somos, quais são as nossas potencialidades, nossas dificuldades, de que somos compostos e, cientes disso, buscar o atingimento de nossa máxima potencialidade como exploração dos limites para o auto conhecer. Oras, não é possível, por exemplo, que se saiba sobre uma gleba de terra sem explorar os seus limites, tal e qual não é possível que nos saibamos sem que entendamos os limites que temos em nós mesmos. Eis o caminho primevo para, com consciência, retribuir ao milagre de ser que nos trouxe até aqui, neste exato e mesmo tempo e espaço que nos permite, de alguma forma, trocar experiências de consciência.

“Aqui ser” demanda o aquiescer no sentido de aceitar o que nos foi dado e explorar o que nos foi dado, o tal do “nós mesmos”, em cada aspecto de nossa potencialidade, e isso demanda um trabalho em si para toda uma vida, um trabalho que leva ao crescimento, passo a passo, não de forma linear como seria fácil, mas de forma tortuosa como são os caminhos que levam aos mais belos lugares, e o caminho que falo aqui é o “caminho do coração”. Aquiescer então é o caminho de conhecer-se, de explorar-se, de permitir-se dentro do que somos, seres percebedores, atendendo ao primeiro desígnio para o qual absolutamente todos os seres sencientes são criados: para perceber de forma consciente o universo. O primeiro desígnio nos faz aparentar estar separado, pois pode trazer o pressuposto de conhecer o universo como se este fosse algo externo, mas não: é o universo tudo aqui que começa e se encerra em cada um de nós, pois somos parte deste, a parte mais próxima e quiçá a mais distante, a última ser buscada por muitos.

Aceitar o que somos demanda, portanto, entender o que somos. Entender o que somos demanda, por sua vez, buscar o caminho que leva para dentro fazendo com que se reconheça que o que está dentro é exatamente igual ao que está fora. Neste caminho o reconhecimento se faz desde o mais densamente visível a cada um de nós (corpo físico, pensamentos, sentimentos) até ao menos denso, mas presente (corpo de sonhar, corpo energético, etc). A exploração e, mais ainda, a utilização da potencialidade máxima de cada um dos aspectos de nós mesmos é o pressuposto para conseguir as respostas que todos buscamos pelo menos uma vez ao largo de nossas vidas. Entrementes, não é essa busca, ainda que com afinco e consciência, que nos tornará um ser puro, iluminado, irradiando good vibes, longe disso, a busca não nos tornará melhor do que ninguém, muitas vezes nos tornando até mais ranzinzas, fechados, ora sorumbáticos ora de uma alegria extrema, exatamente pelo árduo que é o despertar da consciência. Os sentimentos, nesta busca, mesclados pela mente confusa com a consciência, tornará aquele que busca conhecer-se muitas vezes confuso, preso a dúvidas e indagações, preso a uma letargia ao meditar ou ao buscar praticar o que lhe leva a conhecer-se, tal e qual um mecanismo de defesa da mente social que busca nos manter como zumbis insones em meio a nossa tão breve vida, zumbis delirantes de uma imortalidade que nunca esteve sequer perto de existir.

Vejam, não há como dizer que o caminho do autoconhecimento, a ampliação da consciência o fará um arauto de luz a iluminar aqueles que o cercam. Não há como dizer que isso o fará ser tal e qual um monge asceta de tão pleno mentalmente, não há garantias de que serás alguém melhor ou pior aos olhos da sociedade, mas tão somente que enxergará o que você realmente é, permitindo que se abra uma ponta, em sabendo quem és, para o que aqui veio fazer e as demais perguntas existenciais.

Reconhecendo o “nós mesmos” e entendendo o “aqui ser”, cientes de todo o potencial que temos, e as falhas a serem superadas, abre-se uma ponte, como dito, para atingirmos o nosso máximo e, conscientes destas possibilidades, nos prepararmos para uma fiação de possibilidade quando chegar a única certeza de nossa vida, naquela chance final que nos será dada a todos de manter a nossa unidade pelo universo, abandonando a densa matéria e seguindo, aglutinados pela consciência, para algo para além do que as palavras possam expressar. Chegar a tal nível de consciência ao fim de nossa breve caminhada nesta vida é o que nos concebe o reconhecimento de “nós mesmos” e a plenitude do “aqui ser”, ser consciente nos permite a máxima de nossas possibilidades, afastando a tristeza que consome aqueles que estão ordinariamente no ocaso de seus dias na Terra.

A tristeza dos inconscientes perto do momento de sua partida se dá pela lembrança que chega, naqueles derradeiros momentos da vida, de que a morte pode ser algo para além da simples dissolução. Contudo, a lembrança, na maioria das pessoas, só se achega nos momentos finais, quando há pouco tempo para reconhecer-se e para ser pleno, vem como um sono final em que as lembranças da vida será uma a uma retirada e espalhadas pelos confins do universo em seres que virão, não serão perdidas mas em regra não serão mais unidades, como uma taça de vidro quando cai ao chão e se despedaça em milhares de fragmentos. A tristeza é dos últimos dias é em saber que, esquecidos pelo sono da mente social, foram aqueles apegados a tudo que teriam que deixar no derradeiro momento, a tudo que sequer nas lembranças da unidade seriam mantidos, em detrimento da consciência: a única que poderia fazer manter a unidade para seguir a viagem.

A lembrança vem por demais tarde e a tristeza tenta ser acalmada por toda sorte de estórias de uma alma imortal, de um mundo no porvir, de uma nova chance que será dada depois, na deturpação da verdadeira doutrina do Universo, da realidade da fragmentação de tudo aquilo que não conseguiu, com a dádiva da vida senciente, manter a consciência no momento do presente derradeiro conhecido como Morte.

A mesma chave que abriu a porta em nossa chegada, a fechará após a nossa partida. O primeiro e o último suspiro estão separados por uma vida, em um se dá a potência da consciência, no último se verifica a consciência. Para os que viveram uma vida insone, o derradeiro momento é de tristeza, de inconsciência, como cada sonho de cada noite, como cada despertar de cada dia. A mão que tece a trama do que somos não deseja, mas permite que sejamos conscientes, e se não o formos, será a mão que levará de volta os fragmentos a origem e tecerá um novo ser. No derradeiro momento de cada ser, será separado o sutil do bruto, subirá novamente da terra para o céu, para um dia descer novamente a terra. Quem entender e quem for consciente do que é saberá e transcenderá, sabendo que a mesma chave que abriu a porta de nossa chegada poderá abrir outra porta, e que não precisamos retornar àquela porta por onde chegamos, chegando a antessala da imortalidade.

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