No grande rio de um mundo esquecido
Estava em uma cascata, sendo banhado por águas claras, então
um pensamento me veio, tão breve como as bolhas de espuma que se formavam na
água e seguiam pouco a pouco.
O mundo da existência era somente um rio, um grande rio que
parecia infindo.
Nasceu ali, na fonte que brotava, rebento de nova vida, como
Hucleberry, em uma jangada.
Mas era sem margens, sem nada, pura água para todos os lados
que olhava.
De pequeno sua mãe e pai lhe disseram ser aquilo o mundo,
somente aquilo, e ele creu.
Praguejava quando as tempestades o assolavam, mas aos poucos
viu que de nada adiantava.
Alegrava-se com os dias de sol pujante, onde regozijava-se
com a luz ofuscante.
Admirava-se nos dias de pesca abundante, quando seu pai e
mãe faziam banquete elegante.
Entristecia-se com os dias de fome, que também eram
presentes.
Seus pais diziam, sempre falavam, que vieram da fonte de
tudo, onde brota a águe e a vida.
Diziam ser originados da grande cachoeira perdida, e que um
dia ao mar se encontrariam.
Temiam e sabiam ser certo o fim, no grande mar, na boca da
morte, “O tubarão de Agar”.
Encontrou tantas jangadas no caminho, e todas diziam o fim
ser o mesmo destino.
Aprendeu, após seus pais deixar, que não adiantava o mundo
chorar:
Quando era tempo de chuva ela viria, de sol ele lá estaria,
Aprendeu que a bonança e dor eram efêmeros, e sua alma se
fortaleceu.
Mas quis saber da essência de tudo, já que o destino já
estava pronto, e trama tecida.
Entendeu, então, que como a água veio da mesma fonte, para
além da grande cachoeira.
Viu, falando com a água, que ela mesma se lembrou já ser
pássaro, e estar no céu.
Ouviu da água que parte voltava a voar, e vinha de volta com
a chuva se reencontrar.
Entendeu que a água, os peixes, ele mesmo e as pedras do rio
eram iguais, eram um só
E entendeu assim que, mesmo após partirem seus pais nunca
esteve só,
E que seus pais nunca partiram.
Olhou para o céu e os viu, entre os relâmpagos da praguejada
tempestade,
Ouvi-os entre os retumbantes estrondos dos trovões,
Sentiu seus toques nas águas que o abraçavam, e viu seus
braços embalarem a jangada que estava.
E entendeu que ele mesmo era apenas um sonho de tudo aquilo
Um fragmento como os fragmentos dos sonhos que durante noite
pós noite sempre teve
E que era parte de algo muito maior que tinha de si mesmo
esquecido.
Não havia Tubarão da Agar, não havia doente criadora, não
havia medo, nem solidão.
Era tudo, quando entendeu, libertação.
Viu-se como céu, sol e lua, como chuva branda, céu claro ou noite
escura.
Viu-se em tudo, e tudo se viu nele mesmo, e sentiu a pequena
camada translúcida que o separava.
E percebeu que, como nos sonhos, era tão pouco e parco o véu
que separa da lembrança.
E lembrou-se.
E não havia mais jangada, pois tornou-se o rio.
E não havia mais mar a chegar, pois o rio era o próprio mar.
E não havia o céu, pois o rio era parte que descia do céu.
Não havia leito e pedras e peixes e pássaros, e pais e
filhos, pois era tudo um.
Quando o véu se levantou, ele não era mais ele, não era nada,
e era tudo.
Como se tivesse despertado de um sonho,
Como se tivesse levantado da cama,
Como se tivesse mergulhado na vida,
A vida que sempre foi,
A vida que sempre será,
A vida que,
Por um pequeno,
Diminuto,
Breve sonho,
Esqueceu que existiu.
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