Um breve confronto com o medo - A feiticeira negra

O medo é a essência da prisão humana. O medo nos faz presos ao nosso mundo pessoal, restritos, longe de nossas buscas. Segundo Don Juan, este é o nosso primeiro inimigo, que nos aprisiona, que nos impede de seguir o caminho, contudo, se vencido for, ganhamos como troféu a clareza.

O pensamento me veio à mente depois de uma profunda meditação. Eu havia sonhado com uma aliada, ela me dizia claramente que queria um encontro comigo, eu a via renascer em minhas mãos, era uma planta maravilhosa, ela me falava, me olhava, eu sentia o seu sentimento, ela me dizia que tinha um tema latente em minha frente, uma barreira que eu deveria transpor, que deveria enfrentar antes de continuar a nossa caminhada.

Então que as coisas seguiram. Acordei de forma normal aquele dia, eles se seguiam a  volta de minha jornada ao local da implacabilidade, local em que eu fora levado de volta aos impropérios normais de nossa vida. Contudo é uma posição que não podemos sustentar, o ponto de aglutinação fica distante por um tempo, mas a sua tendência é retornar a sua posição costumeira, sinto essa volta, senti ela por um tempo, hoje estou no mesmo lugar.

Contudo, naquele dia tive um encontro com minha planta de poder, uma delas, a relacionada a visões e pressentimentos. Então que as coisas aconteceram, inicialmente vi uma mulher gorda e feia vindo em minha direção, era algo assustador, ela tinha uma aparência diferente, um olhar que queimava, incendiava e causava medo. Como um ataque incomum, senti mais uma vez o medo, senti-me sendo tragado por aquela energia, de alguma forma.

Minha energia lutava de todas as maneiras para manter-se, minha totalidade estava pronta a ruir apenas com a presença daquela entidade mágica e desconhecida. Então eu vi em minha mente passarem imagens de toda sorte, via imagens perdidas de temas relacionados ao mundo cotidiano, sexo, dinheiro, corrupção, poder, bebidas, todas aquelas ferramentas que comumente corrompem a caminhada de muitos, eu tentava me desviar da cena, mas algo me mantinha colado a ela, eu via a mulher sorrindo, eu sentia sua pressão sobre mim, era com toda certeza uma energia perigosa que me ensinava alguma coisa ainda desconhecida. As cenas misturavam-se a cenas de meu passado, de meu presente, eu era surrado com as imperfeições ainda de minha mente, de meu ego, de minha personalidade.

Eu estava quase derrotado, mas ainda tinha reservas, eu praticamente estava apenas naquele mundo, com aquela mulher, mas sentia ainda meu corpo físico no meu lugar de poder, estava voltado para o lugar onde sabia que haveria o meu embate, estava voltado para o oeste e a mulher vinha daquele lado. Então algo dentro de mim rompeu-se, vi então com perfeição que ela era um aliado que vinha me desafiar, concentrei-me nela, em seu ponto central, com todas minhas forças dei um grito com meu corpo energético, e não me perguntem como fiz isso, apenas o fiz. Foi então que as coisas acalmaram-se, toda aquela quantidade de energia começou a dissipar-se, eu a via, somente ela, a energia, e começava a ver o quanto ela era conhecida.

Então que ela veio sorridente para mim, ainda com um tom de malícia nos olhos e me falou:

 - Você não venceu ainda o medo, ele ainda o domina, se você o tivesse vencido, ou qualquer um que com você anda, seria cristalinas as palavras desta pessoa, de tão claras perceber-se-ia que venceram o medo em suas palavras.

Então ela continuou:

 - Você se regozija de ter tido energia suficiente para atrair o conhecimento do Nagual, mas se apega as velhas questões de aparências, queria ver você achar tão bom o conhecimento vir de uma pessoa como eu, a antítese de sua idealização do conhecimento, olhando para minha aparência pensa que sou desleixada, que não tenho impecabilidade, mas sentiu que o poder não escolhe por aparências, pela forma, o poder se manifesta de formas estranhas, e em diferentes pessoas.

Eu percebi algo diferente, quando ela falava, no fundo de seus olhos eu reconhecia alguém, era uma pessoa conhecida, eu não entendia direito, mas parecia ser uma armação, ela não era aquilo que eu via, eu fiz uma tremenda força para tentar interpretar a confusão que me invadia, mas não conseguia pensar, então me aquietei e foquei naquela forma. Ela então explodiu, virou então uma bolha de energia e se foi, senti apenas a sensação de que eu conhecia aquela energia de alguma forma que ainda não sei conceber, mas sinto que o desafio passou, apesar da aspereza das palavras terem ficado comigo, ecoando dentro de minha mente.

Agora eu tinha certeza, meu inimigo ainda estava ali, senti-me perdido neste mar, sabia ter o medo ainda a minha espreita, e como enfrentá-lo, eu estava perdido e perdido tinha encontrado a resposta. Não havia soluções, apenas aceitando o medo, e me entregando ao mar escuro eu venceria este inimigo, só me bastava seguir caminhando, ciente ainda de minha caminhada longa, que sequer começava, os velhos inimigos me espreitando, e os velhos desafios a minha frente, protos a serem desafiados, superados.

Lembro-me ainda de palavras particulares sopradas em meu ouvido pela velha feiticeira negra, ela me dizia:

 - Você tem medo de lhe faltar comida, de lhe faltar dinheiro, de lhe faltarem forças para caminhar, de não atingir a liberdade, você tem medo de ter a liberdade e não saber o que fazer, e de fazer e errar, o medo é uma parte de toda a sua vida, então modificando a sua vida, e apenas modificando a sua vida, você vencerá o seu inimigo.

Intento a todos.