A liberdade de saber

 

Portanto, amigos, a liberdade não é o ato de poder ir onde se quer, é o ato de saber onde se quer ir, e seguir nesta direção independentemente dos embaraços que se apresentem.

Permitir-se a revisitar os processos que acontecem na vida de cada um é permitir-se a evoluir. Em determinados momentos da vida, na verdade em muitos dos momentos, vemo-nos as voltas com pessoas que são livre, libertas no sentido físico das coisas, mas a ignorância as prende, faz com que não se possa saber para onde caminhar. A maior libertação é saber o que se quer, o que se é, e daí o caminhar será um deleite, independentemente do caminho, será a trilha maravilhosa e transbordante que te levará ao destino que certamente irá chegar.

Não entendi particularmente durante muito tempo o que seria essa tal liberdade que muitos falam, buscam mas que sequer sabem o que é. O homem em muito tende a repetir mantras quase que sagrados que à medida que são falados perdem o poder e o sentido. Assim, certas coisas mágicas tornam-se apenas palavras vãs nas bocas de repetidores, que alienam a verdadeira essência da palavra. Um dos mantras mais repetidos em todos os tempos é a liberdade, mas o  que vem a ser essa tal que tantos falam mas não sabem o que é?

Percebi que liberdade é inicialmente ausentar-se de grilhões, mas advém a dúvida mais razoável possível: quais são os grilhões que nos prendem? Não existem outros que não os grilhões da ignorância. Todo ser nasce livre, liberto e igual, e isso já fora dito de diversas formas, tanto no âmbito da filosofia, do direito, nos gritos de independência, mas de fato é vivida essa realidade, ou é efêmera a liberdade apenas no nascimento?

Não venho com um texto de certezas, pois são todas elas burras, venho com um texto de dúvidas, de questionamentos que se seguiram diante da caminhada que venho fazendo, e as dúvidas amigos, é a força máxima que nos faz caminhar na direção do descobrir. O homem na verdade é realmente livre no nascer, todos são livres, mas o mundo tende a aprisiona-lo como condição para a manutenção da teia social da realidade. A teia social é isso, algo que sustenta a realidade em que vivemos ao mesmo tempo que acoberta essa realidade. Se pessoas demais, juntas, rompessem o véu da ignorância, veríamos a teia que sustenta essa realidade romper-se e o caos ia suplantar a ordem em que estamos incertos. De tempos em tempos acontece este fenômeno que citei, e acontecem as grandes mudanças em termo de reorganização da trama social. Somos seres sociais e, portanto dependemos da rede que sustenta a realidade em que vivemos, esta é uma condição de nossa existência. Contudo isso não significa que devemos viver sempre sustentados por esta realidade, apartados do que é real. Libertar-se então seria conseguir ir além da teia social sem rompê-la? Seria a ilusão do mundo social algo necessário para testar os que estão aptos a ultrapassar o senso ordinário da realidade?

Liberdade é saber, é ter os olhos para além desta realidade, é saber de si, saber onde se quer ir, e isso é o caminho do coração. É nebulosa a vida e quem se acha perdido, não sabe onde está ou para onde vai, mesmo que o ir seja até a esquina próxima. O homem mantém-se caminhando quando entende o que é, que é feito para evolução. Liberdade é acordar, despertar.

Lembro-me de quanto era insone, não sabia para onde ir, não tinha objetivos e não utilizava o intento, que é a mola mestra do guerreiro. Intento é algo que deve ser constantemente exercitado pelo guerreiro, o primeiro passo para exercitar o intento é na própria cura. Doença significa estar apartado, na própria etimologia da palavra. Quem está  apartado da verdade está  doente, precisa religar-se, retomar o elo de ligação do o todo, com o espírito que nos rege a todos os seres, este é o primeiro ponto em que o guerreiro deve exercitar o intento. Ao voltar-se para o espírito, o espírito volta-se para você. Esta é uma máxima do caminho que reflete apenas a questão de olhar-se diante do espelho. Voltar-se para o espírito é voltar-se para a sua essência, é voltar-se para o seu eu verdadeiro, é renascer, ou nascer propriamente, despertar. O espírito não está lá fora apenas, está aqui dentro, é o que faz lá fora e aqui dentro serem a mesma coisa, fluida e infinita, é o que identifica a tudo e individualiza ao mesmo tempo. A trama cósmica, a rede maior é muito mais ampla que a rede social que formamos para interpretar alguns filamentos do universo como vemos no consenso social. Deveríamos aprender em nosso primeiro anos a ver o universo como a organização em que vivemos, sem esquecer a trama maior que está por detrás deste véu, e ai tudo se descortinaria.

A minha cura foi assim. Eu sabia toda a teoria de Castaneda por muito tempo, desde os 14 anos e isso a cada dia é mais tempo. Mas apenas com o encontro de uma planta de poder, que foi a minha benfeitora, que eu vivi esta realidade. Consegui, com mais força, entender o que era a trama maior, e ver que a liberdade não é fugir de tudo, virar um asceta, abandonar a vida para viver o espírito. O espírito é a própria vida, nas coisas mais cotidianas que fazemos, quando as fazemos de forma desperta. Despertar é mudar a tonalidade de nossa rotina para que tudo seja mágico, tudo seja o que é o mistério de estar e de ser. Hoje compreendi isso mais uma vez. Ao correr com um colega ele me confidenciou que via um brilho diferente em meus olhos, e que sentia que eu sabia o que era e para onde ir. Ele me dizia que estava perdido, sem lamentações, e dizia que iria buscar ter no seu olhar o mesmo brilho que via em mim. Não descrevo isso como forma de me regozijar por nada, apenas para mostrar o que é a liberdade. Estávamos eu e o colega ali, correndo, na mesma situação fática de vida, um observador poderia dizer quem era ou não livre? Ou a liberdade é algo que é sentido na forma que se tem de viver os desafios e a vida diária?

Naquele momento da conversa, o colega logo me deixou sozinho, eu correria alguns quilômetros a mais que ele, e me voltaram eventos todos em uma recapitulação espontânea. Vi então naqueles dias de encontro com a minha benfeitora que eu tinha me descoberto, tinha reconhecido o que eu era, e tinha escolhido dentre as tantas possibilidades da vida o que eu queria seguir, a forma como eu viveria a loucura, a forma que se adaptaria a minha busca. Eu tinha entrado profundamente no meu íntimo e lá dentro tinha descoberto o espírito e descobrindo-o tinha feito o elo do dentro com o fora. AI advém todas as curas, todas as mudanças, toda a leveza de caminhar com alegria pela vida. Não existem então modelos prontos para a liberdade, cada um, ao conhecer-se em seu íntimo impessoal, em seu silêncio libertador, saberá de sua forma de ser livre, e o será, mesmo que externamente não pareça muito diferente de qualquer pessoa de seu convívio, aliás, está é uma característica dos feiticeiros, são como todos, não sobressaem-se na multidão, apenas são reconhecidos quando se olha profundamente em seu olhar, naquele brilho especial de quem conhece algo secreto, de quem está feliz com seu caminhar, de quem tem um sorriso guardado em seu interior pronto a desabrochar em qualquer momento. O feiticeiro de verdade, o guerreiro é o que sabe regozijar-se com os desafios sem deixar que se aquebrante o seu intento.

Para quem sabe o que é, o que quer, e onde vai chegar, o caminho é apenas um grande prazer a se vivenciar a cada dia.

Divido-lhes então este sentimento especial de liberdade aqui hoje e vejam só, foi trazido por uma pessoa que não está no caminho, mas que foi d mesma forma um conduto do espírito. Pelo brilho de meus olhos ele sentiu o pulsar de seu ser íntimo também, naquelas palavras quem dialogava era o nosso nagual, era o diálogo de guerreiros que por um momento aflorou o sentimento da liberdade que me acompanha a muito tempo, de forma que não há maior liberdade que conhecer-se profundamente, e é tão prazeroso isso, tão belo e regozijante que apenas o que posso desejar a todos é que tenham, que seja por um momento na vida este mesmo sentimento.

Não importa o caminho que se escolha, existirão guerreiros católicos, budistas, ateus, empresários, andarilhos, escravos, todos, pois o caminho é apenas o de conectar o ser interno com o externo, e ai tudo mais é possível, tudo que se fizer será lei para o ser vivente que encontrou essa ligação. É muito belo isso amigos, e falo quase com lágrimas no rosto, lágrimas de alegria plena em ver que caminhar, dialogar com o espírito e ser respondido por ele é uma mágica que deveria ser vivida por todas, não só em um momento de suas vidas mas em toda ela.

O guerreiro espera, e sabe pelo que espera, porque ele está ciente de tudo. Recapitular é a forma única de encontrar e juntar estes pequenos fragmentos que ficam no passado e que mostram o que somos em verdade, e não existe nada além do que realmente somos. Quando se está liberto, desperto, de olhos abertos, se caminha com o intento focado na liberdade de ser, e a cada momento o universo acena com uma confirmação de que se caminha na direção certa. Ser impecável é manter o intento de sentir essa essência que a todos permeiam viva dentro de si, e vê-la conectar-nos com a essência em tudo mais.

Espero que a caminhada dos amigos que aqui tenho esteja sendo plena, não tenho como desejar nada diferente ao espírito que existe dentro de cada pessoa pois é como se o desejasse para mim mesmo. O ego rompe-se quando há a sensação da unidade, e apenas na unidade que se tem o entendimento.

Uma boa semana amigos, desculpem se as palavras foram confusas, mas foi o que me foi permitido dizer...