Um encontro com o Nagual Juan Cortez - abrindo as asas da percepção



Por muito tempo não via aquele velho amigo, vez ou outra pensava que eu tinha passado de uma etapa ou mesmo que tinha decaído em minhas buscas, mas eram elucubrações mentais, que quando afloravam não eram objeto de minha inteira atenção.
Durante algumas noites eu vinha tendo sonhos muito profundos, nos quais eu não conseguia adentrar com consciência, mas atingia a consciência no decurso dos mesmos. Não é igual, já consegui das duas formas e tem um mar de diferença. Tudo isso se mostrou claramente para mim depois deste sonhar que aqui vou dividir, por ser puro conhecimento do outro lado, conhecimento do Espírito para atingir a nossa buscada liberdade.
Sonhei com Juan Cortez, ele estava no sopé de uma árvore, não estava escorado nela, ele estava como se me observasse, ali sob a sombra daquela frondosa planta. Ele estava de calças pretas sociais com a barra dobrada para fora, a camisa era de linho ou algo parecido de cor marrom ou ocre, colocada para fora das calças, em tom meio despojado, estava sem chapéu pelo que me lembro, seus cabelos eram negros e brancos, misturados, longos e balançavam levados pelo vento. Tinha um rosto afinado, mas muito forte, traços indígenas e uma pele cor vermelha, mas era lisa, estranhamente tinha um misto de juventude e sabedoria. Eu ainda não sabia estar em um sonho, naquela etapa de sonhar que tudo parece tal e qual a realidade, mas de forma fragmentada, sem consciência temporal de onde viemos ou para onde estamos indo, simplesmente estamos ali.
O velho me olhava, ele sorria e chegava perto de mim quando me falou:
 - É assim que quer atingir a liberdade? Acorde, você está sonhando.
Na hora algo se abria e eu percebia que era um sonho. Via a árvore em que ele estava, o vento soprando com mais força, sentia um cheio mentolado no lugar, era tudo muito real, mas ainda eu não tinha plena consciência de onde estava ou de onde tinha visto. Sabia que era o sonhar, pelo comando da voz dele, senti-me mais pesado, meus pés no chão, mas ainda era uma sensação de consciência efêmera, que parecia querer partir. Não tinha ainda certeza de onde tinha vindo, ou para onde ia, como tinha chegado ali. O velho continuou a falar:
 - A consciência do sonhar é assim, deve ser cultivada a cada dia, pois é essa consciência que você usará no momento de sua partida, essa consciência que o levará para os confins ou o fará ser adubo para as próximas gerações. Olhe e pense, de onde veio para chegar aqui? Melhor, sinta isso brotar de dentro de ti.
Eu não conseguia concatenar os meus pensamentos, não sabia exatamente o que estava fazendo ali, as coisas começavam a girar, eu começava a perder a consciência, mas ele chegou bem perto de mim e me falou no sopé do ouvido:
 - Não borre nas calças agora, seja firme, sua vida depende disso, saiba que a vida de cada pessoa depende da forma como cultiva o seu sonho, e da forma como cultiva a sua consciência. Não me venha com descontroles agora, já está muito longe para isso. De onde você veio?
Senti um maior controle, guiado pelo comando da voz, mesmo assim não conseguia pensar como pensamos quando acordados, os pensamentos eram como imagens que queriam me sugar para outro lugar. O céu mudava constantemente de cor, o lugar era de um mato baixo, mas eu não sentia mais cheiros. Algo como uma aflição no meio do meu corpo, como aquela sensação quando descemos em uma montanha russa me pegou no centro, e me concentrei naquela sensação de borboletas no estômago. Então senti algo ao redor de meu corpo, mas não daquele corpo que estava ali. Sentia que estava ali naquele lugar, mas estava deitado em algo confortável muito longe.
 - Deixe essa sensação te levar, mas não te aprisionar, mantenha as duas sensações ao mesmo tempo. Sinta e se agarre a algo aqui, o cheio, o vento, o chão, sinta algo neste lugar, e sinta essa sensação do meio de teu corpo, deixe que ela se expanda – falou Juan Cortez -, e não se deixe levar pelo ímpeto de olhar com os olhos este lugar onde sente estar.
Eu estava quase explodindo quando algo se mostrou, senti que eu estava naquele momento em outro lugar, na rede, em um quarto, sentia ao meu redor a rede contra meu corpo, ouvia alguns sons, lembrei então que eu estava dormindo, lembrei de cair no sono e quando cair de girar, ou eu girar ou várias imagens à minha frente. Quando comecei a me concentrar no pensamento-imagem de onde eu estava dormindo - a visão daquela árvore, de Juan Cortez, tudo ficava mais pálido -, então me concentrei na sensação de meus pés no chão, que estavam descalços, e quando o fiz a cena se firmou, e a sensação de eu estar em meu quarto se desvaneceu permanecendo como uma pálida recordação. Quando eu me concentrava nela a sensação de estar deitado em uma rede ampliava-se quase a ponto de me levar, vindo junto a um vento que parecia querer me varrer da cena de ensonho.
 - Agora deixe a sua percepção ir e vir naquele lugar em que está e aqui onde também está. Está aqui e lá, está em ambas as partes, está fragmentado. Provavelmente quando tenta falar aqui balbucia algo como um bêbado em seu corpo físico, talvez se soltasse um peido aqui se cagaria naquele mundo – quando falou isso deu uma risada tão estridente que parecia que eu ia explodir, e foi tão forte que fiquei ali deitado no chão prostrado, caído deitado.
Naquele lugar me senti como um monte de terra, vários fragmentos, olhando para o céu. As nuvens passavam, Juan Cortez andava ao meu redor. Ele disse que eu estava em frangalhos e outras coisas que eu não consegui ouvir. Eu estava virando um monte de terra, como aqueles montes que as formigas fazem ao redor de suas casas. Ele então falou:
 - Quando você está nesta Terra, você fica como um punhado de areia fina na mão de um viajante, à medida que este viajante caminha a areia vai caindo, e ficando pelo caminho. Até que sobre só um grão, o mais importante, ou melhor, aquele que você dá mais importância, pois todos não deixam de ser o que são, grãos em um punhado do que chama de EU.
Senti como se tudo que eu fosse pudesse ser restringido a um grão apenas. Era o ponto de aglutinação, uma sensação de saber aquilo me veio, eu vi que a sensação que temos é de ser um ponto perdido dentro de um corpo total, a consciência é um ponto, mas deve ser o todo, uma somatória de pontos. Em bloco me veio um conhecimento, como uma voz somada a imagens e sensações de conhecimento, traduzindo em palavras, se é que isso é possível, eu descreveria como a sensação que temos que somos algo atrás de nossa cabeça, não somos esse ser, mas um ponto que comanda todo o ser, apartado e distanciado. A voz me dizia que a ampliação da consciência faz com que percebamos o todo como todo, na comunhão integral da consciência das partes.
Naquele momento vi Juan Cortez subindo como uma pipa, e caindo por cima de mim, me transformando em milhares de pedaços de areia espalhados, brilhantes por todo o chão. Eu sentia como se cada um fosse eu mesmo e me movia por todos eles, a minha percepção brincava de ver aquele mundo sob a ótica de cada grão, pois todos eram eu mesmo. À medida que eu me movia de grão em grão eles se aglomeravam e torno de um ser total, todo brilhante. Quando a percepção iluminava um dos pontos, este tomava consciência que era parte de outros, e se aglutinavam, expandindo a minha percepção total. Passando de ponto em ponto vi que todos eram EU e nenhum o era de todo. EU via o universo por diversos pontos de vista, alguns eu tinha a visão de um chão, de um céu escuro, de nuvens, de árvores, de olhares e de sensações físicas, ou quase físicas de algo, e à medida que caminhava eu tentava me lembrar que eu era o todo, e isso me aglutinou, me juntou naquela bagunça que Juan Cortez havia criado.
  - Sente o seu corpo? Agora que está brilhando como deveria sabe o que é necessário, sempre soube, falando. A arte de tomar consciência durante o sonho é a mesma arte de um imbecil que joga dados e espera a sorte em um cassino. A arte de um guerreiro de verdade é a arte de saber quando a sua percepção está se movendo e acompanhar esse movimento de forma consciente, do passo a passo da mudança de consciência. Sua vida depende disso, a vida de todos depende disso, mas ninguém se lembra, perdidos na imbecilidade de seus dias enfadonhos. Quando a morte chegar o seu ponto de percepção circulará a uma velocidade incrível, para alguns isso vai representar a dissolução do ser total, pois estes não acompanharão este movimento e terão a consciência dissolvida em um sonho comum, para outros será a chance de queimar no fogo interior. Recapitular é comprimir o tempo no momento presente, mover o ponto de aglutinação é algo que deve ser feito com consciência, ou pode representar a própria morte em vida, ou morte real na chegada da morte.
Olhei para o céu, muito conhecimento me era dito, mas eu não conseguia captá-lo como um todo, ainda não consigo concatenar as ideias todas que me foram apresentadas. Eu estava em uma espiral de mim mesmo, sendo sugado pelo conforto de meu quarto, naquela rede, eu me sentia ali abraçado e protegido, lembro apenas das últimas palavras, ou conhecimento ou seja lá o que me tenha sido passado dizendo:
 - A primeira, segunda e terceira atenção não são lugares. São estados de percepção, de um nível mais restrito a um nível mais amplo. A segunda atenção é o mundo espiritual, quando alguém consegue perceber este aspecto do mundo, quando se tem a percepção da segunda atenção se consegue também ver todo o aspecto de possibilidade da primeira atenção, e na terceira atenção se pode ver todo o aspecto da segunda e primeira. As atenções são estados especiais de percepção do ser, estados ampliados de consciência. Quando alguém parte para a terceira atenção ele consolida a percepção total do ser, tendo queimado no fogo interior, então pode escolher entre estar aqui ou lá, tanto faz, dependerá apenas do desígnio do Espírito, pois em essência não existe aqui e lá, são apenas concatenações restritas do primeiro anel de poder. Quando uma pessoa comum encontra com um ser que já queimou no fogo interior, o sentirá como uma presença angelical ou demoníaca, uma sensação de paz ou tormenta extrema, e se tiver chance de vislumbrar a sua presença, o verá como um Deus, com diversas manifestações antropomorfizadas. Muitos dos seres das diversas linhas anteriores queimaram no fogo interior, alguns escolheram estar no Domo, outros seguir pelos campos e planícies dos infinitos mundos perceptíveis pela segunda atenção, e outros tantos nos mundos além, onde só é possível perceber pela terceira atenção. As atenções não são lugares, são percepções da totalidade em níveis que vão desde as percepções mais restritas da primeira atenção até a abertura total das asas perceptivas da terceira atenção...

Comentários

  1. Magnifico. Lembra muito a experiencia narrada pelo próprio Castaneda em um dos livros. É real, é possível, e está ao alcance de qualquer ser humano. Renovador. Intento!

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  2. Muita energia pra uma simples gaivota! Parabéns a vcs! Admiro que consigam isto!

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  3. embora ainda totalmente distante de minhas possibilidades energéticas esses relatos simplesmente me fascinam... aiaiai correr atrás né!!! heehe saudações!!!

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  4. estou praticando o nagualismo de outra forma, eu tenho a chave das claviculas de salomao, eu a vendo, email: hugolpp@gmail.com

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  5. Te mando um abraço!
    (Elis Flores)

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  6. Estava relendo, graças ao sonhar de uma amiga. Agora compreendo melhor.
    Gratidão.

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