A ilusão real da realidade ilusória




A ilusão é também um aspecto da realidade. Uma de suas facetas, e isso em si não é um problema. O que acontece é que o ser humano tem uma grande tendência à comodidade, à fixação em determinados aspectos da realidade, tendendo, em geral, a considerá-los como o todo. Sim, o ser humano costuma ver a parte como o todo, e disso decorrem uma série de problemas que podemos ver com muita clareza. Isso é, energeticamente falando, uma tendência reflexa de nosso ponto de aglutinação. O ponto que aglutina faz com que percebamos aspectos da realidade, um pequeno aspecto de toda a realidade. Deste pequeno aspecto energético que selecionamos com o nosso sintonizador cósmico, o ponto de aglutinação, ainda menos é organizado, um tanto muito grande é descartado, isso é feito tonalizando a  sintonia. Explico: sintonizamos com o ponto de aglutinação determinadas faixas de da realidade, dentro desta faixa encontram-se muitas informações, contudo o nosso tonal seleciona fatias desta faixa e cataloga de acordo com o que se chama TONAL DOS TEMPOS, que é um consenso social do que pode ser aceito como “realidade” dentro deste pequeno aspecto da realidade maior.
Isso significa que se o ponto de aglutinação seleciona uma centésima parte da realidade, dentro desta centésima parte uma centésima apenas é considerada pelo tonal como realidade, todo o resto é relegado a temas secundários, socialmente falando, que são tidos como imaginação, devaneios, loucura, etc. São palavras genéricas para se descrever tudo que não está catalogado na estante do TONAL DOS TEMPOS. Este tonal dos tempos é a coesão social, que se modifica ao longo das eras, das gerações. Em um tempo passado era comum considerar questões míticas com mais facilidade, mas a razão começou a criar um sistema para catalogação de fenômenos e estes foram modificados em sua interpretação da realidade.
O problema do Ponto de Aglutinação é a sua tendência a ficar estacionado. Em geral as pessoas tem uma tendência à rotina, e esta rotina cria uma fixação do ponto que faz com que, cada vez mais, as possibilidade de expansão da percepção e mesmo da consciência sejam diminuídos. A fixação do ponto cria uma crosta na energia total do ser humano.
Logo, o problema todo não está na ilusão. Tudo, de fato, é uma ilusão, é uma forma de catalogar experiências obtidas pelo ser total de forma a serem compreendidas. Tonalizar e selecionar feixes de sintonia. O problema todo não está neste mundo de objetos e coisas que vemos, o problema está em acreditar que tudo isso é a única realidade. Pensar isso gera a fixação do ponto de aglutinação, e ai sim, a verdadeira prisão. Exatamente por isso a nossa cultura social refuta todos os “estados alterados de percepção” e relegam eles a “alucinações”, “viagens”, “loucura”, “fuga da realidade”, pois a possibilidade de se acessar estados alterados de percepção cria a própria ruptura da trama social que nos envolve.
Os donos do mundo social perceberam, ao longo do tempo, que a melhor forma de aprisionar as pessoas a este aspecto da realidade era impedindo que elas alterassem deliberada e controladamente o seu ponto de aglutinação. Criaram então instrumentos sociais de controle deste ponto, que se refletem em instituições sociais que reforçam o que é a realidade, o que é a normalidade, quais devem ser as condutas e pensamentos aceitos, e o que deve ser tido como real e imaginário. Criam filmes, por exemplo, e mostram sempre que aquilo é apenas uma “ilusão” e que nunca pode ser a realidade. Isso reforça apenas o sistema do que é real e o que é imaginário, uma ferramenta de controle que reforça, sempre, o local em que deve estar o ponto de sintonia de todos.
Neste caso há sempre uma luta feroz contra enteógenos, contra entidades elementais da natureza que nos ajudam a perceber outros aspectos da realidade. A tendência é que cada vez mais haja um controle quanto a estas plantas proibindo-se a sua utilização deliberada para forçar uma visão unilateral da realidade, e isso é a maior ferramenta de controle que pode existir.
Toda a luta de um guerreiro deve ser contra isso: a prisão do primeiro anel de poder. Perder a forma humana, como é trazido nos livros de CC, significa perder o controle sobre o ponto de vista social que nos é inculcado durante toda a nossa vida. Qual é a forma humana? É exatamente um conjunto relativamente simples do que é uma conduta socialmente aceita, os pensamentos aceitos, a visão e catalogação da realidade aceita, as conversas e condutas, a percepção da realidade, os sonhos, anseios, o que se considera real e ilusório. Esta é a forma humana que se deve descontruir quando se constrói um posto avançado de derrubada do mundo, que sói chamar, no donjuanismo de segundo anel de poder. O primeiro anel de poder é esta construção, é exatamente um anel-grilhão forjado para prender sem ser sentido por ninguém, a prisão ideal, a prisão da percepção. Controle o que as pessoas percebem e controlará o mundo, assim entenderam aqueles que há muito tempo aqui vieram e nos dominaram.
O segundo anel de poder é uma descrição alternativa da realidade, igualmente ilusória, contudo mais ampla e que foge ao TONAL DOS TEMPOS, ao que é forjado para ser a forma humana. Poderíamos dizer que o segundo anel de poder é a FORMA DO GUERREIRO, ou uma forma intermediária forjada entre a FORMA HUMANA  e a FORMA LIBERTA. A forma liberta é a percepção livre de catalogações. A forma do guerreiro é uma forma intermediária, uma descrição do mundo também ilusória mas que consegue abarcar mais itens que seriam, e são descartados normalmente no convívio social cotidiano. No segundo anel de poder se consideram coisas que no mundo social do primeiro anel se descartam, como inorgânicos, o conhecimento silencioso, os aliados, as plantas como seres que pode falar conosco, as visões, a voz do emissário do sonho, o sonhar como realidade, ou seja, tantas coisas que são relegadas apenas ao catálogo genérico de “loucura ou ilusão” no contexto da sociedade.
Logo, o segundo anel de poder, ou a segunda-atenção, é uma ampliação da primeira, mas que também é uma prisão, e muito mais vasta que a primeira, por isso com um risco muito maior de aprisionar. A pessoa, achando-se liberta, pode se aprisionar para sempre neste mundo de visões maravilhosas, de perigos descomunais, e estará exatamente na mesma merda que os que estão presos no primeiro anel de poder, por isso é também um anel de poder, um outro grilhão, uma outra prisão.
A caminhada que se quer fazer então é chegar ao entendimento que tanto o primeiro anel quanto o segundo anel são prisões, são anéis, e por isso limitados. A terceira atenção que não é um anel de poder é a própria libertação de amarras perceptivas, é o lugar da não descrição, pois ali tudo pode ser percebido e nada pode ser catalogado, é a experiência pura de dissolução com o todo mantendo-se a unidade da consciência, um algo que pela complexidade e incompreensão em palavras não pode ser dito ou explicado de nenhuma forma, mas é a libertação dos consensos de descrição da realidade.
E o que isso significa? Significa apenas que somos presos pelas nossas rotinas e hábitos, sejam hábitos diários sejam hábitos perceptivos. O grande exercício que temos a fazer é a eterna modificação de pontos de vista, a eterna consciência de que tudo que se percebe são apenas ilusões dentro de ilusões dentro de ilusões. Desta forma tudo se torna igualmente ilusório, mas ao mesmo tempo, uma grande contradição, tudo se torna igualmente real. Em nossa vida diária é assim, criamos e forjamos diversos papéis, aqui mesmo eu estou a forjar o papel do místico visionário, não é uma ilusão de todo, mas não é uma realidade pois não chega a me refletir em minha totalidade do que sou. Preciso abandonar isso aqui? De forma alguma, basta que eu não seja pego pela trama da realidade que eu mesmo estou tecendo. Entender que isso aqui é um aspecto de mim e que se esvairá logo que eu crie um novo papel. Assim mantemos o nosso ponto de aglutinação em um eterno movimento, mesmo que seja mínimo.
As visões que temos, as jornadas pela segunda atenção, a visita a outros mundos no sonho ou mesmo no sonhar acordado, tudo isso deve ser tratado, por quem quer a libertação, da mesma forma, com o mesmo peso de real-irrealidade. Sim, visitar um país fisicamente é exatamente igual a visitar um planeta distante no sonho. Conhecer uma pessoa fisicamente é idêntico a conhecer um ser inorgânico em uma meditação. Tudo são aspectos ilusórios da realidade, ou reais da ilusão, tanto faz. O que temos que nos permitir constantemente é mudar esse ponto de aglutinação mesmo que minimamente, mesmo que em pequenos saltos.
Particularmente, como tenho dois empregos totalmente diferentes, sempre coloco um tipo de roupa para um e para outro, e em cada um “visto” uma personalidade. Isso faz com que o meu PA se desloque em pequenos movimento, e sempre, sempre fico a me lembrar internamente: é tudo uma ilusão, nada disso é você, nada disso é real. Assim me permito a dissonância cognitiva de entender que tal e qual as roupas que trocamos é a personalidade que mudamos, é o mundo que enxergamos, é o conceito de real que damos.
Ontem estava eu em um dos personagens que gosto de fazer, e vi como a fixação do ponto de aglutinação é prejudicial. Em uma destas personagens sou uma pessoa que gosto de varrer a rua de casa, por morar em um beco no fim de uma rua, o faço porque gosto de ver as folhas juntas, gosto de contemplar os monte de folha. Bem, isso destoa da figura que sou as vezes, de terno e gravata, cheio de importância e pompa. Ontem uma pessoa de meu convívio com aquele personagem mais pomposo me viu na rua a varrer. Eu estava de short rasgado, camisa toda rota, uma vassoura na mão e um chapéu de palha na cabeça. A pessoa quase me atropelou passando à pé ali, ainda jogou as folhas que eu tinha juntado para longe. Quando levantei a cabeça olhei de frente à pessoa, mas ela não me reconheceu. Vi o quão pesada ela estava ao observar ela seguir seu caminho, esbravejando alguma coisa que não entendi. Ela estava tão colada ao chão que eu sentia o caminhar dela como batidas ocas na terra. Sorri, e quando já ia me achando melhor que ela me repeti: é apenas mais uma ilusão, é apenas um personagem, é apenas um aspecto da realidade; assim voltei a juntar as minhas folhas para encerrar a atuação de meu personagem.
Seja na internet, seja em casa, seja na rua, temos que nos permitir a reinventar-se perceptivamente, a manipular o nosso ponto. Ontem estava a noite, durante um sonho, lendo em uma biblioteca de um velho mago que estava há anos preso no sonhar, me pergunto: este ser mágico de sonho está em melhor posição que qualquer pessoa presa nesta realidade?
Aspectos, aspectos de uma grande realidade, aqui mesmo aspectos de um todo incompreensível. Podemos ver o mundo por infinitos pontos de vista e percepção e ainda assim não esgotaremos o que podemos perceber como realidade. Isso é tudo ilusão, tudo, cada palavra, e igualmente é realidade. Só percebendo esta impermanência de tudo, que conseguiremos, quiçá, a chance mínima de não se aprisionar...

Comentários

  1. Excelente representação, amigo Vento.
    Ass: personagem Zaion.

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  2. A real-irrealidade, um conceito mágico!

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  3. cheio de magia seu relato Vento..... adorei a parte em que está varrendo a rua e seu amigo pomposo aparece...rssrsrs

    a propósito.... qual a importância que o guerreiro da na hora de iniciar um relacionamento???.... digo um relacionamento intimo, aquele de preferência homem mulher...que envolve sentimentos.... o guerreiro se deixa levar por um de seus personagens ou ele abaixa a guarda e tenta ser o mais verdadeiro possível??? ... e outra dúvida quer me assola agora... qual a relevância das pessoas perante o Espírito?? ele as vê como possíveis libertos..ou ele já as vê como apenas meios passiveis de influência para os fins de quem busca o caminho ??? digo.. o que quero realmente saber é se o espírito tem como influenciar de alguma maneira de modo a colocá-la no caminho de alguém afim de clarear o caminho desse alguém.. ou esse tipo de coisa fica totalmente no reino do acaso...e o guerreiro que busque uma interpretação e uma postura adequada diante de uma situação dessas.../???? não sei se fui claro o bastante na dúvida mas gostaria de uma opinião....

    grato demais!!!!

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