No silêncio do coração





Aonde ficou o teu coração?

No meio da jornada, em meio a uma caminhada, de um dia como qualquer outro me surgiu à dúvida soprada pelo vento. Sempre ele, o mensageiro do universo, trazendo as mensagens do Espírito e as soprando naqueles momentos raros em que nos permitimos ouvir a sinfonia constante no universo.
Era um disco velho, empoeirado eu diria se não fosse um velho efêmero de nossas efêmeras constâncias da vida. Aquelas músicas me levaram profundamente para um evento passado, poderia citar como um evento condutor, na nomenclatura que nos é comum aqui. Sim, era um evento condutor, que me rasgou o coração em lembranças que ali estavam escondidas, de um tempo não tão distante, mas já soterrado diante das atribulações diárias.
Lembro-me daquele tempo em que eu via mais claramente o Espírito, ou melhor, em que eu dava mais atenção ao que eu via. Naqueles dias daquela jornada em que me embrenhei totalmente nos mistérios de tudo que há, dando um tempo, afastando-me quase que completamente da vida social que a todo dia nos consome. Naqueles versos da música que evocava o sol, a lua e as estrelas lembrei de meus diálogos com os elementais, com os deuses com as fadas. Eram todos tão presentes, e porque não o são agora?
Me lancei em uma busca de mim mesmo, e quando mais profundo em entrava naquele tempo passado, mas eu via as ilusões em que vivíamos todos neste mundo social. Tirei cada pétala da rosa de eu mesmo, em cada sonho que achava eu inocentemente ser de criança, em cada desejo, em cada sentimento, em cada rancor, e por debaixo de todas as pétalas nada encontrei, só o vazio. Dentro de toda aquele emaranhado de coisa nenhuma encontrei o nada, e do nada, nada me surgiu. Onde estariam as respostas para todas aquelas dúvidas milenares que acumulei em tão poucos anos de vida? Séculos de filosofia guardados em duas ou três perguntas, e ali, na essência, diante da fonte de tudo nada fazia sentido: nem as perguntas, tão pouco as respostas.
Lembrei então de cada passo de entrar dentro de mim mesmo. Tive ajudas externas, e a cada passo no caminho algo novo surgia como se uma nota mágica na partitura fosse desenhada pelo grande maestro. E a cada nota uma descoberta. Linhas e pontos, e traços, e contos, uma grande salada que era palatável apenas para mim: era a minha busca, e no emaranhado de mim mesmo quem se acharia se não eu?
Aqueles dias plenos em que realmente encontrei o meu coração, não eram dias vazios, eram cheios até a borda. O mundo social ficava de fora, eu era apenas um pálido reflexo na cadeia produtiva da sociedade, apenas um fantasma nas horas ditas úteis dos dias ditos úteis no emaranhado dos calendários de horas infinitas, para sustentar um sistema que a tudo consome. Vendo a essência daquele mundo me recordei plenamente de não querer mais contribuir para um sistema que me oprimia, que me suplantava de meu verdadeiro ser, que me afogava distante do que era a minha essência: o nada. O sistema queria me mentir que eu era tudo, e que este tudo valeria de algo, quando tudo que valia era identificar-se como sendo nada. Estava desconstruindo o monumento da ignorância e da ilusão que a vida, ou pelo menos o arremedo de vida forjada que me fingiram existir. Sim, forjaram sonhos dentro de cada um de nós, sonhos que são prisões, sonhos que são mentiras, sonhos que fingem, nos conduzirão à uma liberdade e amor forjados: mentira, nunca farão! Estas farsas construídas nos levarão à dor, à ilusão, à prisão forjada em uma suposta liberdade que nunca na verdade o será.
O glamour, a fama, o dinheiro, todos forjados tão duramente em nosso interior são como cristais, belos, mas que nos fazem esquecer do nosso destino maior, as estrelas. Elas continuam lá, junto ao mais íntimo desejo de nosso coração, mas nós, obliterados pelo brilho falso de falsos sonhos, aqui ficamos: cavamos a terra em busca do brilho, e de tão fundo que cavamos seremos enterrados naquele próprio buraco de nossa inútil busca. Mas o Espírito não se furta de falar a todo tempo: o brilho que tens que seguir está no céu, não deve cavar no chão mas abrir as asas e voar no céu.
Contudo, forjada que foi esta mentira em nossos corações e mente, tamanho foi o véu da ignorância que, buscando lá fora esquecemo-nos de dentro, e aquele nada que nos trará todas as indizíveis respostas, que sábio nenhum nos falará nos ouvidos, se fará desconhecido. Já dizia então, em velhos provérbios ditos em livro hoje POP: revele o que está escondido e o que revelar te salvará...
E continuava, nas batidas daquela canção aquela pergunta, que ressoa a todos nós aqui, de ontem e do amanhã, insones e perdidos no caminhar destas ilusões todas, na manutenção de um sistema que nos prende, que nos mata, que nos sufoca, que nos diminui em nosso poder mágico. Mantemos o que nos mata, o que nos mata se mantém pela ilusão, mentira, pelas farsas forjadas em nossa vida. Nascemos para voar, mas somos postos a cavar o próprio túmulo onde jazeremos ao fim de nossa jornada. Asas atrofiadas, brilho esquecido de mentes entorpecidas pelo devaneio de um mundo: o sonho de mil loucos virando a loucura de mil anjos...
Onde ficou o coração de cada um? Eu olhava para aquele evento condutor que me levou aquele tempo onde tudo era tão fácil, realmente, o mundo social era uma efemeridade de uma loucura que dava gozo em viver. As mentiras, farsas, sistemas e mentiras que repetidos mil vezes se tornavam verdades, surdos seguindo a pregação de mudos que narravam às visões de cegos. É a humanidade em que vivemos, são os sonhos que seguimos: títulos, posses, conforto, amor, sexo e prazeres efêmeros. Mas o nada continua ali: ignorado.
E o coração estava no silêncio. Voltando ao tempo naquele belo evento, lapso de verdade dentro de tantas mentiras, estava ali o coração. O silêncio batia no compasso do coração. Era aquele intervalo entre as batidas, em que nada se sente. Era também aquele intervalo entre a expiração e inspiração, em que nada havia dentro de cada um. Era aquele intervalo entre a escuridão e o nascer do sol, ou entre a tarde a noite, nos intervalos, nos limiares, nos silêncios que se encontrava a verdade.
O condutor me levou até aqueles dias, me lembro que não tive saudade de qualquer conversa que tive com qualquer pessoa, ou qualquer texto que li, ou qualquer coisa bela que vi ou sentimento que senti. Senti saudade daqueles intervalos de paz que parecia eterna, daqueles silêncios que indescritivamente me faziam lembrar de uma sabedoria infinita que nos rodeia, que está diante de nós e ao mesmo tempo dentro de nós. Nos cobriram com diversos lençóis, cada um deles para esconder um algo que não é alguma coisa, mas é um nada que torna tudo igual, que permeia a todos, que é a linguagem universal antes da babel.
Era o silêncio de quando era bebê entre um inspirar e o expirar de minha mãe quando eu estava em seu colo. Era o silêncio após as longas conversas das pessoas que nos rodeavam. Era o silêncio entre o canto de cada pássaro, era aquele silêncio das rodas de conversa em que brincávamos: olha, apareceu um anjo.
Sim, Deus se manifesta neste silêncio, e apenas neste silêncio compreendemos o mundo que nos cerca. Aos poucos cobrimos cada espaço de nosso silêncio com sons, com coisas, com catálogos e véus, nos cobrimos mais e mais, e escondemos a cada dia aquele silêncio que é a nossa essência, e que representa tudo que realmente devemos ser. O silêncio é a língua universal, é o Espírito manifestando-se em cada um de nós, é a alma do mundo. Todo silêncio é um ato de poder maior que qualquer palavra, que qualquer encantamento, é a chave para a magnitude que nunca conseguirei aqui descrever, é o grande mistério. Era no silêncio que estava o meu coração.
O evento condutor me levou a algo tão simples, e quando vi estava há uns vinte minutos na beira de uma rodovia parado, os olhos naquele passado, retirando cada véu, cada aspecto inventado de mim mesmo para situações inventadas, para a conformidade inventada de um sistema inventado para nos matar enterrados nos próprios escombros de nossas ilusões.
Ali estava o coração de cada um. Diante daquele barulho e tumulto todo bastava me despir. A cada máscara que criei, para cada situação que inventei, para cada justificativa que achei ser necessária. Em cada uma destas situações apenas cavava mais fundo na distância daquele céu: o nosso destino.
Devemos nos desnudar de tudo que fingimos ser. Devemos nos despir das vestes adornadas e cravejadas de falsos diamantes. Devemos nos tornar nada, ser nuvem, vento, vácuo, só assim reconheceremos o todo que nos compõe. Em todos e tudo que nos cerca existe este silêncio, cada vez mais distante, que só basta ser resgatado. No silêncio encontramos a verdade e no silêncio reencontraremos o nosso coração.

Comentários

  1. É como se fosse o décimo terceiro mandamento: "No silêncio encontramos a verdade e no silêncio reencontraremos o nosso coração." Intento a todos.

    ResponderExcluir
  2. "Onde estariam as respostas para todas aquelas dúvidas milenares que acumulei em tão poucos anos de vida? Séculos de filosofia guardados em duas ou três perguntas, e ali, na essência, diante da fonte de tudo nada fazia sentido: nem as perguntas, tão pouco as respostas.
    ...
    Lembrei então de cada passo de entrar dentro de mim mesmo. Tive ajudas externas, e a cada passo no caminho algo novo surgia como se uma nota mágica na partitura fosse desenhada pelo grande maestro. E a cada nota uma descoberta. Linhas e pontos, e traços, e contos, uma grande salada que era palatável apenas para mim: era a minha busca, e no emaranhado de mim mesmo quem se acharia se não eu?
    ...
    Aqueles dias plenos em que realmente encontrei o meu coração, não eram dias vazios, eram cheios até a borda.
    ...
    O glamour, a fama, o dinheiro, todos forjados tão duramente em nosso interior são como cristais, belos, mas que nos fazem esquecer do nosso destino maior, as estrelas.
    ....
    E o coração estava no silêncio. (...) O silêncio batia no compasso do coração. (...) Sim, Deus se manifesta neste silêncio.
    (...)
    Era no silêncio que estava o meu coração."

    A beleza dessas palavras, é seu coração.
    Não me canso de ler certas coisas escritas aqui neste espaço. E especialmente hoje,tocada, refletindo e sentido certos aspectos da vida, me lembrei deste texto.
    Deste silêncio que sinto falta, das estrelas que me conectava, das ondas de sincronia profunda e de profundos contatos. Sim, ali estava meu coração.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Também sinto falta, e no meio das palavras busco trilhar de volta a senda de meu coração.

      Excluir
    2. Assim como uma mente que não volta ao seu "tamanho" anterior depois de uma nova e expansiva idéia, um coração também nunca será o mesmo depois de ter sido verdadeiramente tocado... Seja pelas palavras, tenha sido pelo silêncio, ou pelo amor.

      Talvez as palavras como canais de energia, não são meramente palavras. São intenções, energia e poder.Norteiam os passos, e tende por vezes a nos colocar no liame de um infinito mágico. Mesmo que aparentemente breve.


      Excluir

Postar um comentário

Obrigado por partilhar do intento da transformação global

As mais lidas (se gostas de multidão)

A mariposa, a morte, e o espírito

O fim da linhagem de Don juan, a prisão de Castaneda e o legado das bruxas

As dúvidas na caminhada: entre ser tudo e não ser nada