Fragmentos de conhecimento - sobre os encontros com o Nagual.



 Um dos livros que mais tive apreço em minha caminhada de estudos em torno do “donjuanismo” foi a de Armando Torres, especificamente “Encontros com o Nagual”. Somado a ela eu comentaria a obra que nos convida a prática de Victor Sanchez, “Os ensinamentos de Don Carlos”. Elas se somam, em minha própria caminhada, de uma forma especial a obra de Castaneda, se ligando bem especificamente a momentos da doutrina apresentada pelo novo Nagual.

É um tanto quando claro que, em uma nova etapa da linhagem antiga da qual fizeram parte Castaneda e Don Juan, tivéssemos um mapa deixado para os exploradores que quisessem ter um vislumbre do caminho, ficando em aberto o vislumbre do destino, de uma forma proposital, pois o destino final não existe, mas sim a caminhada, como bem sabemos quem nos debruçamos por sobre a obra em sua separação entre os conhecimentos do Velho e do Novo naguais.

Há alguns trechos que quero me debruçar aqui, coisa simples, sem muito rebuscamento, mas que me conduzem nestes últimos dias a uma trilha paralela a trilha pela qual eu caminhava. Todas as citações que faço aqui são da obra de Armando Torres, por isso, evitando tautologia, evitarei coloca-las ao largo destes rabiscos que se seguem.

O interesse genuíno, o cerne zero jogado em nossa cara por Armando Torres, na reprodução dos breves e contundentes ensinos de Don Carlos, o voltar-se para o Espírito (ente abstrato e impessoal), como forma de atrair para si os ensinos, alertando-nos que não há mais necessidade de guias, senão silenciar a todos que querem sê-lo, como são as miríades de grupos e especialistas que brotam por toda a net neste tempos líquidos.

A caminhada de aprimoramento, o essencial de todo o conhecimento é uma luta contra a própria ignorância, conhecendo aos poucos as fraquezas e superando-as, pouco a pouco, dia após dia. Para aprimorar-se é essencial conhecer-se, e para conhecer-se, nesta senda de conhecimento, a técnica básica é a recapitulação, uma modalidade de espreita voltada ao passado, recente e distante, capaz de nos mostrar questões básicas de nós mesmos que devem ser aprimoradas. Apresenta também, caso bem realizada, o momento em que cada um de nós deixou de ser o que era para ser o que hoje somos. Retomar o que se foi é um dos desafios.

A liberdade do caminho trata-se também de permitir a liberdade do outro, de não colonizar ninguém com o seu pensamento, não querer alterar a caminhada do outro, não interferir na vida alheia ainda que pareça ser absolutamente errada aos nossos olhos. Deixar os outros em paz, dizia o Velho Nagual, é a maior dificuldade de todo guerreiro. Não entre em contendas desnecessárias, toda contenda para mudar o outro é desnecessária.

A ausência de compromissos é um outro aspecto desta caminhada, não aceitar acordos, não fazer acordos, não propor acordos. Acordos são como malas pesadas em uma caminhada, desnecessárias, atrasam o caminho, trazem preocupações. Há um compromisso, dizia o Novo Nagual a Armando Torres, o do guerreiro consigo mesmo, nada mais, e isso está longe de ser egoísmo.

Os interesses sociais são amarras que prendem o caminhante, nada tem com o que é natural energeticamente ao homem, são construções deliberadamente criadas com o intuito de criar drenos energéticos, desviar a atenção, atrasar a caminhada de quem busca a liberdade. Nada do socialmente criado é energeticamente favorável ao caminho da liberdade, mas como não há como se liberar da vida social, deve ser usada a espreita como uma forma de seguir os ditames sociais como uma encenação, a todo momento lembrando que tudo, absolutamente tudo neste mundo social forjado se tratam de um dos imensuráveis aspectos da realidade.

A revolução dos feiticeiros é exercitar a atenção ao seu limite máximo, como seres percebedores que somos, impedindo a todo custo a fixação do ponto de aglutinação. Só é possível chegar a essa revolução com o exercício constante da atenção sendo impecável a todo tempo, lutando contra a corrente social sem deixa-la, lutando contra as ilusões sentimentais humanas sem deixar de ser humano, rompendo a ilusão do mundo em que vivemos sem desprezá-lo, entendendo e esperando a morte sem deseja-la.

Tudo que nos cerca é parte de um mistério insondável, abrir-se a essa verdade faz com que entendamos que tudo guarda segredos incríveis. “se não fôssemos tão rígidos como normalmente somos, tudo à nossa volta nos contaria segredos incríveis.”

Não somos especiais, talvez a maior dificuldade de um caminhante seja entender que ele não é especial, não é o centro do universo, ainda que a sua percepção traga essa falsa impressão. Exercite a todo tempo a sensação de ser como os demais, observando tonais com atenção, veja o quanto os outros refletem de você. “De todos os presentes que recebemos, a importância pessoal é o mais cruel. Converte uma criatura mágica e cheia de vida em um pobre diabo arrogante e sem graça.”

Somos especiais, ainda que seja isso uma contradição, somos especiais e nos limitamos com as grades que são forjadas ao longo de nossa socialização. O pacto antigo limitou a humanidade por uma necessidade de organização visualizada por nossos antepassados, “sacrificamos o voo da consciência pela segurança do conhecido”, se ousarmos, entender o que somos e nos livrarmos das amarras que nos impuseram, podemos novamente transcender. Mais uma vez é recapitular, identificar e superar. “Nossa herança é uma casa estável onde viver, mas nós a transformamos em uma fortaleza para a defesa do eu, ou melhor dizendo, em um cárcere onde condenamos nossa energia a consumir-se.”

Os sentimentos são amarras sociais, raivas, rancores, paixões, invejas, frustrações são projeções, sequências de pensamentos ligando a pessoa a um dreno energético inexistente, sentimentos de posse, de abandono, de importância, que erguem construções ilusórias ao nosso redor, camadas e camadas que nos afastam do que somos, do que fomos um dia, uma lápide em vida que nos enfraquecem até o momento de nossa morte. “Sustentou que, no fundo de cada uma das prodigiosas ações dos bruxos, há uma vida inteira de disciplina, sobriedade, desapego e capacidade de análise.”

Comentários

As mais lidas (se gostas de multidão)

A mariposa, a morte, e o espírito

O fim da linhagem de Don juan, a prisão de Castaneda e o legado das bruxas

As dúvidas na caminhada: entre ser tudo e não ser nada