Reflexão sobre o tempo




Só existe o tempo sob uma perspectiva humana,  dentro de um espectro de narrativas (memórias e ilusões). Sob a ótica de Hume, eis dois aspectos básicos de cada ser humano. 

Sob a ótica de Ricoeur eis a base da própria construção humana. 

Sob minha ótica, além da perspectiva humana há apenas a eternidade e, dentro dela, a entropia (duração de cada coisa dentro da eternidade). Contudo, podemos apartar o homem, de alguma forma, de todo o restante, como sendo aquele de um estado que transita entre o natural e o divino, e a própria possibilidade de perscrutar o tempo dentro da eternidade (Agostinho), mostra ser o homem este estado intermediário que se apresenta. Tudo que há, portanto, só pode ser temporizado por meio da experiência humana. 

Vejam, um gato de hoje é o mesmo gato em instintos e será o mesmo de milhares de anos atrás, assim com tudo que há, desde animais até qualquer ser ou coisa não humana. Um homem é, diferentemente, sempre um ser-a-possibilidade, vista sobre a consciência e intelecto do ser-o-ai (Dasein de Heidegger). Ou seja, o ser humano é, dentro da experiência humana de tempo, sempre um ser inatingível de saber (ser-a-possibilidade), sempre uma incógnita do porvir, diferentemente de tudo mais, que sempre é uma repetição do que foi (eternidade). A noção de tempo é, portanto, inerente à condição humana, e tudo mais é eternidade. Qualquer outro ser é-até-que…, ou seja, é o previsto e natural até que um evento externo o mude. 

Por experiência, sempre cremos que a lua circunda a terra em ciclos, e isso é verdade até-que…, pois algo externo pode mudar a isso, mas a natureza em si da coisa (da lua), não muda o seu ciclo (eternidade). 

A sociedade e suas regras, e suas rotinas, e a normatização das coisas pretende fazer o homem se tornar, desde o ser-a-possibilidade para o ser-a-previsibilidade, ou a repetição esperada de rotinas sociais para buscar eternizar a experiência temporal humana coletiva, busca eternizar as sociedades até-que…, ou seja, busca o eterno.

Passemos por um inicial geométrico, euclidiano, tentando delimitar o tempo a partir do tempo-do-eu, a perspectiva temporal individual. Neste específico podemos delimitar o tempo em dois pontos: inicial e final, nascimento ou concepção e morte. Dentre estes dois há uma reta, que se pode medir objetivamente a partir de uma perspectiva do fim, ou de forma relativamente definida, portanto indefinida, a partir de um ponto do presente. O presente é, pois, um ponto, e tal e qual o ponto de Euclides detém exata e mesma definição “[…] é o que não tem partes, ou o que não tem grandeza alguma.”. Eis pois a definição de presente, aquilo que não detém partes, não detém grandeza. 

Primeiro pensei: O presente não é um segundo, um décimo ou mesmo um milésimo, o presente é uma definição abstrata e irreal, narrativa humana, sem partes, sem grandeza, que situa-se entre o futuro e o passado, em permanente mutação. 

Depois pensei: Ou (o presente) é algo que independe da criação humana, diferentemente do passado e futuro, é algo que existe por si só, e prescinde da linguagem para se expressar, mais ainda, que não pode ser descrito pela linguagem.
Paradoxalmente só podemos explicar o passado e o futuro pela linguagem, pois fora dela eles não existem, e a linguagem só se expressa no presente que, por sua vez, não pode ser descrito por essa mesma linguagem. O que foi presente um dia só se descreve como passado, o que virá a ser da mesma forma, sobre o passado dissemos ser uma soma do que ocorreu (memórias) com preenchimentos do que se esqueceu (ilusões), do futuro dizemos ser: ilusões com o que pode ocorrer, com possibilidades.

Se digo: naquele momento senti o gosto inebriante do café e a presença de Deus, estou narrando uma experiência vivida no passado, que já foi um dia presente, mesclando o fato a ilusões (subjetivismos).

Se digo: amanhã quero ver o nascer do sol, e nele sentir a presença divina. Estou mesclando uma possibilidade ditada pela experiência (o sol nascer) com uma ilusão (uma abstração pessoal).

Ambas as experiências ocorridas serão ou foram apenas sentidas (presenciadas pelos sentidos), e após sentidas ou antes de sentidas, podem ser descritas, não se descreve, NUNCA, o presente quando da experiência-em-si.

Como definir o tal presente que tantos dizem que deve ser objeto da principal atenção humana? 
Não se sabe de sua existência, não se consegue defini-lo objetivamente, não se-lhe categoriza, não é possível trocá-lo por nenhuma narrativa, mas apenas vivê-lo. Quando se tenta definir o presente já é passado, quando se tenta antecipá-lo misto se torna de futuro e passado, em um instante, não há definição para o presente além de uma definição negativa: presente é tudo que não é passado ou futuro. Como sendo indefinido é imensurável, sem grandeza, só pode ser sentido, ainda que de forma efêmera, não podendo ser descrito. O presente pode ser medido apenas de forma individual, quanto mais consciência do ser-o-ai, do Dasein de Heidegger, mais se sente o presente, aparentemente reduz-se o espaço descritivo (passado e futuro, memória e ansiedade), ampliando-se a sensação da presença, que ao ser quase tocada se esvai em um passado…

O presente é todo o indescritível, por exclusão o que se sente e não se diz, o que acontece infinitamente e ao se tentar atingir já se foi, ao tentar antecipar não é. Tempo, por exclusão, é tudo que não é o passado (memória) ou futuro (expectativa), aquilo que só pode ser vivido.
Se em algum lugar há a presença de Deus é o Presente.

Tudo que parte da descrição humana são fantasmas de momentos passados ou ilusões de momentos futuros. A linguagem só alcança o irreal, passado e futuro, o real é inalcançável pela linguagem. O presente só se alcança pela experiência em si do ser-o-ai.

O passado nunca é o real, a experiência em si se altera com a memória, já é incompleta pelos sentidos quando vivida, portanto não chega a ser a realidade em si, mas parte ou fragmento, como já foi, é um fantasma, espectro do que um dia de fato aconteceu, alterado e deformado pelos sentidos e pela memória, também pela insuficiência da linguagem, quando se descreve o que foi. Aliás, só há descrição do presente no passado, quando foi, não é, filtrado pelos sentidos, depois pela memória e uma terceira vez enquadrado nos limites da linguagem. Quanto ao futuro, dispensável maiores comentários, como não é ainda, pode ser, se torna espectro especulativo do porvir, de certa forma real dentro de infinitas possibilidades, mas absolutamente irreal por ser mera miragem do amanhã.

A linguagem só descreve fantasmas de acontecimentos já mortos…

Ou espectros daqueles acontecimentos que ainda não nasceram.

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