Meditações sobre a alma

 


Se um corpo é uma somatória de átomos, e substâncias, de tal forma que a sua composição permita a vida, digo, esta argumentação ainda não é suficiente a mim para explicar sobre a consciência. Poderiam me dizer que a consciência é uma composição única também decorrente do corpo cerebral, mas ainda assim me seria insuficiente, e explico. Busco um pouco do argumento de Sócrates no diálogo platônico Fédon em que refuta que uma lira só produz som em razão da sua composição, a mistura única de objetos, e tomo como base este instrumento para a minha argumentação.

Tomemos então o corpo como um instrumento que produz consciência, dada a sua composição única de fatores que nos tornam humanos (células, órgãos, máquina cerebral, ossos, em sua composição mínima para tanto). Antes, como comparação, tomemos uma lira, em sua composição única (cordas, arco, retesamento, etc).

A lira, ainda que tenha a composição perfeita, irá sempre produzir música?

A resposta, certamente é não. Existe, na verdade, um componente específico que se exige para que a lira produza som, e que o som seja harmonioso, que é a consciência emprestadas as suas cordas por meio de uma pessoa. Melhor dizendo, há a música se proceder-se uma consciência sobre a música. Poderiam então me refutar dizendo que uma máquina poderia, se programada para tanto, produzir tal música. Concordo, e isso não refuta o meu argumento, pois a máquina programada para produzir na lira a música teve a consciência de uma pessoa que lhe precedeu em sua programação, portanto ela apenas terceirizou consciência a lira, e não lhe emprestou algo que nunca teve.

Pois bem, agora vamos ao ser humano. Imaginemos uma pessoa que, ante a um surto, um pico extremo no coração, venha a falecer abruptamente. Vejam, essa pessoa ainda detém dentro de si toda a composição que lhe faz um ser humano (células, órgãos, máquina cerebral, ossos, em sua composição mínima para tanto), mas ela tem consciência? A resposta é obviamente que não. O que falta então, se na somatória de todas as coisas (de todos os átomos necessários), ainda se tem a fórmula perfeita de qualquer vida? O que respondo é que falta algo invisível que permite a consciência, e que empresta consciência a carne humana, e que, por memória e tradição sói chamar-se de alma.

Logo, de alguma forma e por algum motivo, posso dizer, a composição da fórmula de coisas materiais essenciais necessárias a composição da coisa humana física, permite que, sendo ela maturara no útero materno, seja, no momento do nascimento ou mesmo já dentro do útero, eis discussão que não faço ainda, que seja nela soprada a alma, para que à carne da composição humana seja emprestada a consciência por meio da alma.

Posso supor então, com base na OMS, que 150 dias é o tempo para que a alma possa ser projetada no feto, tornando-o, portanto, humano, sendo, a partir disso, já um ser humano que poderá nascer ou não, podendo ter a vida abreviada a partir deste momento. Por que 150 dia? Pela ciência que identifica a viabilidade, ainda que mínima de nascimento (2%) a prematuros com 22 semanas (154 dias), abaixo disso sendo inviável o nascimento, então há algo em torno deste tempo de 150 dias para que a alma seja incorporada ao feto. Intuo então, logicamente, que desde a nidação até os 150 dias deste primeiro momento há o processo reivindicatório da alma, que se funde, pouco a pouco, durante este período na velocidade em que o corpo humano se forma, sendo possível, a partir deste 150 dias o nascimento, ainda com dificuldades, pois há, posterior, o processo de acomodação da alma na matéria, que dura, para atingir a sua perfeita maturação, de 37 a 42 semanas. Não se presume ser um processo simples a infusão de alma tão complexa como a humana em matéria, menos ainda a acomodação de ser imortal em veste mortal, por isso é feito dentro do útero materno, acolhido dentro de outro corpo que contém outra alma.

Poderiam me objetar que a consciência é produto de processos químicos e físicos e impulsos elétricos neuronais, mas o que precede a esses impulsos, o que anima o corpo para que o façam?

Há algo que não se sabe que precede os impulsos que dão vida ao corpo, e portanto que anima o corpo aos impulsos, pode ser chamado de alma, mas não sabemos o porquê ainda habita o corpo nascituro, quando o faz.

Há também, do que pode ser observado, que há uma hierarquia entre aquilo que anima os corpos biológicos, que chamo de alma, que permite graus de consciência maior e menor entre os seres orgânicos deste mundo, e sobre isso falo logo mais.

O que percebo, por premissas verdadeiras, e comprováveis até então, é que o que é animado, ou que detém alma, pode manipular o inanimado, e aquele que detém alma mais consciente, pode dominar aquele mais inconsciente. Eis o fluxo das coisas que percebo com observação e pelo que já é comprovado.

Disso extraio a conclusão, a premissa de que todo ser animado o é por existir uma força invisível que, somada a composição de sua matéria visível lhe permita ser consciente, em diversos graus. Disso extraio que há uma substância invisível que soma-se a todos os seres vivos e lhes permite que tenham graus de consciência, em uma métrica do visível, desde os de menos consciência até nós humanos, que parecemos, dentre estes os de maior consciência. Não o digo por antropocentrismo, mas sim pois nós apenas podemos manipular as coisas de tal sorte que nenhum outro ser orgânico o faz.

Contudo, há entre os aparelhos da carne em nós presentes semelhantes nos animais, explicado pelas teorias darwinianas e biológicas todas, em termos de evolução (coração, rins, pulmões, guelras, olhos, bocas etc), compartilhando itens semelhantes entre os animais, inclusive, em nível celular também (nervos, derme, ósseo), em sua composição atômica e molecular também (átomos de igual especie), de forma que, para todos os seres, posso afirmar também, como premissa válida, que além do conjunto próprio de cada um (fórmula de cada espécie animada, dentro dos gêneros), há algo que é invisível e que lhes é dado quando nascem, é efêmero, pois lhes é retirado na morte, e sem o qual a composição que lhes dá a vida é impossível.

 

Posso afirmar ainda, sem incorrer em falácia, que esse algo detém em comum o aspecto de possibilitar a matéria ser dotada de consciência. Posso dizer ainda que é constatável que exista algo em comum a todos os seres orgânicos vivos, ainda que em diferentes graus, como há em comum na matéria orgânica.

Agora, me apegando a lógica, não posso dizer de certo se esse algo que anima a matéria é maior ou menor que a própria matéria, ou mesmo se é perene ou efêmero. Mas tentarei.

Oras, se há algo que é dado a cada corpo orgânico em seu nascimento - seja inseto, planta, fungo, animal -, e esse algo detém em comum a capacidade de animar a matéria, dentro de aspectos próprios de cada uma destas composições, detendo a capacidade de manter-se mais ou menos tempo em cada receptáculo, e ainda, permitindo mais ou menos consciência para cada um deles, devemos admitir que isso advenha de uma fonte comum.

Pois bem, a esta fonte comum de onde advém toda essa substância, e citarei incorretamente assim, pode ser dada a característica de ser a fonte de toda a vida, entendendo-se por vida tudo que nasce e morre. Se essa fonte fosse limitada, as vidas também o seriam, sendo próprio e correto dizer que o nascimento de novas formas (inseto, planta, fungo, animal) declinar-se-ia com o tempo, pois a fonte, se não fosse perene, estaria secando, digamos assim.

Sabemos, no entanto, que geração após geração, e por bilhões de anos existe vida na Terra, mais propriamente algo referente a 4,5 bilhões de anos. Posso dizer ainda que, desde as primeiras formas, mais simples na Terra, os seres vieram se aperfeiçoando, passo a passo, geração após geração, e não adentrarei nas teorias evolutivas, mas por acasos e necessidade (Jaques Monod), e por mutações e pressões do meio (Darwin), biologicamente os seres se aprimoraram, sendo que desde a singularidade do universo (cerca de 15 bilhões de anos atrás), até a formação da Terra (4,5 bilhões de anos), hoje existem cerca de 9 milhões de espécies eucariontes na Terra, que posso dizer, são animadas por uma alma.

Disto retiro que a Fonte que dá, concede ou mesmo da qual é requisitado no nascimento esta força que anima a matéria (Fonte em letra maiúscula), não existe efemeridade, não é limitada, pelo contrário, ela se expande de alguma forma.

Agora vejamos, como essa Fonte se expande?

Se os primeiros seres orgânicos nesta Terra, há 4,5 Bilhões de anos, eram apenas monocelulares, ainda assim há de se dizer que diferiam do inanimado anterior por ter vida, então havia neles um rudimento de alma ainda, primaz, de consciência efêmera, mas sim, uma alma. Aos poucos, com o surgimento e evolução dos corpos, e na alquimia das mutações e evoluções se percebe que, a medida em que as células se uniam, a medida em que se agrupavam em corpos mais complexos, maior era o grau de consciência que as dava vida.

Posso dizer assim que a Fonte detinha, originalmente, a possibilidade de conceder almas de consciência efêmera e rudimentar, e que ao final de cada vida aquilo que as animava, retornava de alguma forma à Fonte, a alimentando com a consciência de sua própria vida orgânica. Que isso de alguma forma aprimorava a Fonte, fazendo com que, com a mutação dos corpos, a sua evolução, parcelas cada vez maior de consciência animasse esses corpos, e ao fim, voltassem com mais experiências de vida à Fonte.

Esse ciclo, posso intuir, de forma especulativa, permitiu que, degrau após degrau de ampliação de consciência chegássemos ao seu pináculo terreno, o ser humano, grau mais avançado de consciência, portanto parcela mais refinada da alma da Fonte concedida ao corpo mais refinado da carne, o corpo humano.

 

Disso podemos concluir que a alma é imortal, mas não em sua individualidade do que o corpo mortal vive. Quero dizer que posso intuir que a alma que anima a carne de cada uma das pessoas, inclusive a minha, retornará a Fonte ao seu final, e somar-se-á a ela, com as experiências que eu tive em vida, aprimorando e acrescendo-se à Fonte, para novamente ser una a ela, para depois voltar a ser dada a nova carne que se formará, em um ciclo eterno.

Logo, a alma é eterna no sentido de que a força que anima os corpos o é, mas individualmente não é possível concluir nada a respeito de como as experiências que são levadas do corpo com a alma de volta a Fonte são tratadas, e se isso pode ser acessado por novo corpo em que habitará nova alma.

Não se sabe se na Fonte há uma catalogação das experiências, ou separação, mas é de se presumir que sejam separadas em níveis de consciência, pois se não o fosse, não haveria, no âmbito da energia que anima, evolução, e é de se supor que a evolução das almas seja correlata a evolução dos corpos, ou que a evolução do mais imperfeito, o corpo, seja decorrente da necessidade evolutiva da alma.

Digo, não seria possível presumir que a alma antes habitante em um caracol, que animou aquele ser, anime logo após um ser humano, pois assim o fosse seria como entender que uma célula da lesma pudesse ser implantada na carne humana, e não pode. Ao contrário, pode a lesma ser usada para gastronomia humana (consciência maior instrumentalizando a menor ao seu uso), como processo evolutivo e de sobrevivência. Se usado incorretamente, inclusive, pode corromper a carne humana (doenças transmitidas por lesmas, uso sem consciência).

Quiçá então a alma que anima a carne humana deva ser mais complexa que a dos demais eucariontes, e assim o parece, sendo que, após os primeiros humanos, as almas subsequentes destes sejam decorrentes somente de almas humanas também, o que traria um problema, visto que a população humana tem aumentado nos últimos anos. Logo, é de se supor que a alma humana possa vir de outras almas humanas precedentes mas também de almas que foram aperfeiçoadas de outros eucariontes, sejam individual ou coletivamente, pois não se pode considerar a alma como um tecido uno e indivisível, mas sim uma composição de várias outras que a precederam.

Não pretendo, como já demonstro, fazer um tratado da alma, mas sim de possibilidades, sob o prisma lógico do que conhecemos.

Uma questão ainda me salta a mente, em minhas reflexões, e questiono sobre a Fonte, como um lugar em que se reserva a somatória de todas as consciências, e que a concede, quando do nascimento de todos os seres. Seria um lugar ou um ente consciente de si?

Há alguns pontos a serem tratados sobre isso:

1 - se o local de onde emana essa alma a todos os seres vivos, e para onde ela retorna, não for um lugar em si, mas uma substância que permeia e está ao nosso redor, havemos de considerar que ao nosso redor existem almas que habitaram antes em matéria, e que estão ao nosso redor esperando outras matérias para ela animar.

2 - Se há a hierarquia de consciências e alma, e isso acontecer individualmente, podemos dizer que cada alma guarda dentro de si o “histórico” dos seres que habitou, mas se assim o fosse, haveria eu de considerar que de certa forma se possibilita a “multiplicação das almas”, pois originalmente há de se considerar que existiu um só ser, unicelular, que se reproduziu, que mudou, que mutou em seres outros e que, ao longo de bilhões de anos chegou as quase 9 milhões de eucariontes existentes.

3 - se existe uma Fonte, um lugar em si, essa fonte detém uma substância invisível infinita desde sempre, portanto é uma fonte imortal que guarda em si substância imortal (do imortal advém o imortal, parte é da mesma substância do todo), e que aprimorou a própria substância por meio das doações de parcelas de si as gerações de matérias que animou, tornando-se, aos poucos, mais e mais consciente também. Neste caso a Fonte que digo aprimorou-se ao longo dos tempos, se se aprimorou nunca foi onisciente, nunca deteve uma consciência cósmica em si, mas sim, imortal o é. Ou seja, o que busca aprimorar a si não está plenamente aprimorado, então nunca deteve uma consciência suprema ou algo que o valha, mas sempre detém uma consciência maior que a soma das consciências existentes.

4 - se existe uma Fonte, e ela sempre deteve uma consciência cósmica maior, pode ser que ela tenha cedido parcelas de si mesma, desta substância infinita, as gerações e gerações de seres que se seguiram na Terra ao longo destes 4,5 bilhões de anos, pouco a pouco, a medida do que cabia em cada recipiente de matéria, mas já detendo toda a consciência em si, o fez apenas como concessão a evolução da matéria, já sabendo previamente tudo que hoje existe. Poderíamos, neste caso, conceber a existência de um ser maior, mas devemos desconsiderar que ele beneficie qualquer ser em especial, apenas agindo conforme premissas ulteriores de concessão de energia, como uma lei universal como a que rege a gravidade ou qualquer outra. Exemplificando, seria um ser que tudo sabe, que tudo vê, mas que concede uma alma de acordo com cada corpo em seu nascimento, e a recolhe de volta a cada fim. Não seria, portanto, um ser antropomorfizado ou que tivesse ligação com o humano tão pouco. Mas, neste caso, há de se conceber que, quanto mais a consciência é cultivada, mais ela se aprimora, e mais próximo à consciência desta Fonte os seres chegam, mas sempre limitados pelo fator temporal.

Ou seja, podemos considerar que aquilo que anima os seres vivos, chamado aqui de alma, advém de algum lugar, e no tempo do início da vida, retorna a este mesmo lugar, e no momento da morte, é imortal mas não se pode dizer que mantém a individualidade.

 

Podemos considerar ainda que há uma organização entre essa substância que retorna dos corpos após a morte, e que ela se organiza de acordo com as espécies, mas que pode evoluir em degraus de consciência, agrupando-se, dissolvendo-se, mesclando-se, de acordo com uma matemática metafísica que não nos é possível, ainda, compreender.

Podemos dizer ainda que, sendo essa alma imortal, é premissa válida a possibilidade de existirem manifestações dessa alma fora de corpos materiais, seres não biológicos, se assim o for estes estarão para o homem como os animais domésticos estão para nós, em tal grau de consciência superior que possivelmente não consigamos com eles nos comunicarmos, ou se pudermos, seremos mais inteligíveis a eles, como mais conscientes, que eles a nós, menos conscientes. Se se seguir a premissa da neurociência atual, nos moldes do que já disse Adous Huxley nas portas da percepção, as barreiras que nos impedem de comunicarmos com a alma seriam os filtros limitadores perceptivos do cérebro, que o faz para nos proteger da sobrecarga cognitiva do mundo que nos cerca, e acaba também nos limitando a conhecer tudo que nos é possível.

Mas devemos entender algo, no ser humano existem as funções relativas à matéria que são chamadas de sensitivas, os sentidos, com as quais percebemos e interagimos com o mundo. Não desta forma se poderia haver uma comunicação com a alma que não habitasse mais um corpo, por certo, pois esta não mais teria as funções sensitivas. Logo, se há uma forma de se comunicarem, a alma sem o corpo, e o corpo que contem a alma, seria por meio do refinamento de faculdades do intelecto, que mais se aproximam da alma, em meditações, transes ou mesmo por meio da abertura das portas da percepção com o uso de substâncias enteógenas.

Contudo, isso existe apenas em um nível conjectural, tendo em vista que tudo que podemos comprovar ainda é que à carne é dada uma consciência de forma temporária, e que a alma é de fato uma substância imortal que anima a matéria, mas não se pode saber como se comporta essa substância fora da matéria ou sem ela se pode funcionar.

Ou só nos é dado a conhecer a substância que vemos, e ai seguimos o pensamento Aristotélico e dizemos que a substância do homem é a matéria quando imbuída de alma. Sem a alma a matéria não é mais o homem, apenas carne e ossos, sem a carne e osso a alma não é mais a substância, pois não mais detém a suas características.

Com apoio da filosofia socrática entendemos que a alma humana, antes e depois de habitar o corpo, não é a pessoa que habitou ou que habitará, mas algo maior, transcendente portanto, que na individualidade da substância do sínolo é um fragmento apenas do que o é.

O corpo permite a potência da alma, mas limita a sua consciência, pois sempre a carne finita é menor que a alma eterna. O sínolo é uma parcela do todo infinito da alma, faz parte de sua memória, mas não é ela de todo, apenas parte, mas a alma é para o corpo o todo de sua vivência.

Conjecturando, se para Aristóteles a forma que possibilita o reconhecimento da matéria como substância, deveríamos inicialmente pensar que a forma precede o aglutinamento da matéria. Neste caso, em proposições racionais, poderíamos crer que a alma precede o corpo, e isso confirmaria que ela é imortal, pois já existe antes do corpo. Além disso levaria a crer que a alma já está pronta em sua forma antes da matéria, portanto, na concepção, logo quando da concepção (zigoto), a alma já estria destinada aquela matéria. Contudo, ainda na lógica aristotélica, apenas quando o zigoto se tornasse a matéria conhecida se tornaria humano (22 semanas aproximadamente).

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