MORTE E RENASCIMENTO




Era dezembro de 2008, eu estava no Acre, no meio da floresta, já imerso nos efeitos da mestra ayahuasca. Eu via as pessoas ali, cantando, rodando, testemunhando aquele mundo mágico que eu também experimentava. Contudo, tudo isso representava apenas uma fina barreira que tínhamos ultrapassado. 

Pedi à mestra que me mostrasse mais, eu queria ir além, ultrapassar as fronteiras do homem e talvez até mais. Assim, iniciei uma jornada intensa. Sentia o que todos sentiam ali, tornava-me parte do todo, de cada indivíduo, e percebia o mundo de maneiras diversas. Minha filha era pequena e dormia com minha esposa em algum lugar próximo. Minha esposa estava chateada, não gostava, assim como não gostava de nada espiritual. Então, percebi o mundo sob a ótica dela. Era caótico, sentia o medo e via tudo sem sentido, como ela via. Entendi sua razão e o motivo de não apreciar o mundo espiritual, sob a perspectiva dela; nada ali fazia sentido.

 

Eram pontos de vista, cada um com seu punhado, e somados formavam a totalidade que era o universo. Eu estava à beira da loucura, nos limites do mundo. Então, vi o negrume do inconcebível, algo que não consigo descrever, nem mesmo com muito esforço. Eram as barreiras do mundo. Quando viajamos, não saímos do lugar; nossa percepção move-se para as diversas formas do universo se autoperceber. Senti a percepção de estrelas, planetas, seres desconhecidos, conhecidos, todos. O vento: eu era ele, e ele era eu. Eu sentia e vivia como parte de tudo.

 

Ia e vinha como um ioiô pela eternidade, aos confins dela e onde eu estava, naquele canto da floresta amazônica. Lembro-me do desespero; eu estava me transformando em um elástico eterno. Naquele momento, compreendi todas as proposições mágicas do "eu sou tudo, todos somos um". Era assim as coisas, mas a individualidade da percepção nos protegia de nos desfragmentarmos no universo infinito, era como uma manta protetora.

 

Don Juan dizia nos livros que bastava querer e estender-se até a eternidade. Isso é fato; vi isso, vivi isso, senti isso. Sem sair do lugar, sentimos o todo, pois dele somos parte indissolúvel, assim como ele é composto também por nós. É libertador e aterrador sentir isso, é como dissolver a unidade, ser a totalidade, é como morrer milhares de vezes, à medida que nossa percepção vai de um ponto onde o universo se percebe a outro, e existem infinitas formas de se perceber.

 

Intentei, então, o silêncio, a não percepção, e entrei em algo ainda mais desafiador: a própria sensação da morte. Era a própria ausência de tudo, o universo latente, o nada escuro, o incomensurável humano, o não manifesto, o que não permitido perceber, pois é a própria não percepção. Eu havia morrido; sabia que estava no incognoscível, o que está além do desconhecido, pois nunca poderá ser conhecido. Era o fim, o ômega, e ali encontrei o alfa, o renascimento. Pedi para voltar; a escuridão me esmagava. Eu estava me dissolvendo em pequenos fragmentos de mim que percebiam-se e morriam ao mesmo tempo. Mas eu ainda tinha algo a fazer, um caminho a trilhar. Voltei, vivi, renasci ali, e apenas agora, depois de tanto tempo, começo a me lembrar dos fragmentos daquela visão bela e linda.

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