AS CORDAS QUE UNEM O UNI AO VERSO

 




Um certo dia, em um cato desses do Universo, uma pessoa dizia sobre os sinais, e que aquilo poderia obcecar alguém, caso buscasse em tudo alguma indicação de algo. Pus-me a refletir, e meditar, ao longo de alguns dias, pois aquela afirmação me fisgara de alguma forma, no começo incompreensível para mim.


Pensei em mim, como objeto inicial de minha própria investigação, e em todo o resto, dentro da visão apartada que temos ordinariamente. Eu e o resto de tudo que há, e parti a meditar.


Ocorre que eu e o resto, no principiar de uma meditação mais profunda, começam a se unir, e não há eu, e não a o resto. De alguma forma as coisas se unem, se tornam indissolúveis. Penso, vejo, sinto, tenho consciência, e pela consciência, aliás, é a própria consciência o fio que me une a tudo sobre o que pretendo meditar, e que cria, ao princípio, ser o resto. Percebi, então, que não há fio, não há conexão, há lembrança. A consciência é a lembrança sobre o fio que une tudo que há, e percebi-me na unidade ao meditar.


Então, como tudo, ou conectado a esse todo, despido de mim, unido ao resto, me torno o todo, a consciência o fez, e a consciência se tornou o veículo dessa unidade singular, na qual, percebo o todo por meio de um fragmento que, ocasionalmente, chamo de eu.


Posto-me a sentir-me como tudo, e percebo que a consciência unida me mostra que, a conexão de tudo com tudo, ainda que fique obscurecida por sobre a inconsciência do cotidiano, me faz entender, como em um lampejo de pensamentos, imagens, sons e cheiros, ou seja, de conhecimento, que o fragmento pelo qual me observo que chamo eu é importante a tudo mais que há, de alguma forma muito singular. Penso, e sempre o pensar retorna, que isso decorre da conta de ser especial, ou algo de brotar egóico, e vejo que não. A singularidade que o indivíduo, que eu tenho, como objeto de minha meditação, ou a singularidade de qualquer um se dá não por ser especial, mas por ser um ponto de vista único no emaranhado do tempo e espaço.


E, após perdido em tantas idas e vindas, voltei-me aos sinais. Percebi que ao estar conectado com tudo, por meio da consciência, desde a conexão a uma singela formada até a conexão com planetas, percebemos as cordas que unem a tudo esticarem-se e cederem, vibrarem em diferentes ondas, brilharem em diferentes tonalidades de luz. Não posso explicar com maior clareza, sinto ainda os efeitos, mas é como se o ressoar de uma pata de uma formiga influenciasse ou fosse influenciada, ou estivesse conectada, ao brilho mais forte ou fraco do sol. Um bloco que me caiu como entendimento me mostrava que era essa a própria essência impessoal de um corpo total a caminho do aprimoramento da consciência dentre nascimentos e mortes, dentre seres diversos, dentre planetas e formigas, em que tudo detém o mesmo absoluto valor.


Voltei-me, em minha meditação, a imagem de Kant franzino, dizendo do ser humano, de cada um, como sendo possuidor de um valor em si mesmo, não coisificado, e os pensamentos filosóficos incompletos se mesclaram, como se encaixam peças de um quebra-cabeças, a me mostrar que também assim são os animais, os sóis, os inorgânicos, as deidades e tudo mais que se possa dizer, pois tudo é, como se fosse em nosso próprio corpo, importante por igual. Como eu diria que minha mão esquerda importa mais que a direita, ou que o meu olho vale mais que meu ouvido? Como a totalidade diria ser especial qualquer ponto de vista de si mesma, qualquer fragmento do que é?


E percebi então mais uma vez os sinais. Quando o indivíduo está unido em consciência à totalidade, está ciente de não ser parte apenas, mas em manifestar um aspecto em um ponto de vista, quando se vê como especial e a tudo que há como igual em especialidade, ele consegue ler os sinais que o cercam, a todo momento. Um zumbido de mosquito pode indicar um grande evento, um sopro de vento, uma nuvem que encobre o sol, uma formiga que cai em sua bebida, ou uma simples folha lançada de uma árvore aos seus pés.


Quem tem os olhos abertos, os olhos da totalidade, esse sim, em todo lugar consegue enxergar o fluxo de tudo que há.

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