O poder das palavras




As palavras são o portal mágico para realizações mais fantásticas do homem. Assim é também uma das portas onde perdemos mais energia. As palavras mal ditas, mal colocadas, a palavra que é colocada a disposição de nosso ego, de nosso enfadonho discurso interior. As palavras são naturalmente imbuídas de poder, podemos realizar feitos mágicos e invocar poderes com as palavras, os grandes feiticeiros de todos os tempos sabiam e sabem disso e não intuitivamente também sabemos. Podemos sentir a mágica das palavras na expressão sublime de um poema, de uma música, de uma oração. Em outra vertente podemos sentir o desgaste energético de uma discussão, uma briga, de um discurso sobre o ego, de lamentação e de auto-piedade.

Qual seria o ideal caminho para a economia de energia com as palavras, eu havia me perguntado e ponderado sobre a questão. Talvez seria ouvir e apenas ouvir, ponderar e esperar oportunidades mínimas para expressar a palavra para ser utilizada em atos que seriam realmente significantes de serem ditos. Contudo se torna quase que impossível a tarefa de escolher e de ponderar sobre as palavras, diante do infindável diálogo interno sempre presentes na nossa vida. Então as palavras são utilizadas como uma ferramenta do diálogo interno para a afirmação de nosso ego, uma ferramenta mágica utilizada para a manutenção e corroboração de nosso maior inimigo no caminho do guerreiro, a auto-piedade. Nós somos criados e tangenciados a sermos inimigos mortais do silêncio, da quietude, somos doutrinados a utilizar incessantemente a palavra, sendo ela necessária ou não. Torna-se impossível quando existem duas ou mais pessoas reunidas não se ver um diálogo, a utilização das palavras de maneira fútil, sem objetivo, apenas para cobrir os buracos de silêncio que poderiam aparecer ali entre as pessoas. Manter o silêncio é arriscar-se a deixar a pessoa que estar com você chateada, fazer com que ela pense que você está com algum problema, ou que o problema é ela. Calar-se ao lado de uma pessoa faz com que o diálogo interno dela se revolte, vire um turbilhão de dúvidas, de incertezas, de auto-piedade que terminam por forçar a pessoa a começar um diálogo, até que consiga uma palavra que seja da pessoa ao lado. É mais uma ferramenta para manter o mundo como é, a manutenção da palavra, a banalização da palavra é sobremaneira essencial para a manutenção de nossa realidade. Vejam só, a nossa realidade é tão frágil que temos que afirmá-la a todo tempo, com todas as pessoas, todas ao mesmo tempo, as palavras são como uma cola que liga tudo e mantém tudo como é.

Sabotar o sistema é calar-se para futilidades. Ter integridade nas palavras é essencial para a economia de energia pessoal. O ato de transformar sensações em palavras é um ato de poder, o ato de escrever, o que seja, é um ato sublime de poder, exige energia, e pode exaurir-nos dela ou incrementar-nos dela, dependendo da forma que for utilizado. Sozinhos, meditando, podemos acessar o silêncio da mente, silenciando o nosso diálogo podemos atingir o conhecimento silencioso, a segunda atenção, visitar mundos e mundos, beber da fonte do conhecimento universal. O conhecimento silencioso é o caminho e a barreira, o muro que nos impede de acessá-lo é a razão. Contudo a razão tem um guardião sempre a postos para a sua defesa, esse é o diálogo interno. Insistentemente nos bombardeia com futilidades, com uma mesmice de pensamentos que nos nivela a toda a pobreza de pensamento que permeia o mundo, que nos deixa preso ao sistema, o mesmo diálogo que vemos e ouvimos nos jornais, televisão, internet, em sua grande maioria. Um diálogo pobre, rumando sempre ao dinheiro, ao poder, a manutenção do sistema, do capital, do mundo da forma que ele é. O nosso diálogo interno tem o poder de sintonizar-nos ao canal de nossa realidade, reafirmando o mundo, reafirmando o diálogo do mundo, da mente social, o nosso pensamento geralmente nos guia a estar sintonizados com todos a nossa volta, com o mundo da forma que conhecemos. Isso não é de todo mal, obviamente se conseguirmos discernir essa sintonia e controlá-la para o canal que quisermos guiá-la, inclusive aprendendo como desligá-la. Dizia o velho nagual que os feiticeiros falavam sempre que se temos que pensar, que pensemos na feitiçaria, no caminho do guerreiro, não nas futilidades egomaníacas que costumamos a pensar.

Desligar esse sintonizado potente que temos é um exercício de feitiçaria. Parar o mundo é o resultado, parar o fluxo que temos deste mundo, desta realidade. Todos conseguimos para a mente, o sonhar é um exemplo. Ali a mente é desligada de forma automática, desligamos o diálogo interno e então estamos livres para sintonizar o mundo que quisermos, mas geralmente não queremos nada, porque nem mesmo sabemos dessa possibilidade. O mundo nos faz relegar o sonhar ao esquecimento, a nossa imaginação, a um aspecto bobo e sem utilidade de nossa mente, e a maioria de nós acredita, passa toda a sua juventudo legando os sonhos a uma zona escura e esquecida da vida, matando essa possibilidade e fechando essa porta ao desconhecido.

Voltando então as palavras, percebi o quão difícil é transformar as nossas  explorações ao desconhecido, os nossos acessos ao conhecimento silencioso em palavras. É um exercício magnífico e de uma dificuldade ímpar. Consolidar conhecimentos, transformar sensações, visões em palavras é uma tarefa extenuante exatamente pelo tratamento que damos as palavras, e pela ligação que a palavra tem hoje com o aspecto da razão de nossa energia. Não é um problema a razão em si, e sim o afundar-se na razão. O caminho do guerreiro é um caminho de volta, voltamos a origem, voltamos a conexão com o espírito, voltamos ao conhecimento silencioso. Tempos e tempos era a nossa civilização conectada ao conhecimento silencioso e por algum motivo, que inclusive já escrevi aqui, passamos para essa idade, a idade da razão. Esse caminho de volta que fazemos é como sair do inferno segundo o Nagual Juan Matus, mas quando voltamos desse inferno para o lugar do conhecimento silencioso, trazemos um troféu, e esse se chama entendimento, é a parte dada pela razão.

A palavra é o que nos faz hoje ser a civilização que somos, o que nos conecta e nos une a todos como um cola, que une pedaços difusos que fazem a realidade ser tão intensa como o é. Hoje somos reféns da razão, e como ferramenta a razão usa a palavra para nos conectar, distantes do conhecimento silencioso, de beber da fonte do conhecimento, temos que estudar em escolas, ler livros, nos comunicar para ter acesso ao conhecimento de nossa época, o conhecimento dessa realidade. A palavra é o que perpetua o conhecimento de nossa era. Basta que olhemos os livros que temos a nossa disposição, o conhecimento de tempos, de anos a fio de nossa civilização, que ensinam a dureza do mundo, as buscas que devemos fazer, são manuais de aprendizado, cada um com um bocado do aspecto da realidade, que somados fazem o universo como o vemos e o sentimos superficialmente como estamos acostumados. Somos acostumados a buscar, a empreender as nossas buscas em palavras revestidas de conselhos, de livros, de televisões, de psicólogos, da internet. A única busca que nunca nos propomos a empreender, em nossa grande maioria, é através do silêncio, uma busca solitária, que pode nos fazer acessar, através da solidão e do silêncio a tudo, nos conectar de forma mais profunda a tudo que nos cerca, ao espírito, ao infinito.

Não quero abnegar as palavras aqui, o que coloco é que deve haver integridade e poder em nossas palavras e a única forma de fazê-lo é tendo moderação nelas. Deixar as palavras serem os serviçais de nosso discurso egomaníaco, de nosso diálogo interior é relegar a portentosa magia das palavras ao descaso de nossa realidade com a magia, é relegar essa ferramenta mágica a manutenção do sistema e não de nosso crescimento pessoal e de nossa caminhada rumo a liberdade. A economia e a integridade das palavras é um dos pilares que podem nos levar a uma economia única de energia, essa tão necessária em nossa caminhada. Encerro aqui esse ato de poder, essas palavras em que conecto-me a você que e lê, faço uma ponte mágica no humilde intuito de ajudar no caminho do conhecimento, que seja com algumas palavras, pois são palavras de meu silêncio e não de meu diálogo que vos fala aqui. Deixo então uma meditação silenciosa para cada um que me lê, sobre o poder das palavras e a forma que cada um de nós a está usando hoje, e de que forma elas estão engrandecendo ou definhando as nossas energias e para o que elas podem se transformar. As escolhas somos nós quem fazemos, escolhemos se as magias das palavras serão um ato de magia negra, a favor do sistema, do ego e das energias que se interessam pela nossa fraqueza, ou se será um ato de magia branca, a favor de nosso crescimento, e do nosso engrandecimento energético nessa nossa jornada temporária e magnífica que temos por essa bela Terra.

Comentários

  1. O silencio é uma resposta incociente .
    Otimo texto Enio
    ass Nonato

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