Morrendo para o mundo, o renascimento do guerreiro
Um dia eu
estava em um encontro com minha amiga ayahuasca, e me recordo claramente das
palavras que encheram o meu corpo: - Quando você tornar-se o menor entre os
homens sentirá o maior entre os poderes. Confesso que na época fiquei meio
confuso, ainda era cheio de um pensamento religioso, e uma grande aversão ao
catolicismo aos dogmas da crença, tão modificadas desde o homem que a originou.
Mas não bem do catolicismo que quero falar, ou qualquer ismo que possa ser
falado, este não é um texto crítico, nem apologético, é simplesmente um texto
de uma lembrança que me foi soprada pelo espírito. Estava assistindo a um filme
quando esse pensamento me cruzou a mente, essa lembrança esquecida, e junto
dela me veio a compreensão do que se referia aquela velha mensagem que me foi
dada de presente em um tempo em que não dei-lhe muita atenção.
Sentado em
minha sala percebi as coisas definhando-se, foi uma visão rápida, então uma
série de outras vieram em seguida com o mesmo conteúdo. Percebi que a medida
que pensamos nas coisas como efêmeras, o sofá, a casa, enfim tudo de material
que nos cerca, percebemos a efemeridade que nos prende a tudo. Então novamente
uma voz voltou dizendo que apenas quando eu morresse para o mundo o mundo se
abriria para mim, que não adiantava tentar ver além do véu da realidade
apegando-se aos corrimãos que a realidade nos fornece, que ainda viria o tempo,
e neste tempo eu conseguiria ver claramente, não e visões fugazes a realidade
por detrás da solidez desesperadora do mundo.
Percebi então a
verdade por detrás daquelas primeiras palavras, senti, vi em uma visão eu me
reduzindo, e as necessidades que achamos tão necessárias se desfazendo a medida
que a visão se avolumava diante de minha energia. Eu me via em momentos mais
difíceis, mais desprovidos de bens materiais, em tempos em que maiores
dificuldades financeiras pairavam sob minha cabeça, e via o quão conectado eu
estava com o espírito. Sentia que quanto mais as coisas materiais me faltavam
mais eu via realidade por detrás da trama da vida. Quanto mais o homem tem mais
o homem quer, como um buraco sem fundo que suga tudo que está ao seu redor, até
o fim do mundo, é como disse uma amiga, o buraco do homem.
Mas existem
chances para nós. Devemos morrer para o mundo, reduzir as nossas necessidades
perante a solidez do mundo a apenas o necessário para a nossa sobrevivência,
não é uma técnica ascética que preconizo nestas palavras, entendam, é apenas a
redução de nosso vínculo com a realidade, este é um grande não fazer social,
que nos faz iniciar uma jornada pessoal, em que desligamos fio a fio, tomada a
tomada, as redes que nos ligam ao pacto social que mantém a realidade tal e qual
ela é para os nossos olhos.
O pacto social,
como já dito aqui, é o nosso pacto ancestral, em que os antigos de nossa raça
pactuaram a organização do mundo a nossa volta, caótico, entrando na idade da
razão. Neste pacto, os antigos receberam de uma força que veio de outro mundo,
a mente social, que se funda em duas bases sólidas, a coesão e a uniformidade,
dois itens extremamente necessários para organizar o mundo tal qual ele é. A
coesão funda-se no primado da mente, na sua linearidade, sua economia e sua
facilidade em catalogar os itens energéticos e coisificar a energia em itens sólidos.
A uniformidade, seguindo a mesma linha, baseia-se na capacidade de repetição
dos padrões sociais adotados em todas as pessoas, refere-se a capacidade de
absorção da mente social de padrões repetidos e consolidados pela humanidade,
pela mente social da humanidade, ou como dizem os psicólogos, o inconsciente
coletivo. O homem, quando do pacto social, vivia em um mundo caótico, na
vastidão do conhecimento silencioso grupos de homens viviam guiados pelo
nagual. Houve um tempo em que fora necessário este pacto, para a própria
sobrevivência do homem, mas algo a mais veio desta troca simbiótica. Nesta troca,
o homem cedeu parte de sua energia para aquelas criaturas, o homem daquele
tempo tinha uma energia sem fim, e não poderia mensurar as consequências a
longo prazo daquela troca de energia. Depois de gerações desta troca
simbiótica, a mente, a ferramenta da razão, transformou-se de uma ferramenta a
serviço da sobrevivência do homem para o soberano de nosso tempo, de forma que
tudo que temos no mundo que vivemos é um produto da mente, daqueles seres, de
forma a nos deixar cada vez mais em um estado letárgico, um estado de apatia
quanto a predação de nossa energia, um estado de alienação quanto a verdade. Por
eras o mundo sofreu revoluções, em períodos em que o sistema era contestado, e
nestas épocas, a mente e a razão encontraram formas de refazer-se. Com o tempo
o mistério foi sendo abocanhado pelo monstro insaciável da razão, a ciência foi
devorando a magia do mundo, o conhecimento silencioso foi sendo esquecido, e as
revoluções começaram a servir apenas para a manutenção de um sistema que se
renova a cada tempo, um sistema de escravidão, um sistema que reflete em grande
escala o grande inimigo do homem, a importância pessoal, o ego. Hoje temos
países com egos, nações com ego, não nos vemos como iguais, nos vemos como
grupos isolados, cada qual com sua importância, cada qual com sua quimera, a
nos devorar, enquanto elegemos o soberano do mundo, a razão.
Mas podemos nos
desconectar deste pacto social. Não assinamos papéis, não aceitamos esta troca,
não engolimos este remédio, e podemos reivindicar o nosso trono, e relegar a
mente a transformar-se no que é, apenas uma ferramenta, pequena e falha no meio
de nossa caminhada por este mundo. E ai entram os não fazeres, estes que são os
desligamentos dos fios que nos conectam a esta rede que nos deixa imersos no
sono profundo da realidade. Cada não fazer nos desliga do pacto social, um a
um. O que acontece é que o pacto social foi se fortalecendo com o tempo. A cada
guerra, o homem se unia para reerguer a sociedade, e refazia o pacto com mais
artigos. A cada tempo, a cada transformação que o homem sofreu através de
gerações, o pacto, que antes eram apenas algumas linhas, hoje é um livro de
fazeres, de obrigações nas quais estamos imputados, quando não queremos
acordar, são obrigações que nos deixam afundados na realidade, sem a chance
mínima de respirar, sem a chance mínima de nos libertar, se não quisermos.
Reduzir nas
necessidade é começar a apagar o pacto em nossas vidas. Cada vez que você diz
não a algo que o mundo social te impõe, você desconecta um fio que te liga a
trama da vida. São infinitas as possibilidades e isso só nos mostra como são
infinitas as possibilidades de ficarmos presos na teia da realidade. Quando
vemos um iphone na tv, temos duas escolhas, uma é comprá-lo, e outra é abrir
mão dele. Certo, é bacana, tem muitas funcionalidades, mas realmente é
necessário um destes na sua vida? Isso te fará feliz, ou te dará algo por que
lutar? Sei que alguns responderão que sim, e não importa a resposta, se
houverem pensado no fundo de seus corações na pergunta, imaginem, podemos falar
para alguém que uma comida o fará ficar doente, mas a escolha é da pessoa entre
comer ou não.
Desta forma, a
cada não fazer, frisamos ao infinito que não aceitamos o pacto, e aos poucos
vamos morrendo para o mundo social, e como fator consequente, o mundo social
começa a nos deixar partir, deixar caminhar. Cada vez que matamos um de nossos
sonhos sociais, cresce a energia dentro de nós, incrementamos o nosso eu
verdadeiro, e nos livramos da herança ancestral de sermos comida para uma raça
de seres dos confins do universo. Quem tem um carro, e com ele se locomove, não
precisa ficar sempre sonhando com um carro melhor. Assim é para quem tem uma
morada, tem algum lugar onde dormir, todo o excesso é apenas uma complicação
que colocamos para nós mesmos. Na verdade cada um de nós não precisaria muito
mais que duas refeições por dia e um teto para morar, talvez este seja o
mínimo, não sei, mas quem conseguiu chegar neste nível, com toda certeza já
desligou a maioria das tomadas da rede social, e com toda certeza já se sente
mais livre do mundo. Os exemplos práticos são monges, que desde os tempos pré-cristãos
vivem assim, com poucas refeições por dia, sempre doadas, e com algumas peças
de roupa, desta forma, eles passam pelo exercício de ver o mundo como ele
realmente é, livres das maquiagens que deixam o mundo como o vemos. Os budistas
falam que a impermanência é a essência para se entender o mundo de objetos. Um
objeto é sempre ao mesmo tempo o gerador da alegria e da tristeza, quando
queremos o objeto nos deixa tristes, e nos causa dor, quanto temos nos deixa
alegre, e nos causa bem estar, mas o bem estar transforma-se em dor, pois todo
objeto, tudo que temos no mundo é impermanente, de forma que se transformará. O
que é o amor hoje é o sofrimento amanhã, o ser hoje é o não ser amanhã. Mas por
detrás de tudo isso existe algo permanente, algo no nosso interior, a nossa
essência, estar conectado com ela nos traz a alegria permanente, e esse é o
nirvana, pois mesmo com a morte, quem está conectado com seu eu mais profundo,
transcende, e sai dos ciclos de vida e morte.
Desta forma
amigos, volto ao princípio do texto. Apenas quando o homem reduz a sua ligação
com o mundo, quando o homem morre para os desejos, para os amados, para todos,
ele renasce para a verdadeira realidade. Esta é a minha visão atual do texto.
Todos que queremos, no fundo de nosso ser, entender a realidade da vida, temos
que morrer para o que somos, nos desligando pouco a pouco, de tudo e de todos,
até desaparecermos por um tempo, para depois renascer, diferentes, despertos, e
já com o pacto social rompido em nossas vidas, e isso é possível, para cada um
de nós. Não darei aqui respostas, mas deixarei uma pergunta: - Quando que cada
um de nós, que buscamos, abriremos mão do mundo social para ver a verdadeira
realidade que a vida nos apresenta?
Intento.
E mais uma vez a sincronicidade é absurda... kkk..
ResponderExcluirHoje estava conversando com um colega do Caminho sobre o mundo material... Ele comentava sobre a injustiça da distribuição tão desigual dos bens... Tantos com tão pouco e tão poucos com tanto... Depois de relaxar meus nervos - eu enjoo de ouvir esse tipo de coisa na faculdade, em discussões que nunca se aprofundam - disse algo que já sabia em algum lugar da segunda atenção, mas que nunca tinha parado pra formular: "Cara, todas as pessoas que se conectam com esse mundo que você diz, elas compactuam com essa descrição de mundo. Elas mesmas endeusam esses 'poucos' que andam com roupas de grife e carros caros. É a humildade do mendigo. Elas 'abaixam suas cabeças' para essas pessoas, e consideram-nas superiores porque no fundo esperam um dia estar no lugar delas e desejarão que outras pessoas abaixem suas cabeças para elas. Porém, outras pessoas simplesmente não compactuam com essa visão, e simplesmente se desligam disso para viverem em paz. Independente dos bens que possuam. É simplesmente deixar de acreditar que aquele carro te torna mais sexualmente irresistível para qualquer coisa que use saias. Deixar de acreditar que aquela marca de roupas te torna uma pessoa melhor que as que não usam. É se desligar. Não precisamos acreditar."
Sabe, muitas vezes percebo alguns amigos meio filósofos falando sobre esse tipo de coisa... Os intelectuais... Muitos deles conseguem ter uma visão profunda das coisas, porém é triste perceber que eles não dão o 'último passo'. Percebem todo esse jogo, mas simplesmente não se propõem a parar de compactuar com ele. Simplesmente colocam isso como impossível, talvez por comodismo, talvez por pura falta de fé em si mesmo, mas no fundo sempre por auto-piedade. São as infinitas invenções do homem que o tornam escravo de uma rotina que lhe faz mal. Isso está escrito e descrito nos livros de Economia Política desde o séc. XIX. Isso foi planejado e desejado por nações inteiras como 'ideal'.
Não precisamos concordar com ele! Nós temos o poder de negá-lo!
Especialmente com as ferramentas do Caminho, Recapitulações, Impecabilidade, desapego...
Proponho um não-fazer: vamos entrar em nossos centros comerciais favoritos olhar para cada item que geralmente nos sentimos compelidos a comprar e nos perguntar "Isso existia há 5000 anos atrás? Não? Então por que é de repente passamos a precisar disso?!". Alguns companheiros de caminhada têm mta facilidade com isso, outros nem tanta, mas todos nós temos algum ponto fraco nesses assuntos... Iphones, sapatos, livros, ou mesmo alguns tipos inúteis de comida industrial. Que cada um ataque o seu ponto mais fraco.
ResponderExcluirSe formos implacáveis nessa direção, nesse propósito, chegará o dia em que nada nos convencerá a passar 8 horas por dia brincando de robôzinhos de fazer dinheiro...rsrs
Gostaria de compartilhar uma história com vocês a respeito desse tema... Uma vez uma amiga minha me contou da história de um artista que ela conheceu no vão do MASP. Segundo ela, olhando pra ele de relance qualquer pessoa diria que ele é algum assaltante ou mendigo. Num segundo olhar você percebe que ele simplesmente não faz parte do mundo que conhecemos. Ele passava todos os dias pintando quadros e escrevendo poemas, e os vendendo ali. Dizia que não trocava aquela vida por nada. Podia comer de graça se quisesse, podia ir a concertos de graça, ver exposições, filmes... Trabalha quantas horas desejava, quando desejava, o pouco que ganhava da venda dos poemas e telas era suficiente para ele. O que importava para ele era ter contato com cultura e com pessoas interessantes, e naquele estilo de vida ele tinha isso em abundância. Ele disse pra ela que jamais imaginou que pudesse ser tão feliz.
Essa história para mim foi a prova de que no fundo, somos nós que nos escravizamos - MESMO.
Para quem quer relativizar ainda mais as coisas, recomendo super o livro " O Papalágui" que é um livro formado a partir das observações de um cacique nativo da Nova Zelândia sobre a Alemanha recém-industrializada (sim, ele foi até a Europa e depois retornou ao seu povo para alertá-los do perigo que corriam).
Intento!
Hermano Vento
ResponderExcluirfostes fundo mesmo nesse artigo. Sem dúvidas,para imi, um dos misa profundos que já lli´aqui caminhando. O DESAPEGO é o não-fazer que ninguém quer fazer.
Já vivo há muito tempo desligando minhas tomadas com dissestes. Literlamente, desligando as tomadas tanto as me foram conectdas quanto as que posso conectar. Literalamente todas as tomadas da kit onde moro,neste momento estaõ desconectadas, tanto que ceguei ao ponto que não preciso nem de geladeira. Mesmo assim vivo confortavelmente, sem requintes, sem luxo e desprovido de coisas que não tenho necessidade. Vivo uma vida parecida como a que descrevestes no texto. Vivo com frugalidade sempre transformando em não-fazer ao que possilmente possa ser um fazer. Nunca tive um celular. Vejo as pessoas presas a um dos maiores inimgiso que a Humaidade já criou a eletricidade (ondas eletromagneticas) que corroemn nossos neuronios, triando nossa sáude e interferindo em nossos campos eletromagnéticos da evolução. Tudo isso em detrimento do que chamam de progresso. Peogresso não significa evolução neste caso. E assim continuará vivendo a Humanidade até que acorde, caso acordem deste sonho imposto pelos Sombrios.
A palavra de ordem: Desapego. Só assim nos reduzindo nos tornaremos completos gigantes de luz que somos.
Darion 07:50 27/07/2012
In lak ech ala Kin.
Jota
ResponderExcluirfiz o não-fazer de uma maneira diferente. Carlitos adorava queijo e eu sorvete de chocolate(que aliás é antidepressivo). Fui até o mercadinho comprar um potinho de sorvete.Quando cheguei lá tinha domente dois de chocolate. Podia ter pego os dois, porém não o fiz. Conversando com a dona ela falou porque eunaõ levava os dois?
Falei que não era guloso, um bastava. Eis que quase depois de uma semana fui até lá comprar o sorvetinho. Quando cheguei lá a dona falou que não havia feito pedido de sorvete porém incrivelmente o que eu não havia levado ainda estava lá me esperando. Nem ela acreditou como pois o sorvete de chocolate era o que mais saia.
Darion 01/ag/2012