O tigre ancestral e o tigre social - a busca pelo território da liberdade





Quando comecei a narrar essa história, que me surgiu como um presente do infinito, uma borboleta branca começou a rodar em círculos perfeitos acima de minha cabeça, um grande presságio, para uma pequena história de poder.

Todos nascemos livres, dono de um território que carece de explorações, reis e rainhas de nossa totalidade energética, que se divide em vários pontos de nosso ser. Somos reis e rainhas de nosso corpo, mente e energia. Nascemos como tigres exploradores deste nosso ser total. Já dizia Rousseau que todos os homens nascem livres. Nascemos pois assim, mas não nascemos homens. Nascemos energia, somos gerados energias que brotam livres do centro do universo, para entrar na existência da descoberta que chamamos de vida. Nascemos sem grilhões, livres somos gerados, em um ato livre de emoções. Somos, cada um de nós, o ato energético decorrente da doação de energia, durante alguns segundos em que acontece o cataclismo do não pensar, o orgasmo, a pequena morte de todos os sentidos, quando o homem e a mulher tornam-se deuses em seu sentido pleno, e largam todas as amarras de prisão, todos viemos desta sensação, que de tão bela e liberta comove o centro do universo que permite, em reverência ao ato, o brotar de uma nova vida, à imagem e semelhança de quem a invocou.
Pairando pela imensidão escura do universo, o ser invocado faz uma jornada por vidas sem fim, ele começa a aglomerar, de grão em grão energético o que será o seu quinhão do ser. Tece-se a trama cósmica da existência que será finita enquanto durar, um belo tecido ornado por vivências de todos os tipos cósmicos da existência. Está sendo criada uma vida – física, no útero materno e energética, no útero universal. As partes dançam na melodia da liberdade da nova forma que brota, o ser não nasce livre Rousseau, o ser é concebido livre, e livre paira até o seu nascimento. Os momentos inequívocos da liberdade estão ali, entre o conceber, entre o segundo livre de doação dos seres na invocação da nova vida, e o brotar da luz, de dentro do corpo que a faz maturar-se. Ali está o ser vivo que nasce, tigre do próprio território inexplorado que terá uma vida para dominar, e não mais, e não menos.
Nascendo a criatura bela vaga pela consciência infinita na maior parte de seu tempo, é o espaço do sonhar o reino da criatura-homem-tigre. Pairando nas campinas de vários mundos o novo ser sente-se livre. No mundo desperto o corpo é um terreno inteiramente novo a explorar, os limites de seu ser estão ali estampados, algumas grades lhe são impostas logo ao perceber esses tênues limites que o corpo impõe a ele. Mas começa a descobrir que esses limites são quase que infinitos, e não se importa que é prisão, pois sabe, quando ainda jovem, que é temporária a existência, e necessária para as asas totais brotar.
A criança nasce e é então colocada dentro dela um outro tigre. Ali, começa o mundo, os pais, professores, amigos, televisões, os milhares e milhares de professores, que prefiro dizer domesticadores, a criar um outro tigre dentro de um território do ser. A briga por território é assim, sem sentido para quem vê de longe, e vital para quem dela participa. Este tigre, que ao ser colocado na vida do ser, antes livre, lhe começa a querer dividir o território, e aos poucos começa a crescer mais forte que o outro tigre que ali sempre residiu. Alimentado pelos domesticadores, o tigre social começa a tornar-se mais ágil, e afugentar pouco a pouco o tigre espiritual que dentro de cada um existe. Tantas e quantas batalhas são travadas ali. Tolhido a todo tempo, o tigre primordial, por mais que resista, é açoitado a cada instante. Ele não é manso, dócil como o tigre social, ele não aceita grilhões, imposições, limitações, ele quer continuar a correr pelas terras dos sonhos, ele quer explorar cada recôncavo de suas planícies, quer rugir alto na savana, e caçar quando for preciso. Mas a cada dia são colocadas mais cercas naquele mundo que antes era livre, foi livre. O tigre não consegue guerrear, aos poucos definha, começa a sair de cena, esconder-se nas matas densas, na noite escura, até ser esquecido.
Ele preferia ter lutado pela sua liberdade, travado uma batalha como tantas que travou, desde o ato livre de sua concepção, quando dentre bilhões conseguiu ser ele a chegar. Queria ele lembrar de seus parentes todos, de todos os mundos, sem que grilhões fossem presos as suas pernas, para que ele não pudesse mais voar. Sim, ele foi um tigre alado, ele voava também, rugia, dançava, ele era um tigre multicor que até dançava. Mas foi afugentado pelo tigre-gato-social, amansado, dócil, enquadrado. Ele olha aquele que parece ser seu irmão, mas ele vê e se pergunta: - Como um tigre não tem asas, como não pode saltar, voar, grunir, como nem pode ele mergulhar nas profundezas de nosso território? O tigre ancestral então se refugia de vez nas sombras da mais escura noite de seu território, nos lugares mais inatingíveis.
Claro que ele ainda dá seus rugidos pela noite, vez ou outra o outro tigre-social ainda escuta, e fica a tremer em sua cela, presa, abafada, mas confortável. O tigre-ancestral ruge como um lamento, pois uma parte de si alimentou aquele ser estranho que ali foi colocado, alimentado, acorrentado e guardado. Olhando de longe, os olhos brilhantes na noite, o tigre ancestral vê como aquele tigre-social é exatamente igual a tantos outros, e como é adorado por isso por todos. Olhando, vê que a prisão não é só dele, é dos seus pares, cada um acorrentado, vê o lamento triste no que deveria ser o rugido, e olha ao redor, o território que havia sido o seu presente, no momento da concepção lhe dado, ainda inexplorado, intacto.
Assim domesticou-se o tigre interior, ancestral, e assim ele não pode assustar a ninguém mais na sociedade. Espantou-se o tigre ancestral da liberdade, e seguro, por entre grades ficou o tigre social, por muito tempo, por muitas luas, por muitos sóis.
Mas um dia a guerra há de travar-se. Naquele território, um dia o tigre cansa-se de esconder-se e resolve lutar. Assim ele nasceu, de uma luta pela liberdade, de uma invocação da magia, de uma liberdade sem limites, e assim ele prefere morrer. A mente fica suspensa ali, o corpo do tigre, seus músculos todos em ação, tudo ou nada acontecem no espaço de um segundo. Todos os dias durante a noite acontece essa luta, e a cada dia que o homem não escuta o rugido de seu tigre interior, este volta com mais uma derrota, mais uma cicatriz. A cada dia que se relega ao esquecimento o tigre ancestral, o homem definha, e sua história torna-se mais rígida, seu território se reduz, e o tigre ancestral começa a andar mais distante.
No dia da derradeira luta, onde o homem já não mais alimenta o tigre ancestral, este virá cambaleante, mas como guerreiro que é não desistirá. Nesta luta, em uma lua cheia, o tigre ancestral usará toda a força que têm, pois ele não quer abandonar a chance mágica que lhe foi dada, naquele momento mágico da concepção. Ele enxerga o tigre social, que não é amis tigre, é um mostro aberrante, cinza de olhos vermelhos e hálito frio, é um monstro que se tornou tal e qual os seus domesticadores, frio, insensível, e maculou todo o terreno que antes era florido e belo. A derradeira noite será mais escura, apesar da lua, será mais fria, as árvores terão definhado, os portais terão se fechado, os pássaros terão todos morrido, e não haverão mais animais ali, mas apenas o frio concreto, e as grades e grilhões que se tornaram como o próprio demônio tigre social. Cambaleante virá o tigre dourado, para a derradeira noite, e ele tentará por derradeiro o seu território da liberdade. Mas não conseguirá, o demônio o matará, e quando isso acontecer, aquele mundo inteiro ruirá. Cada pedaço do mundo desvaler-se-á junto com o tigre ancestral. Cada resto de concreto, de céu, de terra se acabará. O demônio então lembrará que aquele nunca foi seu território, e sorrirá triunfante, grasnando para a destruição que ali acontece. O corpo então desfalece. O voo que deveria ser mágico não acontece, tudo se desfaz em um passe de mágica e o sonho de liberdade acaba sem sequer ter começado. Mas o tigre ancestral tem uma morte digna, aliviada, ele morreu tentando, lutando, e caçando a liberdade. Antes de perder todos os sentidos, passam pelos olhos dele toda a vida, o velho decrépito na cama no leio de um hospital, cercado de seus entes olha a terra,  e lembra-se como a olhava quando era criança, a criança livre de Rousseau, ele volta a olhar o mundo pelos olhos do tigre ancestral, sente a leveza de ter abandonado o corpo do demônio social, ele sorri, e dá o último suspiro em sincronia com o velho tigre da liberdade. Quando assim é, as assas do tigre não conseguem levantar voo, mas ele ascende aos céus como um brilho de luz, desfazendo-se em cada listra de sua pelagem dourada e preta, mesclando-se com a noite escura e com a energia infinita no céu. Ao virar o próprio universo, ele olha mais uma vez sua vida, e retorna, passo a passo, até  quando era livre, até o seu nascimento, até o ato que lhe gerou na mais plena liberdade. Ele tem mais uma chance de viver, de correr, de rugir, por um breve instante, o tigre é livre mais uma vez.
Todo homem também é livre ao nascer. Só os guerreiros conseguem estender essa liberdade até o infinito, ouvindo e seguindo o seu tigre ancestral. Permita-se a escutá-lo nas madrugadas de sonho, e ele lhe guiará para a liberdade!

Comentários

  1. Saudações! Bela descrição! Obrigada por suas palavras.....Puma Dourado, feliz com essa ancestralidade do Tigre!!! A batalha é árdua,confesso, mas o caminho é florido!! Paz e Bem!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. A batalha é árdua, e a cada dia acontece uma pequena batalha em nosso interior. De um lado o ser social que quer dominar a cena, nos tornando mansos e pacíficos, nos fazendo crer sermos imortais, e protelando as decisões importantes para o amanhã. Do outro lado o ser ancestral, nos fazendo ser caçadores, a buscar o conhecimento, romper as amarras, nos permitir. Devemos sim nos permitir, a cada momento, ouvir os rugidos deste tigre interior, e nos tornar livres, tal qual fomos em nosso nascimento...

      Excluir
  2. Buenos dias Hermanos Guerreros
    O Nagual falou que devemos recobrar nossa agressivivade. Não uma agressividade para com outros nem com ninguém e sim uma agressividade perante o conhecimento. Devemos caçá-lo, espreitá-lo como um animal caça sua presa. Nos tornamos domesticados demais, ficamos esperando que nos dêem as coisa de mãos beijadas.
    Que sincronicidade, também sua tigre no horoscopo chinês e é meu animal de Poder.
    Kawak 07:43 14/10/2103

    ResponderExcluir
  3. Hermanos os toltecas tinham com representação do Tigre, no Jaguar. Tinham veneração por esse animal
    Kawak

    ResponderExcluir
  4. Hermano Kawak, o tigre era o espreitador, a águia o sonhador nas heranças toltecas. Mas o nosso tigre ancestral busca nos despertar para exatamente isso que expressastes, deixando de aceitar todas as amarras, entregando-se por vezes a este espírito indomável, feroz e sábio que todos temos dentro de nós. Não podemos matar a nossa própria natureza, e para lembrar dela, como era pura na liberdade da mais tenra infância, basta nos entregarmos a ser como já fomos, almas libertas. É uma homenagem a ti amigo, sincronicamente é teu animal de poder...

    ResponderExcluir
  5. Escalei a mais alta montanha do mundo
    Para ao grande abismo saltar
    Meu brado de guerra ecoou por mil vales
    Então asas criei para ao Infinito alçar ,
    Voar, e voar
    No mais profundo oceano
    Mergulhei, e mergulhei
    Em abissal região
    Encontrei linda Serena, Sereia
    Acasalamos
    Retornando a superfície
    Em peixe-alado trasmutando
    De novo voei
    para a terra voltar
    Já não sabia o que era
    Pássaro, Peixe ou humano
    Agora nem sei mais ou que sou
    O que sou.
    Kawak 07:57 15/10/2013

    ResponderExcluir
  6. Cientistas japoneses durante 30 anos observaram macacos na ilha de Koshima. Eles introduziram batatas doces em seu ambiente, coisa que os animais desconheciam. Os macacos gostaram do sabor das batatas-doces, mas acharam desagradável a terra que envolvia o alimento.


    Uma fêmea jovem de 18 meses descobriu que poderia resolver o problemalavando as batatas num riacho próximo. Ela ensinou o truque à sua mãe. Seus companheiros também aprenderam essa nova maneira e ensinaram suas respectivas mães. Essa inovação cultural foi gradualmente assimilada por vários macacos, diante dos olhos dos cientistas. Num espaço de 6 anostodos os macacos jovens da ilha aprenderam a lavar as batatas doces para torná-los mais palatáveis.

    Mas somente os adultos que imitaram os filhos aprenderam esseavanço social. Outros adultos continuaram comendo batatas sujas. Não há um número certo de quantos macacos realmente aprenderam tal informação, mas vamos dizer que 99 deles tinham total controle da habilidade, até que um evento inusitado ocorreu.

    A energia adicional do pensamento do centésimo macaco, pulou sobre o mar (eu diria que deu um salto quântico) para outra ilha próxima, longe o suficiente de contato visual ou auditivo de todos. Colônias de macacos de outras ilhas e continentes em Takasakiyama começaram a lavar suas batatas-doces sem que alguém lhes ensinassem como.

    A observação que foi tirada daí foi; quando um certo número crítico atinge a consciência (conhecimento), essa nova consciência pode ser comunicada de mente para mente, essa percepção é captada por quase todos.
    Era essa a MASSA CRITICA a que o Nagual Carlitos se referia.
    Kawak 09:03 16/10/2013

    ResponderExcluir
  7. "Para um guerreiro, ser harmônico é fluir, não deter-se no meio da corrente para
    tentar um espaço de paz artificial e impossível. Ele sabe que pode dar o melhor de si sob
    condições de máxima tensão. Por isso procura seu adversário como o galo de rinha, com
    avidez, com deleite, sabendo que o próximo passo é decisivo. Seu adversário não é seu
    semelhante, mas seus próprios apegos e fraquezas.E seu grande desafio é apertar as
    camadas de sua energia de forma que ela não se expanda quando cessar a vida e assim
    consiga manter a sua consciência”.
    de Encontros com o Nagual
    Kawak 07:54 17/10/2013

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Obrigado por partilhar do intento da transformação global

As mais lidas (se gostas de multidão)

A mariposa, a morte, e o espírito

O fim da linhagem de Don juan, a prisão de Castaneda e o legado das bruxas

As dúvidas na caminhada: entre ser tudo e não ser nada