A descontrução do mundo como caminho





Todos oraram em algum minuto de suas vidas ou o farão em algum momento, pedindo, clamando pela vida Eterna ao criador. Todos acreditaram em algum momento, ou acreditarão, em alguma religião que apregoe a eternidade de algum aspecto de sua personalidade. Isso não representa mais do que o medo ancestral da morte da personalidade, da morte do EU forjado pela sociedade, que assola o mundo em que vivemos.
Estamos inexoravelmente presos a uma ilusão que começou há muito tempo atrás em um pacto antigo, a aliança do homem com os símbolos, com as palavras. A saída do silêncio aconteceu de forma gradual, e ocorreu da mesma forma e medida em que o homem começou a separar-se do mundo natural que o cerca. À medida que a palavra se assomava com maior poder no mundo, à medida que os símbolos que representam a tudo que há aprisionavam o mundo do sentir em uma pequena garrafa – seja essa garrafa de palavras, de pinturas, de representações simbólicas – o mundo começou a reduzir-se.
Houve aquele tempo do silêncio em que tudo era entendível, tudo era uma admiração e contemplação com o mundo, que não se mostrava apartado do Homem. Criador e criatura corriam juntos pelas paragens, era o vento e o Homem um só. Os animais, as plantas, as árvores, tudo era sagrado pois era parte de uma corrente universal que conseguia ser vista, ouvida, sentida e sorvida por cada homem. Os cinco sentidos reinavam absolutos, cada qual em sua hora especial do dia, eram irmãos sem reis, e tudo era igualmente especial no mundo, pois tudo era um eventos maravilhoso de sentir.
Não! Não foi culpa do homem que criou a primeira cerca as prisões e hierarquias do mundo em que vivemos. Não foi culpa tão pouco do sistema de trocas convertido em moeda. Não foi culpa da criação dos Estados Nação ou das línguas diferentes que formaram-se na torre da Babel antiga. Nada disso teria a aptidão de nos apartar tão profundamente do mundo quanto a nossa descoberta maravilhosa da linguagem. A língua apartou o homem do mundo!
A comunicação fez com que cada objeto do mundo tivesse a sua essência guardada em um receptáculo – árvore, pedra, verde, escuro, bom, mal, doce, salgado – tudo começou a aprisionar-se, primeiro em uma linguagem rudimentar, pinturas, e depois em uma sofisticada linguagem, as palavras. Então que tudo começou a especializar-se – árvore, arbor, tree, arbre – garrafas especializadas, que a acada dia dividiam mais o mundo, e separava mais o homem da realidade que o cerca.
E depois apenas que veio todo o resto, a Babel, o dinheiro, as cercas, tudo decorrência deste mundo artificialmente criado, que representou a saída do homem do mundo real – do sentir, do presenciar, do conhecimento silencioso, compartido com toda a criação – para o mundo artificial das palavras.
E então sobrou dentro de si o buraco, o grande buraco que não pode ser enchido nem com todas as palavras do mundo. Nem todos os livros vão explicar isso, porque os livros são apenas setas, marcadores, apontadores que apontam todos aquela realidade que foi deixada à tempos atrás, aquele poder silencioso que residia inerente à todos, à própria condição humana e a tudo que há. Era o entendimento simples e profundo de todas as coisas. Quando um pai ensinava o filho, ele não lhe ditava palavras, um sentido abstrato, ele levava o seu filho para tomar banho de cachoeira, para ver o vento soprar em seu rosto, para sentir o calor do sol. O filho olhava aquelas cenas e via o próprio rosto de Deus, e sem precisar responder ao pai, os dois juntos sabiam ter entendido aquela verdade, não como palavras, como símbolos, pois estes não existiam, e sem o intermédio dos símbolos, havia o conhecimento puro das coisas.
É ai que reside a verdade, no silêncio!
O silêncio é, pois, a desconstrução de todo o mundo que conhecemos. Desconstruir a necessidade dos símbolos todos, e destituir o império visual simbólico, reinar integram em todos os sentidos do ser, e voltar ao império do conhecimento direto. Está ai a raiz que faz ver, saltando as nossas vistas, que o Homem é antagônico com tudo que há. Para os animais todos não há simbolismo, há um sentir direto da fonte, há uma conexão, um elo de ligação com o próprio Espírito Santo que em tudo reside, desta forma, sem o emaranhado das palavras e símbolos, tudo é o sentir puro, então o entendimento é absoluto do universo. As palavras, os símbolos, à medida que aprisionam as coisas, em uma magia baixa e negra, também aprisiona o que as profere. À medida que nos apropriamos de uma árvore, e a simbolizamos como verde, grande, presa ao chão, restringimos as sensações a visuais ou, no máximo, táteis e olfativas abstratamente, sob a ótica pessoal do que descreve, nunca absoluta, sempre relativa. Diferente e libertador é mostrar uma árvore a uma pessoa – olhe, sinta, cheire, lamba, escute – aí sim a libertação dos significados gera a observação silenciosa, e sim, podemos chegar à fonte, à identificação do sagrado em tudo que há, apenas nos despindo das palavras.
Estou a descrever em palavras, tudo que há, tentando desconstruir um mundo simbólico por palavras, e isso é sim um antagonismo, e é propriamente o antagonismo o que rege o nosso mundo, que não deveria chamar-se da razão, mas da simbolização de tudo que há. O que é a razão se não o aprisionamento do mundo em símbolos aceitos por convenções estabelecidas, micro pactos em um macro pacto maior, anterior, que é o de aprisionar tudo que há em garrafas simbólicas. Assim é também os quadros, pinturas, as músicas, aprisionam uma parcela da realidade, aprisionam e pressionam o silêncio das palavras -  este único apto da dar a verdadeira percepção.
E no caminho inverso deste mundo está quem caminha em busca do próprio Deus da criação. Tudo emanou de um silêncio, este é o verdadeiro Deus – o Silêncio. Então veio o falso Deus adorado por todos – o Deus do Verbo. O verbo criou a existência – o verbo é a representação manifesta do pacto social que nos aprisiona, nos aparta, nos antagoniza com tudo que há no universo. O verbo, a comunicação, os símbolos, estes sim, prisões em que não vemos as grades, grilhões que escondem ao seu fundo a verdade. Olhe as grades aqui, quando leem essas palavras, e olhe por detrás disso a verdade – é o espaço em branco entre cada palavra.
O ápice de nossa civilização está assim. O grande Deus do Verbo mostra toda a sua eloquência mostrando uma pseudolibertação por meio das palavras. E nas palavras o mundo pseudosente, falam todos de amor – por palavras, versos, frases, imagens, músicas – mas poucos o têm, isolados todos que são nestes tempos de redes sociais. Em faces, watts, talkies, celulares, todos dizem o amor, mas poucos exercem o amor, pois estão distantes uns dos outros, em bolhas, casas, celulares, prisões de todo o tipo, que prometem liberdade apenas nas palavras e símbolos, mas aprisionam o corpo e o verdadeiro sentir. Aqui está o nosso ápice, mas podemos ainda ir além na escuridão do apartamento (apartamento como lápide de concreto, e como apartar-se do momento). As palavras prendem, confundem, antagonizam-se entre si, e na verdade o que aprisiona (proferindo palavras) é aprisionado pelos significados, esquecendo-se e afastando-se do verdadeiro ser.
Assim o silêncio se distancia e a experiência real se torna vaga lembrança na alma de cada um. Quando olhamos um vídeo de campos e pessoas correndo, isso evoca dentro de nós uma sensação de quando assim fomos. Quando nos falam de Deus, em belas palavras, as palavras inebriam, mas ao mesmo tempo a reflexão sobre Deus nos afasta de sentir Ele em tudo que há. Os símbolos nos prenderam, e está ai a maior prisão. Uma rede infinita de computadores, uma rede infinita de comunicação, e uma rede infinita de pessoas que são apartadas da realidade. Todos conhecem pássaros, cachoeiras, o amor, a paixão, a beleza, mas poucos conseguem vive-las, pois aprisionam–se aos símbolos todos. E nos símbolos formaram-se os rituais, as hierarquias, as divisões. Não há diferenças no sentir. Coloque pessoas todas em uma bela cachoeira, deixe-as absorver-se no silêncio do sentir, e ali todas tornar-se-ão unas com o todo, sem palavras para as apartar.
Assim ainda práticas milenares tentam mostrar o valor de adorar ao antigo Deus do Silêncio, antes da dominação do Deus do Verbo.
Quando vamos voltar ao sentir. Bons dias são dados a todos, mas poucos são os capazes de dar um abraço ao acordar ao que vê na rua. Estranhos se juram amor nas redes, prometem milagres de transformações, mas poucos são capazes de tocar o que está ali, na rua de casa, na casa ao lado, no ponto de ônibus. Passando pelos bancos de shoppings as pessoas conversam entre si apenas pelos celulares, símbolos dentro de símbolos. Não se tocam, mas se cutucam no face, não se abraçam e não curtem o momento silencioso do presente, mas curtem infinitamente postagens e símbolos todos. Uma falsa união se apresenta, mas na verdade é separação, distanciamento, ilusão.
O segredo é apenas um, quanto o Silêncio, e no silêncio retornará ao berço que te gerou. E no silêncio romperão-se as diferenças, e no silêncio as hierarquias cairão. No silêncio não teremos machistas e feministas, de sexistas ou racistas, teremos pessoas que com o tempo ver-se-ão como criação, como parte do sagrado e como tudo que é sagrado. Pois o sentir, o estar, estão umbilicalmente ligados com o silêncio. O rompimento dos símbolos está ligado ao retorno da forma original do homem, e no retorno, no caminho da desconstrução, estaremos chegando próximo da própria criação.
Estamos sim, amigos, caminhando de volta para a nossa casa. E nossa casa não são as palavras, não são os símbolos. Aqui nunca se representará o nosso Deus, mas apenas um reflexo de um mundo de ilusão em que a humanidade se perdeu.
O mundo sempre esteve ali, nos esquecemos, iludidos por símbolos. O rompimento deste mundo representa a nossa libertação. Sejamos livres, esse é o nosso destino, do silêncio viemos e a ele retornaremos, sejamos, pois, como as crianças, que apreciam o mundo por não terem a necessidade de aprisioná-lo nas garrafas dos símbolos.
Desconstruindo o castelo de símbolos, chegaremos à essência do que, no fundo de cada coração, todos buscamos.

Comentários

  1. Buenos dias Hermanos
    já tinha lido o texto várias vezes ,porém não postei nada e fiquei a observar.
    Vi o quanto as pessoas são timidas. No mundo do Guerreiro não há espaço para timidez, respeito sim, timidez não. O guerreiros devem ser destemidos sem serem presunçosos.
    Kawak
    30/09/2014 08:00

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