A encruzilhada no caminho



Enquanto perseguinava-me por dias melhores de alguns, mesmo sabendo que isso de nada adiantava, pensavam na sorte dos que encontraram com o Fausto e negociaram com Mefistófeles a sua vida. Um conto não tão moderno em que o ser humano negocia a sua alma, sua essência em troca do que acha, ou ao que foi tangido a achar ser a verdade, o que traria amor e felicidade.

As escolhas, talvez a parte mais central e nevrálgica de todas as pessoas, de todas as caminhadas nesta Terra. O livre arbítrio e a autonomia da vontade, onde tudo pode ser feito dependendo unicamente da vontade da pessoa que faz os seus próprios desejos. Eu avisei tantas vezes, mesmo antes de ter a coroação do pensamento por verdades energéticas para além dos ditos, que os desejos se tornam prisões, são correntes invisíveis que aprisionam a alma livre, e que se feitos com o intento certo podem ser grilhões eternos, pois diferentemente do pacto antigo que não assinamos, os desejos de cada um são pactos assinados com o próprio sangue.

Assim foi o caminho de dois paradigmas de um passado distante, que hoje eu mesmo contemplava sob a luz da vasta noite e seu manto que me cobria, hora com frio vento da serra, de uma breve nuvem de chuva, hora com o calor causticante da Terra tão castigada por estes dias de sol e aridez neste cerrado duro e belo. São tantos ensinos que a vida pode e nos proporciona a cada momento, basta que cessemos as nossas palavras – as palavras das críticas - e elevemos os olhos e ouvidos da observação, e assim, pedaço a pedaço a vida nos mostra a magia dos arquétipos um tanto quanto simplórios da vida dos sonâmbulos sociais todos que nos cercam.

Percebi duas pessoas muito caras a mim, seus desejos de fuga, a sua falta de entendimento e a prisão que caíram. Por um momento me insurgiu um velho conto dos pactos que as pessoas fazem – a sua alma em troca de riqueza e poder.

Em um primeiro momento as pessoas são levadas a um catálogo de desejos tão rasos e sem sentido que demandam toda uma vida para mostrarem ser algo por que se deve lutar. A socialização, parte que demanda muito tempo pela sociedade, pais, mestres, escolas, estruturas sociais todas, demanda que temos desejos que devem ser colocados no lugar central de nossas buscas. São simples de serem percebidos, aos homens um bom emprego, uma vida estável, um belo carro, uma bela casa, uma posição social de respeito, tudo para adquirir bens vazios para sustentar esta vida vazia que vendem como a melhor.

Para as mulheres pior ainda, os sonhos iniciam-se com os príncipes encantados, com as histórias de amor eterno (como se amor entre dois não profanasse o único amor existente, por todos...). Essas mulheres são treinadas a se verem, socialmente falando, como objetos de sentimento, de puro amor, que servem como acessórios aos homens, este sim, o sustentáculo social. Para as mulheres, repetem incessantemente: o sentimento é seu melhor lado, um homem que a ame e lhe dê filhos, o instinto materno sobrepuja a tudo mais, então procrie e cuide de seus filhos, e seja o sentimento de uma célula de reprodução social.

Por sonhos vazios as pessoas vendem as suas almas, fazem pactos com desejos profundos projetados em coisas vazias. Uma vida de desejo por uma casa bonita, por um belo carro, por eletrônicos e brinquedos de grande valor, por coisas sem sentido e sem essência, como a juventude eterna da aparência, pela superficialidade de um respeito e reconhecimento social.

Uma árvore resplendorosa, como aqueles bonsais de plástico, que vistos ao longe parecem belos, mas que de perto são vazios e mal acabados, sem vida, sem essência, mortos, estagnados em uma figura reproduzida mad in china, por milhares de mãos de forma igual.

E assim os arquétipos de nosso tempo se reduzem, por escolhas próprias daqueles que utilizaram o livre arbítrio, a autonomia da vontade, nem tão livre, aprisionada em um processo profundo e lento que gradualmente implanta sonhos na busca da barganha final.

Cada vez que uma criança fala que quer ser médico, professor, policial, advogado, ela é condicionada ao que conseguirá fazer com a sua profissão, e todas se resumem a um sucesso apenas: status social e estabilidade econômica.

Estes dois últimos objetivos são aqueles pelos quais as pessoas entregam as suas almas, tornam-se mortos vivos a andar pelas cidades, criando e reproduzindo em suas profissões da mesma forma as lições de outrora. O médico que quer apenas status e dinheiro a cura não importa, vira apenas um comerciante de status, um vendedor de produtos vazios, um boticário de empresas multinacionais que vendem doenças para perpetrar a necessidade de médicos e remédios, em um ciclo de redução das capacidades de cada pessoa. O médico é apenas uma casca vazia sem sonhos, tendo entregado a sua alma, tentando enchê-la com dinheiro, mas este nunca a completará.

Assim é o professor, aquele que reproduz um sistema não de libertação mas de opressão. Repetidor de velhos dogmas, reduzido pela opressão social, torna-se um dos círculos herméticos do saber que na verdade é apenas o requentamento de velhas fórmulas,  o sonho de ser opressor é vendido ao oprimido, que por meio deste sonho segue a sua vida, rogando por ter a oportunidade de vender a própria alma pelos desejos que lhe foram implantados.

O policial não é mais o guardião da cidade de outrora, é o guardião do poder, aquele que o enfrenta deve desaparecer, é o cão de guardas do poder, oprime os traços da rebeldia e afoga a resistência, forçando a quem quer se rebelar que só lhe sobre a tristeza por não ter vendido a alma, aqueles ali jogados nas celas e cadeias todas, aqueles que não tiveram preço por tua alma e sonhos, são aos poucos sugados e arrebanhados para o papel de criar o medo social, reflexo de todo o medo e dor que lhes são expostos à medida que sua alma é arrancada.

O advogado vende sonhos, este mercados faz o papel de iludir dizendo que todo este sistema é real, e que o homem é só um grão que deve servir à edificação de uma sociedade, que deve adequar-se ao controle social, a este sistema que, mentido diz, ser o melhor para todos. O advogado mente com tom de acreditar, que o sistema volta-se para o bem de todos, promete um preço justo pela alma dos que ainda querem lutar, e depois suga o resto de liberdade e resistência levando o inocente aos corredores sem fim das burocracias do estado. Com fórmulas mágicas de latim, com belas vestes, ilude o ignóbil ser a entregar o quinhão que lhe resta à crença na existência de uma justiça, este mente a todo tempo dizendo ser a justiça o direito, sendo pois a justiça as palavras herméticas e desconhecidas ao cliente tolo.

Assim os condicionamentos são arquitetados e a pessoa se vende, se vende barato, todos os preços são baratos: não importa o quão grande é a mansão, a conta bancária, o status social ou político, o preço é baixo demais!

Cada um deste apenas no fim da vida saberá. Vendo o vazio de sua alma vendida apenas a aumentar, saberá um dia que nada mais preencherá o seu ser, as buscas cessarão quando o corpo não tiver mais tempo de lutar, e verá que não estará satisfazendo ao seu ser e sim a um sistema que se retroalimenta e finge que as pessoas tinham autonomia para decidir.

A decisão é o início e o fim de tudo.

Apenas no leito de morte a pessoa decide partir, sabe não ter mais como voltar, sabe tudo que perdeu. Nos leitos de hospital, pessoas com doenças terminais próximas de suas mortes sabem, a maioria sabe, perderam toda a vida com buscas vãs, sem sentido, venderam o melhor de si e mesmo os que tem tudo que socialmente era prometido, terão a mesma morte miserável sem as suas almas, sem a sua essência, pois a entregaram, venderam, com o desejo criado e uma vontade fraca decidiram na primeira encruzilhada o seu fim, e foram a cada passo desejando a morte para lhes abrandar o fardo.

Às vezes o Espírito ainda lhes falava, olhavam ao seu redor e não viam sentido nas coisas. Olhavam estranhos aos seus lados, pessoas que juravam que amavam, mas era só convenção. Olhando no espelho veem um estranho, nos sonhos a perdição. Não tem conta bancária que possa acalentar a grande perda de toda uma vida. E apesar das promessas vazias, no segundo antes de partir, sabem que esta era a única chance de todas, e que tudo acabou...

Aquelas pessoas que vi venderam a vida, e eu mesmo passei perto de vender a minha própria. Alguns tem sorte de terem medo o suficiente para não barganhar, de serem indecisos o suficiente para desejar, e assim caminham observando. Algo sempre me dizia isso, e tudo que nos é dito é feito por exemplos as nossas voltas. Temos a chance de ver o destino torpe de nossos pais, de nossos irmãos, amigos, todos se afundando e se separando daquela essência que ainda mantemos nos primeiros anos de nossas vidas. Basta olhar para trás e tudo ficará claro, basta olhar para os lados e lembraremos. Ainda temos a autonomia da vontade, a livre escolha, mas não somos livres para entender antes de decidir...

A dúvida talvez seja o melhor caminho, duvidar até o fim e a cautela, sempre ter cautela antes de decidir. Uma palavra pode ser eterna e cada passos pode ser o passo em uma encruzilhada sem volta.

Estas pessoas perderam a sua vida, vejo os ciclos se fazendo, vejo claramente, e depois de entrar nestes ciclo, lamento dizer, não há, sem a ajuda da morte, como deles escapar.

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