Um portal aberto para o infinito



É libertador sonhar, não tenho dúvidas, é como se respirássemos o ar da liberdade por entre os mergulhos nesta falsa realidade, um privilégio que depende única e exclusivamente de nossa capacidade energética, de nossa disposição de ir além das convenções e de abdicar de certas coisas que para o mundo social são tidas como fundamentais. Abdicar, resistir, lutar – são todos verbos operativos do guerreiro que quer respirar estes ares. Para quem conheceu, sabe do que estou falando, para quem nunca conheceu, estas histórias de poder que narramos, como guerreiros que tiveram a chance de conhecer estes mundos, isto serve como um norte para as próprias jornadas que um dia farão, luminárias no caminho...

Este noite tive uma destas possibilidades. Sonhei que estava em uma cidade, uma pequena cidade, com um grupo específico de pessoas, entre familiares e pessoas desconhecidas.

Enquanto jantava em uma casa estranha, comecei a perceber que não conseguia comer, não conseguia digerir alimentos, sequer conseguia colocar a colher na boca. As pessoas ao meu redor não percebiam, então comecei a sentir um comichão na região de meu estômago e algo em meu conjunto energético, como em um lampejo de consciência percebi que estava em um sonho, um sonho intenso onde logo surgiu uma emergência. Estávamos naquele lugar como comida para um tipo específico de energia que queria nos sugar.

Rapidamente juntei todas as pessoas que ali estavam e corri para um automóvel, sentia que tinha a chance de chegar a um determinado lugar, mas não sabia ainda precisar onde seria. A casa em que estávamos era bela, uma casa igual a todas as outras, eu sentia que ali eram depositados sonhadores para que a sua energia fosse retirada com dramas pessoais reproduzidos de cenas familiares, dramas emocionais, eu não queria nem pretendia doar a minha preciosa energia naquela noite.

Então sai com um carro por avenidas, eu era guiado com uma precisão incrível para algum lugar que eu não sabia onde era. Às vezes a dúvida me assaltava quando eu sentia prontamente um arrepio na barriga, como aquilo que sentimos quando descemos em uma montanha russa, e então eu sabia onde estava o caminho. Passamos por muitas ruas, em um labirinto de uma cidade que eu sabia ser um depósito de sonhar, um porão como se fosse o inconsciente coletivo, ali se agrupavam todos os medos, receios, tudo que era lixo social que ali se postava, em uma cidade que eu poderia chamar de “a cozinha dos predadores”.

Esses predadores estavam nos observando, algumas pessoas do carro mudaram e outras sumiram com o tempo, era interessante, depois percebi que um velho, um velho e querido amigo estava no banco do passageiro sorrindo, ele dizia que eu estava indo na direção correta, mas que não sabia me explicar e que eu não deveria perder tempo sabendo como sabia.

Seguimos em silêncio até que cheguei a uma rua sem fim, o chão na frente era de um tipo de papelão estranho, que flutuava em um abismo de coisas sem sentido, não seria possível, racionalmente, um carro passar por ali. Mas quem disse que a razão era bem vinda naquele mundo?

Senti com toda a minha força que deveria caminhar por aquela trilha estranha, as pessoas no banco de trás não acreditavam em mim, uma mulher chorava com medo, quase a reconheci, mas não quis me concentrar naquilo, gostava mais de meu senso de coragem e conhecimento do que fazer, assim o fiz.

Acelerei o carro e o velho do meu lado sorriu abertamente como se satisfeito com minha decisão, o carro pulou e caiu encima daquela trilha, e seguimos tranquilamente pelo fim daquele mundo, daquela cozinha dos inorgânicos. Ali a energia era mais tranquila, eu sentia que estávamos libertos, mas as pessoas do banco de traz ainda não acreditavam e choravam.

Elas pediam para que voltássemos então eu disse que só morrendo voltaríamos ali. Eu estava falando sério, ali no sonhar poderíamos morrer, mas o que morreria seria a minha consciência de estar desperto no sonhar, naquele local eu nem ninguém morreria fisicamente, eu senti que apenas perderia a sensação de que estava sonhando e seria englobado pela inconsciência e voltaria as velhas questões sociais daquela cidade-cozinha em que a energia de tantas pessoas era sugada. Eu não admitiria isso, o velho concordava comigo, ele estava eufórico com isso. Disse: - vamos morrer pessoal? e todos choravam enquanto ele sorria aos baldes. Eu estava resolvido, seguiria até onde deveria ir.

Cheguei então em uma beira de uma montanha. Era como um mirante no qual se podia ver um vale de uma grande floresta abaixo. Como era noite eu conseguia identificar sem precisão a mata. Eu via o céu maravilhoso sobre nossas cabeças. Naquele lugar existia uma grande construção de pedra sobre a montanha, como uma construção Maia, eu sentia isso por algum motivo.

O velho me disse que aquele ponto era um antigo observatório dos céus, de onde os antigos retiravam os recados das estrelas para a nossa civilização. Ele disse que era um segredo antigo que tinha começado a se revelar por meio de observação e curiosidade – dois dos mais importantes requisitos de um guerreiro.

As pessoas foram para dentro daquela construção e então eu senti um bloco de instrução me invadindo, enquanto eu deitava em uma rocha ao lado do velho observando o céu. Foi a cena mais bela que já vi em toda a minha vida, a coisa mais linda de se admirar, e a visão me narrou mais ou menos o que vou descrever:

Os antigos sábios tinham também hábitos sociais, hábitos que estavam incrustrados em seu modo de vida e compunham a sociedade e seu modelo de atuação.

Hoje as pessoas encontram-se para, durante a noite, assistir a uma coisa morta, a Televisão, o celular e o computador. Ali buscam informações e conhecimento, mas tudo que podem encontrar ali é vazio e sem razão de ser, amenidades para pessoas vazias, eco de um coração sem vida. Procuram ali amor, tesão, emoção, quando tudo isso deveria compor as suas vidas.

Nos tempos antigos juntávamos da mesma forma para ver histórias das mais diversas em uma tela muito mais ampla: o céu.

Olhávamos para o céu curiosos com aqueles pontos de luz distantes. Durante noites traçávamos e percebíamos o movimento das estrelas todas por nossas cabeças, e tendo avançado nas técnicas da contemplação do céu, começamos a ver um mundo de conhecimento se abrir para cada uma das pessoas que praticavam esta forma de conhecimento antigo.

As estrelas se abriam para nós, mostravam histórias, nos levavam a conhecer mundos e povos de diversos planos e tempos. As estrelas ganham vida quando contempladas e levam nosso corpo energético para viagens que transcendem a nossa compreensão, eram pontes colocadas ali para nos guiar em nossa jornada.

Todo povo antigo foi guiado pelas estrelas em tudo que faziam. Eram ditadas as estações, as mudanças aqui, as alterações de gerações, as transformações que aconteceriam, grandes videntes conseguiram prever gerações futuras com muita precisão, fins de linhagens e até o tempo em que o homem esqueceria o céu.

Um dia vieram alguns seres das estrelas, eram sete, cada um deles trouxe um conhecimento específico, e cada um deles trouxe uma chave para conexão com o seu mundo, eram as sete ervas sagradas, cada uma levada a um povo, cada uma com a possibilidade de abrir as portas dos segredos dos céus.

Cada uma foi entregue juntamente ao conhecimento de uma das raças originárias, um dos povos originários, eram as ervas hoje conhecidas por: maconha, Sálvia, peiote, os cogumelos (de todas espécies), o ópio (a papoula), a ayahuasca (duas plantas) e a datura (erva do diabo).

Segundo vi as plantas treinavam o corpo sonhador, quando a pessoa estava desperta, para encontrar o caminho das estrelas para determinados mundos especiais, mundos inteiros de conhecimento que depois poderiam ser acessados sozinhos pelo explorador quando este obtivesse o controle do corpo sonhador.

Este lugar aqui, em que hoje você está sonhando, era um lugar onde os povos antigos se encontravam em sonho para verificar o bailar das estrelas.

Olhe para cima e veja.



Olhei par ao céu e comecei a ver a coisa mais magnífica que já vi em um sonho. Era a constelação de Órion, eu tinha certeza, e uma estrela muito forte começava a brilhar, eu concentrava-me nela e ao redor dela várias estrelas começavam a se mover até que formavam um cinturão na forma de uma lemniscata, um oito deitado em que o centro era aquela estrela. Na hora senti que aquele era o caminho para a liberdade, me explodiu uma visão da cidade branca, o domo dos naguais senti que aquele era o caminho, aquela estrela, aquela constelação. Senti uma onda de energia e vi que alguns povos foram inteiro para aquele mundo caminhando por aquelas linhas do infinito, guiados pela consciência que tinham do sonhar e aquele mundo de possibilidades. Aquela era a porta para o infinito, eu estava certo daquilo naquele momento.

Senti-me extasiado, meu corpo estava dormente e me senti puxado por aquela estrela. O velho me sacudiu e disse para eu me concentrar na mágica dos antigos, e como eles viam o céu.

Olhei para outros quadrantes do céu, quando fixava a minha visão algo se abria, o próprio céu se abria para mim, e vi que os antigos não imaginavam desenhos das constelações, eles viam estes desenhos feito por elas, e todas tinham um sentido próprio. Cada lugar, cada quadrante as estrelas bailavam e se abria um portal de desenhos e mundos onde cada característica de uma pessoa poderia ser exercitada, cada animal de poder, cada arquétipo que hoje conhecemos. Vi uma grande constelação que era a Ursa Maior, e percebi que era uma grande característica de minha energia e que eu poderia ir aquele mundo, como já fui, com muita facilidade. Vi tantos animais, tantos portais, tantos mundos e percebi a complexidade dos povos antigos e o que deixamos por esquecer em nosso passado.

Olhei para o velho, eu estava cheio de energia, transbordando em poder, mas eu queria muito chorar, abraçar ele, agradecer. Quando comecei a sentir isso ele deu um pulo e me afastou, apontou para dentro da construção e me mostrou. Vi as pessoas que estavam no banco de trás do carro e ele me falou algo assim:

 - Olha a carga que levamos em nossas vidas. Olhe o peso. Aquelas pessoas miseráveis estão chorando e sequer sabem onde estamos, nas bordas do mundo, na antessala do infinito, prontos para partir. Foram tiradas do pasto, da ordenha, mas ainda choram. Não seja assim, não carregue pesos desnecessários e nem tenha companhias que não lhe ajudarão em nada. Olhe para aquilo e lembre: é você na maioria das noites naquela situação ridícula e caótica.

Senti um peso tão grande em minha barriga, comecei a rodar como quando tonteamos em um desmaio. Tudo rodava, eu ouvi apenas a risada do velho e ele falou: você morreu, mas faça desta morte a possibilidade de um renascimento.

Então acordei...




Comentários

  1. Sinto como se fosse para mim: ..."é você na maioria das noites naquela situação ridícula e caótica...mas faça desta morte a possibilidade de um renascimento..." Minha gratidão!

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  2. Na cidade do México, entre as antigas pirâmides de Teotihuacan existe um corredor, chamado avenida dos sonhadores. Dizem que durante a noite, os sonhadores passam em seus corpos sonhadores por aquela imensa avenida. Um portal.

    Achei interessante essa representação sua neste sonho, essa morte-vida-morte- renascimento, na qual as pessoas ali são meramente a representação de tudo que somos e que carregamos.

    Que presente poder renascer nas estrelas. Que presente renascer no infinito.
    Interessante que quando li o texto a primeira vez (na verdade, quando li a primeira vez acho que na verdade, nada li) não tinha observado o sinal do infinito ali.
    Deve ser esse o sinal do caminho do guerreiro, talvez...



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