Retornando ao começo reconhece-se o fim
O caminho do retorno é o caminho da recapitulação, mas é importante refletir sobre a direção do retorno. Voltar pelos caminhos já trilhados, recuperando os fragmentos deixados no passado, e devolvendo o que não é nosso, é o objetivo da caminhada, o objetivo aparente apenas, no entanto, e não o objetivo central.
Devemos, pois, caminhar em direção ao abismo do ser, o abismo que nos abre, o abismo que nos reflete, o abismo vazio e infinito de onde começamos a nossa caminhada, antes de todos os nomes, antes de toda definição, antes da confortável roupa primeira, desnudando-nos por completo.
O retorno é tão somente uma jornada de desvelamento de todos os eventos que precederam o estar, e demanda, pois, um estar completo, uma presença consciente firmada como ponto de partida, e sempre mutável a cada jornada realizada. Ao mirar o passado vemos apenas um único caminho, e um fim que sabemos precisar, o fim da caminhada de retorno é o começo da caminhada que nos trouxe ao presente, o ponto em que a cabeça da serpente morte o próprio rabo, Oroboros, o infinito que precisa ser desentrelaçado, desatado, o nó primeiro que precisa ser desfeito para nos permitir a então compreensão.
Retornamos, pois, para ver a nossa própria face original, a nossa face primeira, lapidada pela dádiva da vida, antes do primeiro choro, depois da apartação com o útero primeiro, um ponto infinitesimal de existência do nada original.
Este é o objetivo real da caminhada de retorno da recapitulação, do regresso, a travessia pelas travessias todas realizadas até o ponto presente consciente, em que se nos tornamos despertos e nos questionamos, existencialmente, sobre quem realmente somos, e sobre quem só podemos saber se regressarmos, passo a passo, até o começo, até a origem de tudo, de tudo que nos é, de nossa própria existência.
O caminho de volta é a metodologia daquele que quer ver a sua verdadeira face, esquecida ao longo do tempo, perdida por entre os caminhos, soterrada por entre camadas e mais camadas colocadas uma a uma desde o nome primeiro, após o primeiro choro, a primeira respiração depois do a primeira libertação, breve e efêmera libertação.
Antevejo, pois, o ponto final. Vocês podem também antever. É o abismo, como disse, como todos sabemos. O abismo escuro que fomos no princípio, para onde voltaremos no fim. Não podemos chegar no fim, não podemos antevê-lo, não agora, pois não é hoje o nosso dia, mas podemos voltar ao princípio, de onde tudo começou.
E quem não quer ver a verdadeira face? Quem não quer conhecer o verdadeiro ser, despido, desnudo, desvelado, sem o abraço de Maia?
É catártico, revelador, o momento em que lágrimas escorrerão do rosto desnudo, no crepúsculo do ser, quando desatam-se todos os nós e, mirando naquele infinito à frente, no vazio total desvelado, encontra-se aquele do princípio, aquele que será no fim, o eterno que habita dentro de cada um de nós.
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