O estreito caminho da libertação






Se simplesmente olhássemos o céu com o coração aberto, veríamos o quanto é mais complexa a nossa existência do que a simples vida que levamos aqui nesta bela esfera. Contemplando o infinito penso na semelhança que temos entre o micro e o macrocosmo. De um lado, do lado de fora, a nossa mãe geradora, a nossa matriz energética a Terra. Cercados por ela, vivemos em um mundo cercados, protegidos do universo mas distante de todas as maravilhas que por lá existem. Cercados, não entendemos que a fase que aqui estamos é apenas uma passagem, uma cômoda e bela passagem protegidos por esta energia que é a nossa mãe. Acomodados, nos deixamos pensar que a nossa existência no universo se resume apenas ao mundo daqui, que não existe nada além. Com essa pequena visão nos afundamos em acreditar que tudo que aqui construímos é o suficiente para a nossa existência e corroboramos com esse sentimento acreditando incessantemente na imortalidade de nosso ego, na imortalidade de nossa persona, que partiremos como aqui somos para uma jornada no além, sem saber que na verdade, a partida nos dissolverá e nos descaracterizará como pessoas, nos tornando apenas a ínfima parte de um todo universal e vasto que compreende muito além de nossas mais inconcebíveis ilusões sobre o universo.

No nosso microcosmo somos iguais. Somos uma porção de energia presa, confinada temporariamente em um ovo de luz, em uma atmosfera respirável e protegida de energia que nos abraça a espera do amadurecimento interior. Olhamos o mundo a distância, bem como olhamos o universo, presos, confinados e protegidos sem saber que o destino mágico preconizado ao homem é a libertação desta forma, é a libertação para o infinito que nos cerca, para o universo inconcebível de união do micro e do macrocosmo humano, nos somando ao próprio universo.

Sonhamos o sonho de libertação, a cada noite, a cada dia, a cada resquício de imaginação que cultivamos em nosso sentir. Sonhamos cavalgar nas nuvens, saltar por entre os raios, voar com o vento, e nem lembramos que assim o fazemos porque somos irmãos, somos iguais, com a diferença que estamos homens, estamos presos, estamos amadurecendo para a libertação. Crescemos vendo os sonhos serem afundados na incompletude de não saber para onde vamos, esquecemos a liberdade, abraçamos a materialidade. Abraçamos e somos abraçados pelo ilusório mundo, pelo mundo ordinário, o mundo de todo dia, o mundo de todo mundo. Abraçados sentimos o calor falso que nos finge aquecer mas nos desbota, nos afasta dos sonhos, da imaginação, nos corta as asas, nos cega os olhos, nos apaga o brilho de ser energia. 

Materializados no mundo de nossa criação entramos no círculo infinito da não libertação, o mundo nos nutre com ilusão, nos nutrimos a ilusão com energia, o mundo assim o é, para cada um de nós e para todos nós, porque assim o intentamos, assim o alimentamos. Nesse ciclo constante nos alienamos.

Escravizados pelo que desejamos, desejosos somos. Desejosos sentimos a constante dor do verbo ter, poder, querer. E querendo sofremos, e sofrendo esquecemos. Tudo que pensamos é ter tudo no mundo, tudo que na verdade não precisamos, tudo que nunca saciará a sede de algo perdido, pois o que julgamos perdido está apenas esquecido. Sede de poder, sede de ter uma sede cada vez maior que se torna ao fim o império do esquecer.

Quanto mais ganhamos no mundo, quanto mais alto subimos nas pilhas de dinheiro, mas distantes ficamos da maturidade energética do nosso ser. Olhamos para os guetos escuros, para os que por um prato de comida lutam, mas ali, jogados naquele canto, relegados a fome e ao esquecimento do mundo estão os que conseguem ver o espírito, por pequeno lapso de tempo, por brechas em suas entranhas ressecadas pela fome e pelo esquecimento do mundo. Ali naqueles que vagam pelas ruas, errantes, quase ascetas por obrigação, a loucura que nos parece os aquece, enquanto loucos os taxamos são debravadores de universos inteiros. Por instantes são reis, rainhas, guerreiros, andam por nebulosas, constelações, visitam entes antigos, descobrem segredos do universo, logo esquecidos em sua ressequida mente despersa, afogada pela constante fome, pelo cortante frio.

Não existem caminhos que são extremos na nossa vida, aqui de dentro desse corpo, vestido pela carne mortal existe uma imortal energia que não tem nada de diferente ou especial, é como toda energia que existe no universo, que existiu. Protegido pelo ovo de luz, confortáveis em nosso manto da realidade, atrofiamos a nossas capacidades, uns pela ilusão do mundo, outros pela sua delusão, nunca absortos na realidade. Gerações que aqui passaram e que aqui passarão viverão assim nos extremos da vida. Nascimento completo e procurando dilascerar a nossa chance mágica pelos caminhos da vida. Igualmente sem sorte, se força sem norte caminham o rico empresário e o andarilho em frangalhos. Um em busca do que não existe, outro na busca de mundos que a sua imatura energia ainda não permite.

Só o caminho do meio pode ser preconizado como o caminho da libertação. A consciência total em sua energia, na ilusória realidade do mundo, da consciência do corpo como impermanente e temporário. Consciente caminha o guerreiro, alimentando-se na medida para a sua saúde corporal, livre da escravidão dos desejos, livre da ilusão dos sentidos. Consciente segue caminhando, depois de desperto para a ilusão retorna ao caminho da libertação, margeado pelos extremos da ilusão e da segunda atenção permeia-se do controle total de seu ser, passo a passo, bocado a bocado. Controla seu corpo, sua matéria pesada da energia, sua respiração, seus sentidos, seus sonhos, suas necessidades, percebe então a sua energia, seu ovo de luz, e em sua casca uma pequena brecha, e por entre ela ele vê a luz brilhante de sua libertação.

Da fenda de luz ele consegue compreender o mundo, vendo o que ele vê como ilusão ele sente a verdade de todas as coisas, entende assim o mundo com sua energia e entendendo amadurece a sua compreensão. Nessa jornada ele entende o que realmente precisa, a jornada dessa vida, a necessidade de aguardar, de esperar, de entrar e sair do mundo sem se entregar nem a ilusão do mundo, a primeira atenção, nem a ilusão dos infinitos mundos a segunda atenção. Entende então existir uma terceira opção, mais um caminho do meio no rumo da libertação. Sabe que não conseguirá explicar o que seria a libertação, mas entendeu, no caminho de toda uma vida, o que é esperar, o que é aguardar, e pelo que deve aguardar. No fim, que será apenas um começo, o guerreiro verá apenas uma coisa, dentre todas as outras, a maravilha imensurável da libertação.

Comentários

  1. Sonhamos o sonho de libertação, a cada noite, a cada dia, a cada resquício de imaginação que cultivamos em nosso sentir.
    Lindo texto cara!
    José Nonato

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