CHUANG TZU (CHOU): O Poeta da Liberdade

 

 Acho importante compartilhar, muito além das visões pessoais, das experiências que vivo, os textos que muitas vezes, por alguma artimanha do espírito caem em minhas mãos e me fazem refletir, pensar. Não escondo que gosto bastante de toda filosofia oriental, a sua forma de lidar com a morte, com a impermanência e com a ilusão que é este mundo. Sendo assim, abro caminho em meio aos meus escritos e transcrevo para os companheiros que neste pedaço ínfimo do infinito compartilham de minutos de leitura, e do intento da transformação global.

Em tempo, reitero uma conversa que tive com minha esposa, onde ela falou da necessidade das religiões se adaptarem aos novos tempos, porque, segundo a sua visão, o mundo mudou e as coisas tem que mudar. Refleti muito acerca deste pensamento e vi que é uma grande ilusão pensar que algo mudou. Se existe religião é, na essência da palavra para religar alguém a algo, no caso os seres humanos, nós a fonte de tudo, independente do nome que se queira dar. A esta tarefa  me curvo, pois ela deve existir, não importa se vinda de dentro ou motivada de fora, contudo, pensar que o mundo mudou, acredito eu, é ilusão. Somos os mesmos homens de sempre, nesta era moderna que conta a nossa história, somos e temos as mesmas falhas, percorremos os mesmos caminho para chegar nos mesmos lugares. Leio a prédica de Buda e vejo que tudo se encaixa como no tempo de sua permanência entre os nossos antepassados.

Então penso, o que mudou? Mudou apenas a maquiagem que pinta o mundo que nós vemos. Mudou a forma da ignorância do homem, mas não a ignorância, mudaram as formas de troca, surgiu o dinheiro, mas tudo continua exatamente igual. O homem continua o homem. A Terra é a mesma. A ignorância nos consome e a ilusão nos devora toda a nossa vida. Nada mudou nestes tempos que se passaram, mas um dia, penso eu, vai mudar, se não para o mundo, pelo menos para alguns homens que tenham coragem de tentar. Bem, vamos aos textos e veremos se algo mudou, ou se as impressionantes palavras de Chuang Tzu não são mais atuais que nunca se adaptando a realidade de nossos dias e de nossa caminhada de guerreiros.

Intento e boa leitura a todos.

 

Chuang Tzu (Chou) (369-286 a.C.), o maior expoente da filosofia Taoísta chinesa, sempre se constituiu num fascínio para todos aqueles que lhe fazem o contato por meio de seus escritos. Seu estilo brilhante e cativante; sua visão ampla e profunda das coisas, na qual os produtos da sua imaginação fértil mesclam-se indistinguivelmente às suas observações da vida diária; sua sutil ironia e senso de humor; a riqueza e frescura das suas imagens; sua seriedade e devoção à verdade —, estes são alguns dos ingredientes verdadeiramente inspiradores e mentalmente estimulantes. Nas palavras de Wing-Tsit Chan, ele parece transcender o universo mundano e, no entanto, está sempre presente na própria profundeza da vida diária. Tudo isto é um produto direto da sua concepção da Natureza. Para ele, Natureza é, a um mesmo tempo, espontaneidade e um estado de fluxo constante e transformação incessante, na qual não há distinção entre sujeito e objeto, entre realidade e irrealidade. A morte, por isso mesmo, é encarada não como o findar mas como parte do processo vital e uma das suas transformações: "Vida e morte são devidas ao fado e sua constante sucessão qual dia e noite é devida à Natureza, estando além da interferência do homem[…] Considerar a vida como boa é a maneira de encarar a morte como boa". Seu objetivo é a absoluta emancipação espiritual e paz, a serem alcançados por meio do conhecimento da capacidade e limitações da sua própria natureza, alimentando-a e adaptando-a ao processo universal de transformação[…] O homem puro torna-se um "companheiro" da Natureza e não tenta nela interferir impondo-lhe as maneiras do homem.1

Nas suas próprias palavras: "Sozinho ele se associa aos Céus e Terra e espírito, sem abandonar ou desprezar as coisas do mundo[…] Com relação ao essencial, ele é amplo e abarcante, profundo e irrestrito. Com relação ao fundamental, ele poderá ser considerado como tendo harmonizado todas as coisas e penetrado o mais alto nível[…]"2 Seu impacto sobre o Budismo chinês foi tremendo, especialmente no desenvolvimento da Escola Ch'an (Zen), assim como nas Artes (pintura) e Letras (chinesas), com desdobramentos benéficos nos séculos subseqüentes à sua época.
Os dois textos que apresentamos a seguir, são dos mais apreciados dentre os seus escritos e eloqüentes testemunhos de sua visão de vida.

* * *
a) A Igualdade da Vida e da Morte.
 

Quando a mulher de Chuang Tzu morreu, Hui Tzu foi oferecer-lhe suas condolências e juntar-se aos ritos de luto. Ele encontrou Chuang Tzu sentado no chão, tamborilando numa panela invertida sobre seus joelhos e cantando.
— Afinal de contas, disse Hui Tzu, alguém viveu contigo, educou os filhos para ti, envelheceu junto contigo e agora morreu. Que tu não vertas lágrimas por ela é muito ruim, mas agora, tamborilar e cantarolar, isto já é demais!


— Tu me julgas mal, disse Chuang Tzu. Quando ela morreu, eu fui tomado de desespero, como outro qualquer homem que bem poderia estar. Mas cedo, ponderando sobre o que tinha ocorrido, eu disse a mim mesmo que na morte nenhum novo destino nos acomete. No princípio ela carecia de vida; e não só de vida, mas também de forma; não só de forma mas também de espírito. Ela estava mesclada à grande, indistinguível e informe massa. Então com o tempo veio a transformação e no bojo da massa desenvolveu-se o espírito, do espírito desenvolveu-se a forma, da forma desenvolveu-se a vida, e agora da vida por sua vez, desenvolveu-se a morte. Porque não só a Natureza mas o ser humano também tem as suas estações, sua seqüência de primavera e outono, verão e inverno. Se alguém está cansado e tenha ido deitar-se, nós não vamos no seu encalço com gritaria e berros. Aquela que eu perdi foi se deitar para dormir na Grande Câmara (universo). Irromper no meio do seu repouso com o som da lamentação demonstraria que eu não soubesse nada acerca do destino. Eis por que eu parei de lamuriar.


* * *
b) A Igualdade do Real e do Irreal.

Como eu sei que amar a vida não é uma grande ilusão? Como eu sei que odiar a morte não é algo como pensar que alguém tenha perdido seu caminho, quando, na verdade, o tempo todo ele está na trilha que leva à casa? Li Chi era a filha do guarda-da-fronteira em Ai. Quando inicialmente ela foi capturada e levada a Chin, ela chorou até seu vestido ficar ensopado com lágrimas. Mas quando ela veio ao palácio do rei, sentou-se junto com ele sobre o luxuoso divã e compartilhou com ele das guloseimas da mesa imperial, ela arrependeu-se de tanto ter chorado. Como eu sei que os mortos não estejam arrependidos por terem desejado uma longa vida? Aqueles que sonham com banquete à noite poderão chorar quando amanhecer; e aqueles que sonham estarem chorando poderão ir à caça na manhã seguinte. Mas enquanto está um homem sonhando, ele não sabe que está sonhando; nem tampouco pode ele interpretar um sonho, até que o sonho esteja feito. É somente quando ele acorda, que ele sabe ter sido isto um sonho. Não até o Grande Despertar pode ele saber que tudo isso fora um Grande Sonho… Certa vez Chuang Chou sonhou que ele era uma borboleta. Ele não sabia que alguma vez fora qualquer outra coisa a não ser uma borboleta, e estava feliz em adejar de flor em flor. Subitamente ele acordou e verificou para sua surpresa que ele era Chuang Chou. Mas não estava certo se realmente ele era Chou e tinha apenas sonhado que ele era uma borboleta, ou era realmente uma borboleta que estava apenas sonhando que era Chou. Entre Chou e a borboleta deverá haver alguma distinção. Isto é chamado a transformação das coisas. 

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NOTAS e BIBLIOGRAFIA
(1) Wing-Tsit Chan: A Source Book in Chinese Philosophy, pág.177.
(2) Lin Yutang: Wisdom of Lao Tse: Chuang Tzu, capítulo 33. É característico de Chuang Tzu se referir a si próprio na 3a pessoa (N. do Tr.)
Adaptado das versões de: A.Waley: Three Ways of Thought in Ancient China.
Wing-Tsit Chan: A Source Book in Chinese Philosophy.
E.R.Hughes: Chinese Philosophy in Classical Times.

Comentários

  1. Buenos dias Guerreros
    Hermano Vento,
    adoro seus textos e espero ansiosamente quando acesso para ver as novas.
    Forte Intento
    Dárion 07:30 20/09/2011
    * * *

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  2. Hermanos Guerreros estava mexendo nos cadernos de anotações e hoje encontrei um passagem que postarei . Engraçado, estava ontem no estacionamento em frente ao mar, a tardinha, como de costume debaixo de minha aliada. Não havia ninguém. Então apareceu um rapaz com seu cachorrinho de estimação e falou:
    - Você gosta mesmo daqui. Está todo dia olhando o mar.
    - Não fico aqui olhando o mar. Se ficasse aqui somente olhando o mar, seria um idiota e estaria perdendo meu tempo. Fico aqui contemplando o mar.
    O rapaz entendeu e começou a rir.
    Dárion

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  3. 28/12/2008

    Fazia tempo que nem sequer nos falávamos. Domingo, fim de tarde, resolvi ir até o sítio. Depois de nosso último encontro pensei que nem quisesse ver mais minha cara. Quando cheguei, procurei a campainha na porta de entrada. Percebi pela primeira vez que não havia uma. Bati palmas e gritei seu nome três vezes. Uma onda de energia me invadiu como um vento forte. Senti a presença de alguém as minhas costas. Quando virei-me, lá estava ela com um sorriso aberto. Fez um gesto para que eu ajudasse com alguns pacotes.
    - Coincidência? –disse com um sorriso matreiro.
    No mundo dos feiticeiros não existem coincidências, só Sincronicidade. Era isso o que ela queria dizer.
    - Por coincidência o pacote que está segurando é uma lembracinha para você. Vamos entre, não vamos passar a tarde inteira aqui. – falou brincando comigo.
    Entramos na casa. Ela abriu as janelas. A claridade penetrava por elas.
    - Feiticeiros são estranhos. Abra o presente, vamos abra! – falou-me cutucando.
    Quando abri o pacote havia uma caixa de madeira. Dentro da caixa, um tablado com uma tampa de vidro, areia de praia e algumas conchas.
    - Serve para intensificar sua contemplação. É sua. Mandei-a fazer para você.
    Fiquei sem jeito. O Natal já tinha passado e não tinha nada nas mãos.
    - O sentimento dos feiticeiros é diferente. É mais como um cuidado que tem entre si. Cuidar sem ajudar. Ajudar só pode ser praticado pelos Guerreiros que já perderam a forma humana. Qualquer sentimento é igual. Não os atingem mais. Estão sempre na região da implacabilidade.
    Então falou-me que contemplar caminhava junto com sonhar. Na verdade aquele artefato servia para fixar a Atenção. Contemplar era um método utilizado pelos Espreitadores para “Parar o Mundo” e que não me diria mais nada. Que eu caçasse por mim mesmo o tema “Contemplar”.
    Eu já fazia o exercicio de contemplar, principalmente o Mar, porém nunca dei muita importância tanto quanto dava ao sonhar. Quando cheguei em casa arrumei algumas coisas. Deitei-me na cama e entrei na segunda atenção com o tema proposto na tela mental. Passei uma meia hora naquele estado e de um impulso me levantei e peguei entre os livros de Castaneda que dispunha, O Segundo Circulo do Poder e abri-o em uma página aleatoriamente. Fiquei abismado pois abri justamente em uma parte em que La Gorda falava a Carlitos sobre a contemplação:

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  4. “o Nagual nos ensinou a contemplar. Ele nunca nos dizia o que estava realmente fazendo conosco. Apenas ensinou-nos a contemplar. Nunca soubemos que contemplar era o meio de prender a nossa segunda atenção. Os sonhadores têm de ser contempladores antes de poderem prender sua segunda atenção.
    “A primeira coisa que o Nagual fez foi pôr uma folha seca no solo e mandar que eu olhasse para ela durante horas. Todos os dias ele me trazia uma folha seca e a colocava na minha frente. A princípio, pensei que fosse a mesma folha que ele guardava de um dia para outro, mas depois notei que as folhas são diferentes. O Nagual disse que, quando compreendemos isso, não estamos mais olhando, e sim contemplando”.
    Depois ele pôs montes de folhas na minha frente, Disse-me que as misturasse com a mão esquerda e as sentisse, enquanto as contemplava. Um sonhador move as folhas em espiral, contempla-as e depois sonha com os desenhos feitos pelas folhas. O Nagual disse que os sonhadores podem considerar que dominaram a arte de contemplar as folhas quando primeiro sonham com os desenhos das folhas e depois encontram esses mesmos desenhos no dia seguinte em seu monte de folhas secas.
    “O Nagual disse que contemplar as folhas fortalece a segunda atenção, Se você contemplar um monte de folhas durante horas, como ele costumava mandar-me fazer, os seus pensamentos se aquietam. Sem pensamentos a atenção do tonal se enfraquece e de repente a sua segunda atenção agarrar-se às folhas e elas se tornam outra coisa. O Nagual dizia que o momento em que a segunda atenção se agarra a alguma coisa era ‘parar o mundo’. E isso é certo, o mundo pára. Por esse motivo deve sempre haver alguém por perto, quando você contempla. Nunca sabemos as esquisitices que tem a nossa segunda atenção. Como nunca a usamos, temos de familiarizar-nos com ela antes de podermos aventurar-nos a contemplar sozinhos”.
    “Essa dificuldade em contemplar á aprender a aquietar os pensamentos. O Nagual disse que ele preferia ensinar-nos a fazer isso com um monte de folhas porque podíamos ter todas as folhas que quiséssemos a qualquer momento em que quiséssemos contemplar. Mas qualquer outra coisa serviria”.
    — Desde que você consiga parar o mundo, você é um contemplador. E como o único meio de fazer parar o mundo é tentar fazê-lo, o Nagual fez com que todos contemplássemos as folhas secas durante anos e anos. Acho que é o melhor meio de alcançar a nossa segunda atenção.
    “Ele combinava contemplar as folhas secas e procurar as nossas mãos no sonhar. Levei cerca de um ano para encontrar minhas mãos, e quatro anos para fazer parar o mundo. O Nagual disse que depois que você prender a sua segunda atenção com as folhas secas, você faz contemplação e sonhar para expandi-la. E é só isso, contemplar”.
    — Você faz tudo parecer tão simples, Gorda,
    — Tudo o que os toltecas fazem é simples. O Nagual disse que para prender a nossa segunda atenção bastava tentar e tentar.

    Dárion 08:45 20/09/2011
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  5. Ótimas considerações amigo. Em breve escreverei um texto sobre contemplação. Nada no mundo é um acaso, seu texto começou me mostrando ser um aviso específico para mim sobre os acasos e terminou como tal. Tenho por várias vezes começado a escrever sobre a contemplação, mas nunca conclui o texto. Estava eu lendo exatamente o Segundo Círculo do poder para completar o meu intento, mas parei por algum motivo e hoje lendo isso aqui me reavivou o intento de que devo escrever sobre o assunto. Logo postarei algo sobre isso, assunto mágico e extremamente necessário para o desenvolvimento do sonhar.

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  6. Hermano Vento
    O Infinito atua sobre nós de maneiras que as veses nos emcabulam. Como poderiamos ter o mesmo sentimento se nem ao menos comentamos sobre esse assunto?
    Grato Guerreros e FOrte Intento
    Dárion 12:00 20/09/2011
    ps: MAIS Engraçado foi quando fui postar o texto alguma coisa impedia que eu postasse o comentário. Tentei umas quinae veses porém não desisiti e consegui posta-lo.
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  7. Buenos dias Hermanos
    Como Guerreros na Senda do Conhecimento temos de estar constantemente atentos para as investidas dos predadores. Sinto isso principalmente quando me aquieto para fazer a retrospectiva (recapitulação). Alguma coisa tenta desviar-me do intento. As vezee em algumas tarefas da segunda atenção não consigo concentrar-me. Os predadores lutam mais fortemente para que não percamos a forma humana quanto mais fortes energeticamente ficamos. Felizmente de acordo com D.Juan chega o dia em que eles sentem como se nossa "carne energética" não fosse mais saborosa e acabam nos largando de vez.
    Dárion 08:30 21/09/2011
    Forte Intento Guerreros
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  8. bonito muito legal essa postagem Enio. tudo de bom.

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