Um favor do vento

                

 

                Depois de um longo tempo sem encontrar com o Nagual hoje ele voltou. Eu estava nos últimos tempos focado em realizar a tarefa deixada por ele e acredito que isso que o fez retornar para poder me ensinar. Eu havia sonhado durante a noite com redemoinhos de vento que se formavam para me buscar, um sonho já recorrente para mim e que já havia inclusive sido concretizado no mundo cotidiano certa feita. Hoje então caminhei mantendo a consciência no agora, na respiração com o intuito de silenciar a minha mente. Fiz uma longa caminhada guiado pelo vento, ele me dirigia para onde ia, aonde virava, por onde seguia, assim, somando esse exercício de entrega ao de atenção plena na respiração consegui um estágio relativamente agradável de silêncio interior.

                Quando cheguei em casa sentei-me e imediatamente uma imobilidade tomou conta de meu corpo, eu estava paralisado apenas contemplando as sensações de meu corpo físico. O silêncio se apoderava de mim e a medida que isso acontecia eu tinha cada vez mais consciência de meu corpo energético. Eu sentia ele se movimentando, sentia o meu ponto de aglutinação e sentia as pequenas mudanças que ele produzia naturalmente guiado pelo silêncio. O que me estarrecia era a imobilidade corporal que a consciência das mudanças do PA traziam para mim. Eu ficava rígido, cada junta de meu corpo ríja enquanto imagens se passavam em minha visão, era como se o mundo desvanecesse e começassem a surgir novas imagens no lugar daquelas.

                Então que um sono começou a se apoderar de mim, eu sentia o vento rodear pelo meu corpo, ele parecia me acariciar, circular pelas minhas pernas, subir pelo meu dorso, roçar a minha cabeça e a medida que isso acontecia eu sentia que ia sendo criada uma depressão no meu ovo de luz, no lugar luminoso do ponto de aglutinação. Alguns movimentos me traziam imagens de violência, outras me traziam imagens de santos, de devoção, eu via uma pessoa tendo uma visão de Jesus descendo do céu, a pessoa chorava e dizia aos fiéis o que tinha visto, aquilo me enchia de uma devoção que subitamente me parecia sem sentido algum. Mesclado a isso eu ouvia uma música da Madre Deus que falava sobre o vento "Estranho favor fez o vento...".

                Senti então minha energia se movendo, senti como se o vento entrasse em minhas narinas e ali me levasse por completo, desvanecendo todas as imagens que eu tinha a minha frente, era tudo silêncio, era tudo o mar escuro da consciência. Eu já não sentia nada, não ouvia nada, nada como normalmente sentimos. Contudo eu podia de alguma forma ver meu ovo de luz se afundando nas minhas costas, minha energia interior se movimentando, em um silêncio profundo. Rompendo tudo uma voz me falou que eu estava viajando nos confins do universo, que eu estava utilizando minha energia para viajar e o silêncio me fizera movimentar. A voz me dizia que eu era como um fósforo e que a chama inicial era o silêncio que me queimara algumas fibras novas. Então eu me vi na totalidade, como se eu vesse de dentro para fora de meu ovo de luz. Ali dentro as fibras de luz se agitaram, na minha frente eu via a fenda no meu ovo de luz, via o quão era pequena e quanta energia entrava por ali, como explosões de uma luz que existia fora de mim, mas que não conseguia saber o que era.

                A voz então me disse que nós apenas, dentre a pequena faixa dos orgânicos, temos um ovo, um casulo tão resistente, que isso de alguma forma nos ajuda a não nos consumirmos inteiramente sem antes termos a consciência necessária, mas que nos atrapalha a ter uma visão real do mundo. É como uma manta quente num dia frio, que nos aquece e nos faz querer ficar na cama, sem ver as possibilidades do mundo frio lá fora. Disse que esta camada faz com que o mundo seja tão duro e sólido como é para nós e que sejamos tão sólidos em nossos conceitos e crenças. Disse que um grande exercício é exercitar o movimento naquele ovo de luz, e que isso é a balança que faz diferenciar os despertos dos insones. Disse que toda a mágica do homem, enquanto nesta roupagem, é feita manipulando esta camada de luz. A voz ainda me disse que existem dois pontos chave nesta camada de luz, uma é a fenda luminosa e outra é o ponto de aglutinação. Mover e manipular os dois pontos é a chave para a percepção do homem.

                Então mais uma vez vi meu ponto de aglutinação, ele forçava de alguma forma a minha camada ovóide de forma que fazia uma depressão nela, mas eu via que alguma força forçava o casulo a retornar a sua posição usual, sem a depressão.

              Então a voz me falou que não somos seres de luz, mas que podemos sê-lo. Disse que nos tornamos seres de luz quando todo o nosso interior se ilumina de dentro para fora, quando isso acontece, todas as fibras tomam consciência da totalidade e assim podemos emergir do casulo de luz para a verdadeira jornada de um ser de luz. Disse que muitos de nós somos um casulo opaco com um ponto muito tênue de luz nas costas e que emite um brilho pulsante em nossa frente, junto a fenda de luz. Eu vi então que uma luz choca-se constantemente com nossa fenda no casulo criando um brilho intermitente nesta parte do casulo luminoso. A voz me disse que quando queimamos de dentro para fora equilibramos essa energia e somos tragados para fora do ovo a medida que a fenda se expande, deixamos então a roupagem externa do casulo para seguir a nossa viajem. Disse ainda que quando nos iluminamos de fora para dentro, quando essa luz consegue romper o casulo por fora, temos um momento de consciência total, mas não resistimos a energia que nos invade e somos imediatamente consumidos pelo mar escuro, para a fonte de tudo.

                Então de alguma forma entendi e logo que entendi senti uma força me puxando, senti que era o PA que voltava a sua localização original, logo senti meu corpo físico novamente, senti o enrijecimento dos músculos e então abri os olhos, eu estava novamente em minha casa, o vento já tinha cessado e eu sentia uma grande dor no abdômen, abaixo do umbigo. Vi que era a dor relacionada a fenda de luz e sua manipulação, a concentração naquele ponto tinha me causado a dor. Então um vento soprou novamente e levou toda aquela sensação que eu tinha há um momento, era novamente tudo silêncio no mundo, o mundo sólido e comum de todo dia.

               Quando me levantei ouvi como se o Nagual tivesse atrás de mim e me falasse: "Não importa o sucesso em cada desafio que aceitamos nessa vida, o que importa é dar o melhor de si em cada um deles, a derrota para um guerreiro é não poder lutar, apenas isso pode derrotá-lo. Perder ou ganhar é apenas parte do desafio, não é a nossa meta. O guerreiro que é consciente, que empunha sua espada e seu escudo sem cessar durante toda sua vida, já atingiu a vitória, apenas aquele que abandonou a luta é que conhecerá a derrota.". Foi um recado especial, eu não conseguira completar o seu último desafio, de alcançar o silêncio total, mas entendi que não podia desistir até o fim de minha caminhada, e o que ele falou foi uma resposta a minha caminhada, não uma caminhada de grandes vitórias, mas uma caminhada como a de muitos, de uma luta árdua e incessante pela liberdade.