Apenas conjecturas sobre a nossa origem




Não temos tanto tempo a perder. Já falei um dia que somos filhos do sol, o que é o sol além de uma estrela. Olhei hoje para a profundeza do céu estrelado que fui presenteado na escura companhia de plantas que tanto estimo. Amigas perfeitas, escutadoras graciosas, magníficas contempladoras do espaço infinito que as cerca. No escuro do céu, a medida que nos aprofundamos em sua visão, surgem mais pujantes as estrelas, luminárias na imensidão infinita do desconhecido que nos cerca.

Olhando para a rua, seguindo os sucessivos sons que ali passavam eu via os meus irmãos, de todas as cores, raças, herdeiros das várias nações que hoje se misturam em uma só aldeia global. Alguns cheios de energia, outro exultantes em suas buscas, outros arquejantes e cansados de sua labuta do trabalho árduo e da rotina causticante do dia-a-dia. Vi pessoas diferentes de mim, outras tantas iguais, umas que eu enumeraria as diferenças como falhas, algumas que eu enumeraria qualidades por serem igualdades com o pretenso julgador, o Eu.

Deixei então de julgar, de buscar o nivelamento nessa selva de merda que vivemos. Todos insones zumbis, sonhando um sonho com o mais previsível dos fins, uma morte miserável, sem consciência, que os levará ao triste envolvimento do ser no mar que o cerca, sem chances, sem piedade, sem choros e talvez com algumas poucas velas. Me vi no meio desse sonho, como em qualquer outro sonho comum, vagando a esmo, guiado e ditado por normas, leis, condutas, buscas que nunca foram minhas, assumindo contratos que nunca assinei, seguindo ditames que nunca me perguntaram se eu queria seguir.

Deverás andar como um zumbi, deverás comer não o que te sustente, mas o que lhe apeteça o paladar e ainda o que lhe encha os olhos. Deverá procurar a beleza nos exteriores, grandes bundas, peitos, desejos. Deverás ainda ter dinheiro, quando tiver o que dê para manter a sua barriga, para cobrir-te da chuva, para proteger-te do frio, deverá ter ainda mais dinheiro. Deverás ser reconhecido, ter a beleza que for o padrão, ler o que te for ditado. Deverá ser um insone, seguir as instruções que te daremos todos os dias, na mente, na mídia, nas pessoas que te cercam. Deverá nutrir-se de conversas breves que sejam sobre todas as coisas que te disse. E finalmente, nunca, nunca deverá ser livre para escolher, teu destino está traçado, seu caminho está forjado e se a caso pensar em sair dele não mais será acolhido nos braços quentes da sociedade.

E então vi, velhos, novos, enamorados, amigos, todos no triste andar de zumbis que nada sabem sobre si. Voltei para os céus e me persignei, mas lembrei que o Deus que iria orar nada mais era o que me disseram existir, não o que eu sentia, nada que que tivesse visto, mas o que me tinham feito engolir.

Lá do fundo do céu, desiludido por uma tristeza profunda senti que algo existia de verdade, não como o nosso mundo de fábulas, nosso conto de carochinha, nosso circo da realidade, mas algo real, algo palpável. Senti, como vários de nós sente quando dormimos, que alguém muito longe, em alguma estrela, algum ponto do infinito universo que nos cerca está a nos olhar, como um ponto no céu de seu mundo. De lá, talvez aquele ser que nos olha, saiba o que não sabemos, o que não procuramos saber, o que não nos interessamos em pensar. Talvez aquele que nos olha lá do fundo do céu, pergunte-se quando voltaremos aquele lugar, porque partimos um dia e nunca mais voltamos. Talvez aqueles seres sejam a nossa real família, de nosso real lar, de um lugar que chegamos a estar um dia, de um passado muito, muito distante, e que nunca mais voltamos. E aqueles seres olham para o infinito e se perguntam onde estamos, porque nos esquecemos de onde viemos, porque os visitamos apenas como espectros, como parte de nós, e porque dizemos desconexas frases de um mundo onde a razão domina o espírito, onde a consciência é suplantada por cálculos que nada explicam, ou nada do que interessa podem explicar. Os seres querem saber porque abandonamos o infinito silêncio de conhecimento que nos fazia lembrar de nossos irmãos distantes.

Pior do que isso, porque os que constantemente vem aqui são vistos por tão poucos, e muitos dos poucos que os vêem ainda os chamam de Deuses, criam construções a eles, os veneram com cânticos e não os escutam de fato. Porque esses que os vêem começam um incessante diálogo de orações, de preces, de mantras, de veneração que impedem de ouvir a simples mensagem que eles trazem, “Voltem para casa irmãos.”.

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