Além da ordinária percepção





Olhar o mundo além do que a visão nos proporciona é um dos grandes mistérios da percepção. Perceber além do que pensamos perceber, além de meras interpretações, a liberdade de sentir a energia circundante do universo abre as fronteiras do perceber para muito além do enquadramento dos sentidos no reino limitado de nossa mente, se é que eu posso dizer que essa mente é realmente nossa. Uma percepção limitada de mundo que nos aprisiona nos grilhões da descrição, nos encerra em sonhos que não são nossos, em anseios que mascaram a verdadeira busca que devemos fazer, a busca pela herança que é nossa por direito. Nascemos guerreiros e nos tornamos, com o tempo, com a descrição, com a dominação, homens, medíocres, medianos, alienados e dominados por tudo que nos cerca, por tudo que é apenas percepção.

Libertar os sentidos das amarras do diálogo interior é o primeiro dos exercícios, e talvez o único obstáculo no caminho de retorno do homem para a sua forma original de guerreiro. O silêncio interior é a chave para tantos quanto são os mundos e formas de percepções do universo que podemos ter. É a poderosa chave mestra das viagens dos guerreiros do infinito, a dissolução de uma mente que nos é imputada, desde o nosso nascimento, subjulgando-a a um especial lugar de silêncio e sabedoria eterna.

Não existe o mundo de agora para a mente que nos foi dada. Essa mente que constantemente guia as nossas vidas é uma mente do ontem, uma mente das ponderações do poderá ser, do foi, do quem sabe, das comparações. É uma mente pobre, vazia de sentido, presa a tudo que não é real, a tudo que não é percebido imediatamente. Se resume a falar dos momentos do ontem, do que será o amanhã, das possibilidades, dos “se eu tivesse feito assim, assado”. Agindo assim a mente nos separa por uma inconcebível barreira das possibilidades do agora, do momento presente. Silenciar a mente é desfrutar exatamente do agora, exatamente do momento em que tudo pode mudar na vida do guerreiro, do momento que realmente tem valor, pois todo o resto é apenas divagações sem sentido e especulação vã. No budismo achei textos impressionante falando dos estados de Atenção Plena, meditações fantásticas que levam o praticante ao momento do agora, conduzindo a um gradual desvanecer dos pensamentos e uma libertação dos sentidos. Castaneda propunha diversos métodos para calar o diálogo interno, métodos fantásticos, que levam a um acúmulo de silêncio. No budismo, como um paralelo, as meditações de atenção plena (Anapanassati Sutra e Satipatthana Sutra) no sentido do acúmulo do poder de silenciar a mente.

Quando silenciamos a mente entramos em um profundo estado de renúncia da interpretação ordinária dos sentidos. O silêncio desloca a nossa percepção de uma forma profunda em nosso campo de energia, muda de forma imediata a percepção do mundo que temos. O silêncio interior tem o poder de nos mostrar o mundo como ele realmente é, livre de interpretações, de sim, de não de talvez, no silenciar da mente encontra-se a verdade absoluta do universo, pois todos, com a mente silenciada haverão de ter a mesma interpretação da cena que visualizam. As diferenças de conceitos, pensamentos, visões não são nada mais do que as diferenças peculiares que a mente de cada um tem, desavenças são puramente isso, o conflito da interpretação do mundo por dois diálogos internos, dois egos distintos.

Seguindo essas práticas, esses dias venho sentido a imperiosa presença do silêncio, o silêncio perceptivo. Venho depurando e vigiando insistentemente a minha tão tortuosa mente. Calar, um a um os pensamentos vem sendo a minha tarefa diária, e vem me dando um resultado impressionante. Eu havia recebido essa tarefa, o controle da mente como parte essencial em minha caminhada, como a parte final de um ciclo de caminhada que começou quando comecei a perceber os sussurros do espírito, do infinito em meu interior. A medida que caminhamos sendo guiados por intuições, por presságios, por sussurros do infinito conseguimos então vislumbrar um caminho se abrindo por nossa frente, o caminho da liberdade, e assim aconteceu comigo neste passo de minha jornada. Havia em mim uma grande dificuldade de me concentrar efetivamente no momento do agora interrompendo o incessante fluxo da mente, então que me veio a tarefa de silenciar a mente, de retomar efetivamente o controle de minha energia, focando-a no hoje. Para isso me deixei ser guiado mais uma vez pelo fluxo de ações do espírito e assim fui guiado, passo a passo para ensinamentos de meditação budistas.

Nada mais deve fazer o guerreiro quando chega em uma encruzilhada, não deve lutar, esbravejar, nada disso. A tarefa imprescindível é abandonar-se a uma força maior, a um sinal do intento, do infinito, do espírito. Isso se chama entrar na corrente, deixar se levar pelo fluxo constante que permeia o universo, pois não é natural no universo a estagnação energética. . Foi com o silêncio que fui guiado a um âmbito de treinamento na arte de parar a mente que ainda não tinha vislumbrado, os conceitos budistas sobre o tema. Na verdade fui guiado a um livro, o Darmapada, que nada mais é do que os ensinamentos do Sr. Gautama em versos, sobre o seu caminho, que na grande maioria se resumem no silencio da mente, na efetividade do comportamento, na libertação dos desejos e dos pensamentos, e na consciência da ilusão da percepção, da inpermanência da vida e de todas as coisas do mundo que conhecemos.

Então que somos guiados, a medida que adentramos no silêncio a visualização do mundo da forma que ele é, e acontece de forma gradual, passo a passo como são todas as coisas na vida, lenta e dolorosamente. Cheguei a um momento em que aconteceu a explosão em mim, em que acumulei o pouco de silêncio que eu precisava para converter o que eu sabia em conceitos para um conhecimento prático, um conhecimento de meu campo energético. Eu estava em um supermercado quando aconteceu, vi as pessoas como vemos, cheios de conceitos de comparações de críticas e de afirmações. Estava vendo-as como qualquer um vê, com os olhos do ego, os olhos cobiçosos, invejosos e cheios de si do diálogo interior. Mas eu estava praticando a concentração no momento presente, caminhando e sabia que caminhava, respirando e pensando na respiração, concentrando-me no agora, foi ai que as coisas explodiram. EU via energia diretamente, já o falei aqui em outro texto sem o método que agora descrevo, vi cada qual como energia, primeiro como um alo, uma áurea de energia e depois pulsando em vida com um brilho especial, diferente de toda luz que eu já tinha visto, essa experiência eu relatei brevemente como introdução de meu último texto, mas o inconcebível veio a seguir, nos dias que se seguiram e que se seguem até hoje. Vejo agora, constantemente, uma formação energética em torno das pessoas, das plantas, se forço um pouco a visão consigo ver, como uma transparência a energia das pessoas, ela flui do corpo físico como vapor, para todos os lados encontrando-se com um limite onde ela se concentra, um limite que forma uma áurea. Umas pessoas tem o campo maior, outras menores, e são de cores diversas.

Percebi então, desde que tive aquela experiência e a medida que venho me acostumando a essa nova faceta perceptiva, que eu sempre havia percebido essa energia, mas parecia existir um véu em minha mente que não me permitia lembrar. Me recordei de um livro que Castaneda chegava a mesma conclusão e vejo o quão perto está o poder perceptivo puro de todos nós como humanos e o quão forte é o véu de ilusão que nos é colocado na vida, junto com essa mente possessiva e repetitiva que temos. Não sei quantos segredos ainda vamos descobrir nessa caminhada, quantas facetas de nossa percepção veremos estarem apagadas, escondidas, subjulgadas ao nosso diálogo interno e não vejo outra forma de perceber, ao invés de apenas conjecturar do que caminhando, mantendo o espírito e o intento vivo dentro de nós, mantendo a vigília constante de nossa mente e o controle absoluto de nossos pensamentos. Sei, sinto que um dia chegaremos a um novo limiar de silêncio interior, sinto isso a medida que caminho, e sei que para isso não precisamos de muito além do que a manutenção constante do espírito impecável do guerreiro a caminho do conhecimento, a caminho da liberdade total.

No intento do silêncio para todos que caminham.

Comentários

  1. Penso que o que falta à um praticante de meditação, é saber da existência do ponto de aglutinação, e nesse estado, intentar parar o mundo. Tenho tentado parar o diálogo interno através de técnicas aprendidas com monges, e espero ter êxito. Como disse Dom Juan, "No caminho do conhecimento é preciso muita imaginação; nada é tão claro como gostaríamos." E encerro lhe recomendando um livro que trata do mencionado acima: "O Poder do Agora - Eckhart Tolle", e como de praxe, agradeço novamente por compartilhar esse conhecimento.
    Namastê

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  2. Agradeço pela recomendação, gostei muito do nome já que a identificação é clara com o que escrevi aqui. Agradeço sempre a visita e os comentários sempre atentos, a sua contribuição é essencial para a difusão e ampliação do conhecimento partilhado aqui.

    No intento e no silêncio!

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