A longa estrada para a liberdade





 És já uma folha que vai cair,
os homens da morte estão por chegar,
te encontras no limiar da partida
e estás sem provisões para a viagem.

Que de ti próprio faças uma ilha,
Que te esforçes depressa e sejas sábio.
Liberto das nódoas e sem paixões,
Irás para o mundo celeste dos puros.

(Darmapada, Cápitulo XVIII,  Tradução Fernando Cacciatore)




Estamos no limbo, estou certo disso, e quando falo estamos, evoco a todos os praticantes do caminho aberto do conhecimento, da autodescoberta, da libertação da mente e do aprisionamento da realidade na qual estamos encarcerados. Convido a todos aqui para essa ponderação, a ponderação de um guerreiro que está no meio do caminho e para, por um instante para pensar, para refletir sobre o que é. 

É um fato que não somos homens comuns nós que seguimos essa trilha para a liberdade, não estamos mais cegos aos grilhões que nos prendem ao sistema, a realidade. Tão pouco estamos livres das correntes que nos aprisionam. Não somos feiticeiros pois não dispomos ainda da liberdade de movimentar a nossa energia da forma que queremos, de nos mover pelas infinitas realidades e mundos da forma que um dia conseguiremos, de ouvir e sentir o fluxo constante do universo infinito correndo pela nossa energia e nos ligando a tudo. No entanto, já conseguimos entender e parar os processos da mente, já sentimos as formas que a realidade nos aprisiona e os preceitos de sua dominação, já sabemos o caminho que devemos seguir para a nossa total libertação, mesmo fingindo ser o peso da liberdade vindoura demasiado alto para cada um de nós.

No limbo nos movimentamos e nos transformamos mais do que usualmente é normal a um homem, passamos de períodos de entendimento total e perfeito sobre as verdades energéticas do universo para processos em que somos idiotas completos, cegos a toda a realidade que nos cerca. Existe uma forma de manter-se no caminho, é caminhando, mas não existe um caminho de volta para o guerreiro, não existe uma via de retorno, as consequências de vislumbrar a possibilidade da liberdade nos acompanharão por toda a vida, até que a morte nos consuma ou nos liberte, a escolha caros amigos, é de cada um de nós.

Para iniciar a caminhada, basta darmos o primeiro passo, este pode ser simplesmente calar-se, olhar para dentro de si e iniciar uma busca, buscar resolver buscar respostas àquela dúvida que constantemente bate a nossa porta e que nos trás questões existenciais, de onde viemos? Para onde vamos? Porque estamos aqui? São tantas as perguntas e muito poucas as respostas, exatamente porque são questões que não podem ser respondidas, não com palavras, apenas com a busca, com a caminhada. 

Uma parte antiga do homem, essa parte que reside no fundo, escondida em cada um de nós, essa voz silenciosa que reside adormecida em nosso interior que nos faz ter essa sensação de que algo maior está escondido por detrás de toda a “sólida” realidade que nos encerra. Quando buscamos, ligamos uma chave, ascendemos uma luz apagada dentro de nós. Suscitar a dúvida sobre a realidade é iniciar o processo de busca que nos levará a entender que apalpamos apenas uma pequeno aspecto de algo incomensuravelmente maior do que todo o conhecimento assimilado na nossa vida. A medida que começamos a buscar, a procurar, a medida que sentimos a liberdade, os ventos que sopram da liberdade começamos a crescer a nossa energia, a desenvolver-nos energeticamente,a  crescer em conhecimento tal qual crescem nossos músculos quando nos exercitamos. Silenciando a nossa mente, descobrimos que dela emana toda a realidade, quando calamos a mente começamos a ouvir algo maior, perscrutamos um ser antigo que reside dentro de nós e que começa a nos contar sobre a realidade. A mente se mostra então o sexto-sentido da realidade, e através dela que se manifesta toda a realidade, ela, somando-se aos sentidos, nos faz crer na solidez de tudo que nos cerca. Vemos o mundo como ele parece ser e a mente o interpreta da forma que quer, calada a mente, vemos o mundo real, livre de interpretações, ou como o Velho Nagual dizia, paramos o mundo. Assim funciona com o tato, o paladar, a audição, o olfato, captando a realidade, mas sendo interpretados pela nossa mente.

Energeticamente, os seres, as energias que nos aprisionam, a quem interessa o nosso aprisionamento nessa realidade foram de uma sabedoria infinita ao subjulgar os nossos sentidos a  subordinação de uma mente, amarrando assim as janelas de nossa percepção a uma interpretação que interessa apenas a sustentação do sistema. Não cabe, no entanto, saber os motivos do aprisionamento causado pela mente, basta apenas saber que a mente é a chave para a liberdade perceptiva. Ver, ouvir, sentir, com todos os sentidos o universo energético que nos cerca sem a interferência da mente é o processo que precede a liberdade total, a liberdade perceptiva que um dia atingiremos.

A abdicação de toda e qualquer forma de dominação que advém do mundo é um dos passos que considero essencial na nossa caminhada. Abdicar-se é um ato supremos de disciplina e impecabilidade. Abrir mão de tudo que não pode nos servir é um ato mágico que nos leva a mágicos atos de poder. Tomando a minha caminhada como exemplo, me disponibilizei, me abri completamente aos processos energéticos e a forma de vida que eles estão me guiando. Fazendo isso, entramos no fluxo do universo e começamos a agir com impecabilidade no trato com esse mundo que estamos, é apenas agindo com impecabilidade neste mundo que podemos nos libertar dele. Não existe vitória sem desatar as amarras que nos prendem a realidade, desatá-las é difícil e árduo porque as principais amarras são de fato ligadas ao prazer e o prazer é ligado diretamente aos principais pilares de sustentação de nossa realidade, limpar o elo é livrar-se destas amarras impostas e adoradas pela sociedade, aliás, esse é um dos passos para a nossa libertação, um passo dos mais difíceis, dos mais duros de serem dados. 

Os prazeres estão ligados diretamente a mente e aos sentidos, basta apenas analisarmos criticamente que falta faria a nosso ser, como energia em evolução a televisão, o cigarro, a bebida, o sexo (da forma banalizada que a sociedade trata), as drogas, as brigas a alimentação desregrada, a busca pelo dinheiro, poder, o culto a imagem e tantos outros, todos ligados a exacerbação do sistema em elementos desgastantes de nossa energia. Limpar o elo com o espírito, a conexão com o tudo é em parte iniciado com o processo de libertação dos desejos impostos pela sociedade. Alimentar-se não é uma prisão, mas fazê-lo de forma compulsiva, escravizando-se apenas com o sabor, com a impressão mental da alimentação é aprisionante, e os reflexos podem ser vistos em distúrbios corporais diversos e esse é apenas um exemplo de elementos essenciais para a nossa existência desvirtuados pelo sistema de forma a nos aprisionar aos grilhões da mente. Logicamente o dinheiro é essencial para sobrevivermos nesse mundo, mas a adoração e a busca incessante por ele

O controle indistinto da mente, a impecabilidade nos atos, a moderação nas palavras, a efetividade de nossas ações, a implacabilidade são passos essenciais na caminhada de qualquer pessoa que queira a libertação, não são passos exclusivos dos ensinamentos do Nagual Juan Matus, podem ser encontrados em diversas doutrinas, religiões, ensinamentos espalhados pelo mundo e fora dela, estou certo. Além disso, dentre os passos necessários existe o entendimento, não apenas mental, de que vivemos em um pequeno aspecto da realidade, e para isso é necessário o desenvolvimento de uma outra atenção, a segunda atenção. Com essa atenção conseguimos vislumbrar os mais diversos aspectos da realidade, outros mundos, tantos quantos são possíveis e passíveis de nossa compreensão, além do entendimento da realidade dos sonhos são essenciais para ver que a continuidade aparente do nosso mundo é o que nos faz acreditar na solidez dele. Apenas sendo exploradores, batedores de outros universos, entrando em contato com outras energias e mundos é que conseguimos entender, não mentalmente, não apenas com a razão, que um dia será dispensada de nossas vidas, o quão estreito é o feixe da totalidade que conseguimos contemplar como homens comuns.

Os desejos são a nossa prisão, controlar os nossos sentidos, todos os cinco sentidos e a mente é a tarefa inicial que todo guerreiro a caminho da liberdade deve tomar para si. No caminho da liberdade não existe ninguém, mestre, guru, benfeitor, aliado ou nagual que vá retirar nenhuma pedra de nossos caminhos, tudo o que podem fazer os nossos iguais é iluminar o caminho e as pedras que encontraremos em nosso caminho, pois todos teremos entraves, desafios, dúvidas, inconstância, e para todos esses desafios contamos única e exclusivamente com a nossa própria energia. Então torna-se essencial a economia dessa energia, cada pequeno fragmento dela e para isso apenas a impecabilidade, a eficiência total no trato da vida diária, a avareza pela energia pessoal deve ser o mote diário do guerreiro em busca da liberdade, em busca do conhecimento. Talvez a busca pela liberdade seja a única coisa no mundo que apesar de uma conquista não pode ser desejada, porque não pode ser comensurada, imaginada e tocada, não pode ser contemplada de onde estamos, não temos garantias de chegar a ela um dia, e não temos a mínima noção do que ela seja, a não ser por histórias de poder de alguns que atingiram esse estágio de libertação. Libertar-se é tudo que não conhecemos é tudo que não imaginamos e tudo que pode nos libertar das amarras perceptivas desta e de qualquer outra realidade, não há o que se desejar na liberdade, havemos apenas de caminhar rumo a ela, sem esperanças, sem sonhos de um dia conseguí-la, pois não existem garantias no empreendimento mágico da libertação pessoal, nesse caminho que eu e vocês que me lêem em sua grande maioria estão a seguir.

Incito todos esses pensamentos e indagações não para que exista uma concordância com minha forma de ver o mundo, o que exponho aqui serve apenas ao simples propósito de suscitar a busca de cada um, a busca pelo seu caminho e a sua caminhada. Os tempos estão mudando de forma muito rápida, sinto isso, e sinto que nós, como raça estamos chegando a um ponto extremo de nossa existência, um ponto que pode ou não culminar com a evolução de nossa raça, como já aconteceu em diversas eras de nossa existência. Não existem escolhidos para essa evolução, não existem predestinados, marcados, existem apenas escolhas, e a escolha é feita apenas quando existe a dúvida. Compartilhar dúvidas, compartilhar questionamentos é compartilhar conhecimento, compartilhar energia. Formamos aqui, a medida que caminhamos no caminho do guerreiro, uma corrente que culminará, inequivocamente em um processo energético evolutivo, indistintamente a todos que praticarem, da forma que quiserem, a sua pessoal evolução energética no caminho da liberdade. Intento do fundo de minha indiferença, do fundo de meu silêncio, da parte mais antiga de minha energia que consigamos alcançar a liberdade, da forma que seja, pelo caminho que decida seguir cada um.

 Acreditar é aprisionar-se em conceitos, questionar é buscar a liberdade!

Comentários

  1. Não existem escolhidos para essa evolução, não existem predestinados, marcados, existem apenas escolhas, e a escolha é feita apenas quando existe a dúvida. Compartilhar dúvidas, compartilhar questionamentos é compartilhar conhecimento, compartilhar energia.
    Isso é os medianos podem fazer um final melhor!Alem de sua medianes!"
    Jn junior

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