Capítulo 2 - Os passes mágicos



 
Como prometido mais um capítulo de nosso mais recente livro do Nagual Carlos Castaneda. Desculpem se a tradução não for das melhores, mas está na medida de meu conhecimento do espanhol, mas estou fazendo o meu melhor para divulgar mais esse conhecimento.

Intento a todos. 


A primeira vez que Don juan me falou mais intensamente sobre os Passes Mágicos, foi quando ele me fez um comentário depreciativo sobre o meu peso.

 - Você está muito gordinho. Disse ele me olhando da cabeça aos pés enquanto sacudia a cabeça em sinal de desaprovação.

 - Está a um passo da obesidade. Está mostrando sinais de desgaste. Está ficando como os teus iguais, desenvolvendo uma bola e gordura em seu pescoço, como um touro. Já é hora de você levar a sério a um dos maiores descobrimentos dos feiticeiros antigos, os passes mágicos.

Antes, Don Juan já havia me falado sobre os passes mágicos, mas de forma muito superficial, tanto que eu sequer me lembrava o que havia sido falado sobre o assunto.

 - De que passes mágicos você está falando Don Juan? Perguntei irritado.

 - Como posso levar a sério algo que nunca ouvi falar?

 - Agora você está se fazendo de bobo, disse ele com um sorriso malicioso. Não só já falei muito sobre os passes mágicos, como também já sabe uma imensa quantidade deles. EU o tenho ensinado sobre os passes mágicos durante toda a nossa interação.
Don Juan tinha razão, eu realmente estava me comportando como um idiota. Fiquei surpreso com o assunto por não esperá-lo, mesmo assim eu não estava certo de ter aprendido nenhuma passe mágico durante o tempo de nossa interação. Iniciei um longo discurso de protesto, como se minha vida dependesse dessa justificativa.

 - Não defenda os seus conceitos com tanta paixão. Ele brincou.

 - Não foi a minha intenção ofendê-lo. Continuou fazendo um gesto ridículo com suas sobrancelhas, imitando a expressão de arrependimento.

 - O que eu quero dizer, é que tenho lhe ensinado aproveitando de sua capacidade de imitação. Durante todo esse tempo tenho lhe ensinado os passes mágicos e você sempre acreditou que o que eu fazia era apenas estalar as minhas juntas. Gosto de como se refere aos meus passes mágicos, a arte de estalar as minhas juntas. Vamos continuar os chamando desta maneira. Eu lhe ensinei dez maneiras diferentes de estalar as juntas, cada uma dessas formas é um passe mágico que se adequam perfeitamente ao meu e ao seu corpo.

Os passes mágicos aos quais Don Juan se referia, como ele mesmo havia dito, era a forma usada por ele para estalar as suas juntas. Eram movimentos específicos dos braços, das mãos, de todo o corpo, que eu pensava ter como objetivo o alongamento dos músculos e ligamentos do corpo. Do meu ponto de vista o resultado era apenas a sucessão de sons de estalos, que sempre pensei ser uma manobra de Don juan para me assustar e me divertir. É verdade que constantemente ele me pedia que o imitasse.
Ele havia me desafiado os movimentos realizados por ele e a praticá-los em casa até que eu conseguisse reproduzir os mesmos estalos nos movimentos. Na verdade eu nunca consegui reproduzir os sons das juntas estalando, mas, como conseqüência, havia aprendido toda a seqüência de movimentos.

 - Porque os chama de passes mágicos? Perguntei.

 - Não são apenas chamados passes mágicos, são mágicos! Produzem efeitos que vão além da compreensão. Não são apenas exercícios físicos, ou meras posturas corporais, são na verdade movimentos que levam a um estado otimizado. É o intento de milhares de feiticeiros que se extende através desses movimentos. A sua execução, mesmo sem consciência do praticante, levam ao silenciamento da mente.

 - O que quer dizer quando fala de silenciar a mente? Perguntei a ele.

 - Nós identificamos e catalogamos tudo que fazemos no mundo, convertemos tudo no mundo para itens desse nosso inventário. Disse ele.

Don Juan parecia estar lutando para encontrar uma maneira mais fácil de explicar o que me dizia. Fez uma longa pausa, como se buscasse as palavras que se adequassem ao seu pensamento. Permaneci em silêncio, eu sabia tão pouco do assunto que sequer me arriscava em qualquer comentário. O que eu mantinhas era uma imensa curiosidade em descobrir o que eram realmente os misteriosos passes mágicos.
Don Juan parecia estar cansado. Estávamos na sala de sua casa tomando um chá de de ervas que ele havia preparado com as folhas de um arbusto aromático que crescia em seu quintal. Ele se desculpou e disse que era a hora de seu descanso. Don Juan gostava de tirar pequenos cochilos durante o dia e durante a noite. Seu padrão de sono era dormir até duas horas de cada vez. Quando estava muito cansado ele dormia por seis horas, dividindo o sono em três períodos de duas horas com curtos períodos entre elas.
Não voltamos a falar sobre os passes mágicos por um longo tempo até que um dia me surpreendeu retomando ao tema de forma repentina, mas parecia que ele estava completamente consciente da interrupção longa sobre o tema e sobre eu ter me esquecido completamente do assunto.

 - Como eu já havia explicado, os seres humanos em geral são muito parecidos em sua forma de pensar. Disse ele.

 - Quando falamos a palavra “mesa”, a maioria das pessoas imediatamente pensaria em uma colher, faca, pano de mesa, copo, vinho, sopa, bailes, banquetes, até uma mesa de aniversário. Certamente poderíamos continuar listando infinitamente itens ligados a palavra mesa. Tudo o que fazemos está ligado da mesma forma. O que parecia estranho aos feiticeiros é ver que todas essas ligações de afinidade estão associadas a idéia que o homem tem de que todas as coisas são imutáveis, assim como a palavra Deus.

 - Não entendo de que forma a palavra Deus entra nessa explicação, Don Juan. Que relação tem a palavra Deus com o que você está tentando explicar?

 - Tudo! Em nossa mente todo o universo é como a palavra Deus, absoluto e imutável. É dessa forma que nos comportamos. Nas profundezas de nossa mente existe um dispositivo de controle que não nos deixa examinar a palavra Deus. A forma que acreditamos e aceitamos ele pertence a um mundo morto. Por outro lado um mundo vivo está em um fluxo constante, se move, modifica, se contradiz.

“Os passes mágicos dos feiticeiros são mágicos porque quando praticados, o corpo se dá conte que é, ao invés de uma linha invariável de afinidades, é uma corrente, um fluxo. E se todo universo é um fluxo, uma corrente, esse fluxo poder ser interrompido. Você pode então fazer uma barreira para desviar ou parar esse fluxo.”
As palavras de Don Juan produziram um grande efeito em mim. Me senti estranhamente ameaçado, não uma ameaça a minha pessoa, mas a algo que havia sido colocado em mim. Pela primeira vez tive a sensação que Don juan estava falando de uma parte de mim que parecia ser eu mas que realmente não era.
Depois ficar perdido em uma contradição interna, me senti confuso e me vi balbuciando palavras em que fosse minha vontade. Ouvi-me dizer:

 - Então Don Juan, você quer dizer que quando estou tentando estalar as minhas juntas estou realmente mudando algo em mim?

 - Existe algo em você, que não é você, mas que realmente está com muita raiva agora. Respondeu Don Juan sorrindo.

Experimentei um intenso momento de conflito interno. Uma parte de mim estava muito irritada, mas era uma parte que não parecia ser realmente eu. Don Juan me sacudiu de minha introspecção. Sua sacudida me moveu para frente e para trás tão grande foi a força de seus movimentos. A manobra acabou por me acalmar de imediato. Então ele me fez sentar em uma pequena mureta de tijolos. Ali havia uma fila de formigas subindo na parede, na verdade eu nunca tinha gostado de sentar ali. Sempre que me sentava ali as formigas iam para cima de minhas roupas, mas dessa vez, els andavam circulando o contorno de meu corpo, como se tivessem ficado cegas, perdidas. Eu realmente me interessei para ver o caminho que elas iam pegar, mas as palavras de Don juan chamaram a minha atenção e me esqueci completamente delas.
 - Não se preocupe com as formigas, disse Don Juan parecendo ler meus pensamentos.

- Neste momento você está cheio de uma energia incomum, produto de seus dilemas e pensamentos internos. Você parece perigoso e impenetrável para as formigas e por isso se afastaram de ti e o rodearam e assim ficarão até vocêse levantar ou até a sua energia voltar ao normal. E agora respondendo ao que pensava de forma maliciosa, sim, verdadeiramente estamos alterando a estrutura básica de nosso ser. Estamos colocando uma represa no fluxo que nos ensinou a considerar o mundo como um monte de objetos inalteráveis.

Com um tom cordial que não parecia ser meu perguntei a Don juan que me desse um exemplo do que significava esse fluxo do qual ele me falava. Falei a ele que gostaria de poder visualizar isso em minha mente.

 - Em sua mente? É melhor aprender a chamar as coisas pelo seu nome verdadeiro. O que você chama de mente não é na verdade a sua mente.  Os feiticeiros acreditam que a nossa mente na verdade seja algo que foi colocado em cada um de nós. No momento cabe a você aceitar essa verdade sem explicações acerca de quem colocou isso em nós ou como colocaram.

Senti novamente uma sensação de ameaça, exatamente como eu tinha sentido antes, com um pouco mais de claridade desta vez. Essa sensação não vinha de mim, mas estava presa de alguma forma a mim. Don juan estava ao mesmo tempo fazendo algo misteriosamente positiva e terrivelmente negativa comigo. Eu sentia como se ele estivesse cortando uma espuma fina que parecia pregada a mim. Eu o olhei e vi que os seus olhos estavam fixos nos meus.
Ele desviou seu olhar e começou novamente a falar sem me fitar.

 - Vou te dar um exemplo, ele disse, em meu caso, na minha idade seria normal que eu sofresse de pressão alta. Se eu fosse a um médico, ele pensaria ao me ver, que eu sou um índio velho , repleto de frustrações, incertezas, uma dieta pobre, tudo isso resultaria, naturalmente, em uma suposição imediata do médico que eu sofro de pressão alta, uma suposição aceitável para pessoas da minha idade.
“Não tenho nenhum problema de pressão alta, não porque eu seja mais forte que um homem comum, ou mesmo por conta de minha herança genética, na verdade fiz o meu corpo quebrar os padrões de comportamento que me levariam a ter pressão alta. Posso dizer com a mais absoluta certeza que cada vez que eu estalo as minhas articulações, depois de executar os passes mágicos,  estou bloqueando o fluxo de expectativas e comportamento que em minha idade, normalmente, me traria por resultado ser um velho hipertenso.”
“Outro exemplo que posso dar é a agilidade que tenho. Você nunca percebeu que sou muito mais ágil que você? Quando se trata de movimentar-me sou um menino! Com os meus passes mágicos coloquei uma represa no fluxo de comportamento e na parte física que faz com que as pessoas fiquem rígidas a medida que envelhecem.

Uma das sensações mais irritantes que eu tinha era o fato de que Don juan, embora tivesse idade para ser o meu avô, era infinitamente mais jovem que eu. Em comparação a ele eu era rígido,obstinado, teimoso, repetitivo, era um velho. Ele, por outro lado, era vigoroso, ágil, criativo resumindo ele possuia algo que eu, que era muito mais novo não possuia, a juventude. Ele se encantava em falar repetidas vezes que ser jovem não era algo que poderia impedir uma pessoa de ser senil.
Depois de uma explosão de energia que parecia vir de dentro de mim, eu admiti a minha insatisfação e disse:

 - Como é que você pode ser mais jovem que eu Don juan?

 - Eu venci a minha mente, disse enquanto arregalava os olhos em sinal de constrangimento.

 - Não tenho uma mente que me diga que chegou a hora de ser velho. Não costumo honrar acordos que não participei. Lembre-se, os feiticeiros não aceitam acordos dos quais eles não participaram. Sofrer as dores da velhice é um desses acordos.
Ficamos calados por um longo tempo. Percebi que Don juan estava esperando para ver o efeito que suas palavras teriam em mim. O que eu acreditava ser uma fatia de minha personalidade se elevou mis uma vez com uma resposta que era claramente contraditória. Por um lado, repudiava com toda a minha força tudo o que Don Juan estava me falando, mas por outro lado não podia negar o quanto eram congruentes as suas postulações. Don Juan era obviamente um velho, mas não se comportava ou parecia um velho. Parecia ser, na verdade, anos mais novo que eu. Ele estava livre de preocupações, de padrões e hábitos. Podia acessar a vontade mundos incríveis para nós. Ele era livre enquanto eu era um prisioneiro de inúmeros padrões e hábitos, de especulações mesquinhas e frívolas acerca de mim mesmo, sensações que pude sentir, pela primeira vez, que sequer eram minhas.
Finalmente rompi o silêncio depois de recuperar um pouco de controle sobre meus pensamentos contraditórios.

 - Como eles inventaram os passes mágicos, Don Juan?


 - Ninguém os inventou, disse com seriedade, pensar que foram inventados implica imediatamente em pensar na intervenção da mente no processo. Através das práticas de sonhar, os feiticeiros antigos descobriram que se movimentando de formas específicas o fluxo de pensamento era barrado.

 - Os passes mágicos são o resultado de um estado em que a mente não intervém, são movimentos naturais quando a mente está desligada. Os praticantes tinham uma disciplina rígida para poder sonhar, e o resulto era o desligamento da mente.
 - O que você quer dizer quando fala da fuga da mente, Don Juan?

 - O grande truque dos feiticeiros da antiguidade era sobrecarregar a suas mentes com disciplina. Descobriram que se sobrecarregassem a mente com atenção, principalmente com a atenção que os feiticeiros chamam de atenção sonhadora, a mente foge, e isso por si cria, no praticante, a certeza absoluta de que a mente é de origem estrangeira.

EU me sentia genuinamente agitado. Queria saber mais sobre esse assunto, um estranho sentimento dentro de mim gritava para que eu parasse de tocar no assunto. Essa parte parecia evocar um sentimento de algum tipo de punição, como se fosse a ira de Deus descendo sobre mim para proteger um segredo guardado pelo próprio Deus.
Eu tive então que fazer um esforço supremo para me conter, mas a minha curiosidade acabou por vencer.

 - O que quer dizer com sobrecarregar a mente?  Escutei-me fazendo a pergunta.

 - A disciplina afugenta a mente, disse ele, mas a disciplina a que me refiro não tem nada a ver com rotinas duras. Os feiticeiros entendem a  disciplina como a capacidade de encarar com tranquilidade situações adversas. Para eles a disciplina é um ato de vontade que lhes permite enfrentar toda situação que se apresente sem remorsos ou expectativas. Para os feiticeiros a disciplina é uma arte, a arte de encarar o infinito com firmeza, não apenas de ter perseverança, mas de saber enfrentar as dificuldades no caminho. Resumindo, eu diria que a disciplina é a arte da impecabilidade. Assim, através da disciplina, os feiticeiros venciam finalmente a mente, a instalação forânea.

Don Juan disse que, através de suas práticas de sonhar, os feiticeiros do México antigo descobriram que certos movimentos, além de promover o silêncio interior, tinham como produto uma sensação de plenitude e um peculiar bem estar. Este sentimento os cativou a tal ponto que eles começaram a repetí-los quando estavam acordados. Don Juan disse que a princípio eles acreditavam que a sensação de bem estar era um produto do sonhar, mas na tentativa de repetir essa sensação apenas com o sonhar perceberam que o método era ineficaz. Então eles se deram conta que sempre que sonhavam que estavam fazendo esse movimento tinham a mesma sensação de bem estar. Através de um esforço memorável, começaram a reconstruir esses movimentos. Seus esforços foram recompensados. Foram então capazes de recriar os movimentos que lhes haviam parecido serem reações naturais ao sonhar. E então que surgiram os passes mágicos como você conhece hoje.
Incentivados pelo seu sucesso, eles foram capazes de recriar os seus movimentos de sonho, sem jamais classificá-los em um esquema que fosse compreensível. Eles acreditavam que os movimentos aconteciam naturalmente nos sonhos e que havia uma força que guiava os movimentos para aglutinar a energia interna sem nenhuma intervenção de suas vontades. Eles explicavam que essa força é um fator aglutinante que une nossos campos internos de energia para convergirem em uma unidade criando um efeito máximo de energia e vigor para o corpo.

Comentários

  1. Notei que vem traduzindo o livro dos passes mágicos. Esse livro sempre me interessou, mas meu espanhol é pobre. E também nunca o encontrei traduzido. Se irá fazer a traduzão completa, me proponho à fazer uma compilação em pdf, com as gravuras e correções caso necessárias, para que possamos continuar difundindo o conhecimento.
    Namastê.

    ResponderExcluir
  2. Esse livro na verdade é um livro que rodava nas rodas de tensegridade da CLeargreen. QUe iluminou esse caminho foi um visitante daqui deste blog. Na verdade não é o livro dos passes mágicos, mas acredito que seja o esboço de Carlos Castaneda antes da publicação daquele título. Neste não existem instruções sobre os passes mágicos como o outro livro, existem mais explicações sobre o que eles são e assuntos relacionados com o conhecimento e legado do Nagual Juan Matus.
    Intento

    ResponderExcluir
  3. Eu dei uma olhada no livro e realmente parece ser um esboço do livro dos passes mágicos. mas é interessante por mostrar os 5 passos mais importantes, e seria ótimo lê-lo por inteiro.
    Namastê

    ResponderExcluir
  4. Eu vou postá-lo inteiro aqui, por ser curto. Eu entendo assim, se me disponibilizei a fazer a tradução, farei o melhor de mim até o fim proposto. Se não fosse assim eu seria contraditório com a regra básica do guerreiro, a impecabilidade.

    Intento e espero que seja proveitoso.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Obrigado por partilhar do intento da transformação global

As mais lidas (se gostas de multidão)

A mariposa, a morte, e o espírito

O fim da linhagem de Don juan, a prisão de Castaneda e o legado das bruxas

As dúvidas na caminhada: entre ser tudo e não ser nada