Capítulo 5 - O Sonhar




O quarto tema na lista de prioridades dos feiticeiros do México antigo é o sonhar, a arte de romper com os parâmetros da percepção normal. Para esses feiticeiros, bem como para os membros atuais de sua linhagem, viajar para o desconhecido é a força que dá impulso a feitiçaria. Don Juan me demonstrou inúmeras vezes que tudo que ele e os seus companheiros sabiam tinham origem neste impulso. As duas artes em que se baseiam suas viagens eram duas linhas de atividades de tremenda sofisticação, a arte do sonhar e a arte da espreita.
 Para Don Juan a arte da espreita era a outra cara da moeda relacionada com a arte de sonhar. Para poder me explicar estas duas artes, me apresentou ao que, segundo ele, era a pedra angular na feitiçaria, a possibilidade de perceber energia diretamente, como ela flui no universo.
 Explicou que os que os seres humanos consideram um ato de perceber é, na verdade, um ato de interpretação de dados sensoriais. Ele me assegurou que desde o momento que nascemos tudo ao redor de nós nos possibilita uma possibilidade de ser interpretada. Com o tempo esta possibilidade se converte em um sistema completo por meio do qual conduzimos todas as nossas percepções sobre o mundo. Estava convencido de que não tínhamos a oportunidade de considerar, sequer por um instante, a possibilidade de perceber o fluxo energético diretamente. Para Don Juan e outros feiticeiros como ele, o que faz com que um homem comum se torne um feiticeiros é cancelar o efeito de nosso sistema de interpretações e perceber energia diretamente.
Don Juan explicou que os seres humanos tem a aparência de esferas luminosas quando são percebidos diretamente como energia. Dizia que ver energia é o ponto neurálgico da feitiçaria. Me assegurou que tudo que um feiticeiro faz gira em torno disso ou se origina nisso, e que a arte de sonhar e a espreita são as correntes principais de atividade que são derivadas do ato de ver energia diretamente.
Outro assunto que foi intensamente explicado foi o ponto de aglutinação. Disse que quando os feiticeiros são capazes de ver os seres humanos como esferas luminosas, também conseguem ver o centro de toda a feitiçaria, um ponto do tamanho de uma bola de tênis com a luminosidade mais intensa que o resto da esfera luminosa. Don Juan chamou esse ponto de ponto de aglutinação e disse que a percepção acontece exatamente ali, neste local.
 - A arte de sonhar – falou em uma ocasião – consiste em movimentar, intencionalmente, o ponto de aglutinação de seu posicionamento atual. A arte da espreita consiste em mantê-lo, intencionalmente, fixo em sua nova posição para qual ele foi movimentado.
De acordo com a explicação de Don Juan, estas são artes que são guarnecidas por um marco filosófico chamado “o caminho do guerreiro”, o caminho que trilham os feiticeiros, que é um conjunto de premissas pelas quais os feiticeiros vivem e agem no mundo. Para Don Juan e seus companheiros, seguir as premissas dos guerreiros era o principal feito da feitiçaria. Don Juan acreditava que os feiticeiros podem encontrar  energia e a determinação necessária para viajar no desconhecido quando adotam sem restrições o caminho do guerreiro.
Don Juan salientou, de tantas formas como foi possível, o valor de uma atitude pragmática a ser perseguida por parte dos praticantes do sonhar. Definiu a atitude pragmática como a capacidade de absorver qualquer eventualidade que possa surgir ao longo do caminho do guerreiro. Para mim, ele mesmo era o exemplo vivo de tal atitude. Não existia nenhuma incerteza ou contingência que sua mera presença não dissipasse.
Ele observou que, para alcançar essa desejada atitude pragmática, o praticante deve ter um corpo extremamente flexível, ágil e forte. Disse que para os feiticeiros, o corpo físico é a única entidade que faz sentido, e que não existe tal coisa como a dualidade entre o corpo e a mente. Os feiticeiros acreditam que o corpo físico compreende tanto o corpo quanto a mente, tal como a conhecemos. Disse que para contrabalancear o corpo físico, como uma unidade holística, os feiticeiros consideram outra configuração de energética, o corpo energético, também conhecido como o outro, o duplo, o corpo de sonhar.
Don Juan descreveu a arte de sonhar como a possibilidade que a consciência humana utilize seus sonhos normais como a entrada genuína a outros reinos de percepção. Assegurava que os sonhos comuns e correntes podem ser usados como uma porta que conduz a outras regiões de energias diferentes das energias do mundo cotidiano e, sem dúvida, extremamente similares em seus núcleos básicos. Disse que o resultado desta entrada era a percepção de mundos verdadeiros onde o homem pode viver ou morrer, tal qual o mundo em que vivemos, mundos que são assombrosamente diferentes do nosso e, sem dúvidas, extremamente similares. Ao ver-se pressionado para dar uma explicação literal, Don Juan reiterou a sua posição usual, que as respostas de todas essas perguntas encontravam-se no âmbito prático, não em uma indagação intelectual. Para poder falar de tais possibilidades a pessoa tem que usar a sintaxe da língua, qualquer que seja o idioma que a pessoa fale e essa sintaxe, pela força do seu uso limita as possibilidades da explicação. A sintaxe de qualquer língua se refere apenas as possibilidades de percepção que formam a parte do mundo que vivemos.
Don Juan frisou uma importante diferença entre dois verbos, um era sonhar e o outro era ensonhar, sendo o último o modo como sonham os feiticeiros. Don Juan também descreveu o ensonho como um estado de meditação profunda em que a mudança de percepção tem um papel central.
Don Juan explicou que a arte de sonhar se originou por uma observação pessoal que os feiticeiros do México antigo fizeram quando observavam pessoas que estavam dormindo. Se deram conta que o ponto de aglutinação se desloca de sua posição habitual de uma maneira muito fácil e natural durante o sonho, e que se move a qualquer parte na periferia da esfera luminosa e qualquer lugar de seu interior. Ao comparar o que viram com os relatos das pessoas que eram observadas dormindo, concluíram que quanto maior era o movimento do ponto de aglutinação, mas assombroso eram os relatos das coisas e lugares que estas pessoas experimentavam nos sonhos.
Os feiticeiros buscaram, com toda avidez, oportunidades para deslocar os seus próprios pontos de aglutinação, e terminaram opor usar plantas alucinógenas para conseguir este feito. Contudo se deram conta que os movimentos causados por estas plantas eram erráticos, forçados e fora de controle. Don Juan disse que eles haviam descoberto uma coisa de extremo valor no meio deste fracasso. Os feiticeiros dos tempos antigos chamaram de atenção do sonhar, a capacidade que adquirem os praticantes para manter a sua consciência nos objetos dos seus sonhos.
O resultado final dos novos esforços desses feiticeiros foi a arte do sonhar como a conhecemos hoje em dia. Através de sua disciplina conseguiram desenvolver a sua atenção de sonhar a um ponto extraordinário. Eram capazes de focalizar as suas atenções em qualquer elemento de seus sonhos e foi assim que descobriram que existem duas categorias de sonhos. Uma categoria são os sonhos que estamos familiarizados a ter, nos quais existem elementos fantasmagóricos, algo que poderíamos classificar como sendo produto de nossa mente, nossa psiquê, talvez algo que se relaciona com a nossa estrutura neurológica. A outra categoria de sonhos são os que os feiticeiros chamam de sonhos que geram energia. Don Juan disse que que esses feiticeiros dos tempos antigos tinham sonhos que não eram sonhos, e sim verdadeiras visitas, feitas em um estado como o sonhar, a lugares genuínos que não estavam neste mundo, lugares tão reais quanto o mundo que vivemos, lugares onde os objetos do sonho geravam energia da mesma forma que as árvores, os animais, ou até mesmo as rochas que geram energia em nosso mundo. P 24
No entanto, suas visões destes lugares eram demasiadamente evanescentes, rápidas para ter algum valor a eles. Eles atribuíram esse fracasso ao fato de que seus pontos de aglutinação não podiam manter-se fixo por tempo suficiente, na posição para qual haviam sido deslocados. Suas tentativas de corrigir esta situação deram como resultado uma outra grande arte na feitiçaria, a arte da espreita, ou a arte de manter o ponto de aglutinação fixo na posição para qual se moveu. Esta fixação conseguida deu a eles a oportunidade de testemunhar estes mundos ao máximo. Don Juan disse que alguns destes feiticeiros nunca regressaram de suas viagens. Em outras palavras eles decidiram ficar “lá”, onde quer que “lá” fosse.
Don Juan comentou que, ao examinar os seres humanos como esferas luminosas, os feiticeiros dos tempos antigos descobriram  seiscentos pontos na totalidade da esfera luminosa que dão como resultado a entrada em um mundo totalmente novo, quando o ponto de aglutinação consegue ficar fixo em qualquer um deles. Sua resposta a minha pergunta inevitável sobre onde estavam esses mundos foi:
 - Na posição do ponto de aglutinação.
Nada podia ser mais acertado que essa afirmação e, sem dúvidas, não tem nenhum sentido para nós.
Para os feiticeiros, entretanto, isso é algo razoável quando examinamos essa premissa pelo ponto de vista da capacidade que eles tem de ver energia diretamente como ela flui no universo. Sua conjectura é que em seu posicionamento atual, o ponto de aglutinação recebe um fluxo de campos de energia de todo o universo na forma de filamentos de energia luminosa. Consistentemente, estes mesmos filamentos, que são bilhões, passam através do ponto de aglutinação e resultam o mundo como nós conhecemos. Se o ponto de aglutinação se movimenta para outra posição, outro conjunto de filamentos de energia passam através dele. Os feiticeiros acreditam que não é possível que este novo conjunto de filamentos energéticos possa dar como resultado a visão do mesmo mundo, por definição, esse mundo tem que ser diferente do mundo da vida cotidiana. Já que o ponto de aglutinação não é apenas o centro onde a percepção acontece, sendo também o centro onde são realizadas as interpretações dos dados sensoriais, os feiticeiros acreditam que o ponto de aglutinação interpreta o novo fluxo de campos de energia nos mesmos termos que interpreta o mundo da vida cotidiana. O resultado dessa nova interpretação é a visão de um mundo que é estranhamente similar ao nosso e, sem dúvidas, intrinsecamente diferente. Don Juan disse que esta similaridade é apenas a interpretação do ponto de aglutinação e que, energeticamente, os outros mundos são tão diferentes do nosso como não se pode imaginar.
Para poder expressar essa qualidade maravilhosa do ponto de aglutinação e ainda o seu potencial perceptivo induzidos pelo sonhar, é necessária uma nova sintaxe, ou talvez, se essa experiência estivesse disponível para qualquer um de nós e não unicamente para os feiticeiros iniciados, a mesma sintaxe de nossa língua poderia expressar essas experiências.
Outra coisa que me pareceu deveras importante, mas que me deixou absolutamente perplexo, foi a afirmação de Don Juan sobre não haver nenhum procedimento, do qual se podia falar, que pode ensinar a pessoa a sonhar, e mais do que qualquer coisa, sonhar era o resultado de um grande esforço por parte dos praticantes para manter contato com a força perene e indescritível que os feiticeiros chamam de intento. Uma vez que esta ligação é estabelecida, o sonhar é também misteriosamente estabelecido.
Don Juan assegurou que este nexo causal pode ser realizado seguindo qualquer padrão que implique em disciplina.
Sem dúvida, Don Juan considerava que para conseguir a façanha do sonhar, é de suprema importância seguir o caminho do guerreiro, a construção filosófica que os feiticeiros usam para sustentar as suas ações, quaisquer que elas sejam, neste mundo, ou em qualquer outro mundo além deste. Seguir o caminho do guerreiro cria uma homogeneidade de resultados na ausência de qualquer padrão definido. Os passes mágicos eram o recurso que os feiticeiros dos tempos antigos utilizavam para ajudar a mover o seu ponto de aglutinação, já que foram desenhados para dar a eles a estabilidade necessária e produzir a atenção do sonhar, sem a qual não há possibilidade de sonhar da forma que faziam os feiticeiros do México antigo. Sem a ajuda da atenção sonhadora, o máximo que os praticantes podiam aspirar é ter sonhos lúcidos de mundos fantasmagóricos, ou talvez, até mesmo ter vislumbres de mundos que geram energia, mas na ausência de uma base lógica abrangente que os permita categorizar adequadamente estes vislumbres, nada teria muito significado.

Comentários

  1. Vento, grande irmão,
    com relação as palabras, lembrar no és el mismo que recordar. Quando lembramos temos flashs, insights, somente isso. Recordar és más profundo. Temos de voltar à situaccion e reviver las vivências, las interacciones. En la recapituação que chamo de retrospectiva, para melhor entendimento, nos utilizamos desse recurso. En Lembrar utilizamos la memória, en recuerdar és utilizar nuestro corpo energético.
    Para ensueñar que és por demás diferente del sonhar, utilizo piedras colocadas en certos centros energéticos. Los antiguos utilizam la Jade, pedra verde y sagrada. Acá en el Hemisfério Sul utilizo la Amazonita, también sagrada y verde. És una piedra linda de grande Poder. Los centros energéticos donde las ponho, son; una amazonita redonda dentro do umbigo, para a "atenccion" necessária del ensueño e en lo externo, de onde vem la energia para el ensuênar. Parece complexo, péro no és, solo para despertar los centros ajudantes pois el verdadeiro centro de ensueñar como hablamos antes fica en el lado direito do Tonal, a uns quinze centimetros do Umbigo. Los utilizo junto com el Paso de Poder do Harpista.
    In lak´ech ala Kín. Abraços Naian.

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  2. Vento, ventania,
    dê una mirada acerca de Amazonita en el libro "Pedras Sagradas" de Barbara Walker, tem na Internet. Abraços del irmão Naian. En Aguardo.
    * * *

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  3. Olá amigo!
    Tendo vindo aqui por um desígnio do Intento, venho me lhe agradecer por compartilhar o conhecimento da maneira que o faz. É o teu caminho do coração, sinto isso com o meu duplo, sinto o quanto caminhamos lado a lado. Sinto profundamente o Intento presente nestes textos escritos por você. O agradeço muito por isso, agradeço ao Espírito por ter me trago aqui mais uma vez e me indicado este texto, que trata de um tema o qual venho trabalhado muito, com muita disciplina.
    El camino del corazón es lo que importa al guerrero de la libertad.

    Intento, amigo!
    Arcoverde

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  4. Ei amigo, somos irmãos, estamos juntos e isso importa no mundo dos despertos que entendem que tudo é um...

    luz, paz, intento

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