A espada da disciplina na vida do guerreiro
Assistia a um
desenho, no interlúdio entre o almoço e a hora do trabalho, era um desenho
simples, como qualquer outro desenho, porém com um requinte especial,
especialmente eu havia sido levado a ficar ali com minha filha, assistindo
aquele desenho, o espírito me havia guiado para estar ali. O desenho
desenrolava a história de um samurai, um guerreiro em busca de um objetivo. Ao
que parecia uma pessoa que se mantinha em estado constante de luta, na busca de
seus objetivos. No desenho ele encontrava com alguns monges da montanha que
falavam para ele que encima daquela grandiosa montanha estava a verdade. O
samurai se empenhou em subir aquele alto rochoso e a medida que subia mais
perigos se avolumavam a sua frente, hora o tempo, hora a escalada, hora
inimigos, toda a sorte de desafios se mostravam aquele valoroso guerreiro, frio
fome, distrações, tudo para o desviar de seu caminho, mas ele continuava. Em
certa parte de seu caminho ele desacreditou que conseguiria, e esmoreceu,
caindo em profundo sono. Naquele sonho ele via os monges, perguntando a ele se
ele havia esquecido seu objetivo, se ele havia esquecido onde queria chegar, se
ele já tinha alcançado o que se havia proposto a buscar, o samurai viu o seu
intento em seu sonho, e seu coração ardeu em chamas mais uma vez. Ele conseguiu
escalar o monte, e viu que ali nada existia, mas era a provação que ele passou
que fez o seu espírito acordar novamente para a sua busca.
Não somos
caminhantes apenas, somos um grupo de escaladores, que buscamos escalar a mais
difícil das montanhas, o maior desafio, que é dominar o nosso eu, a nossa
individualidade. Olhando para o início da caminhada, o homem que propõe-se a
chamar-se guerreiro vê uma imensa montanha a qual ele terá que escalar. Essa
montanha é a ilusão da realidade, a força da mente social, todos estes a
formarem uma barreira, que não permite que visualizemos a verdade que existe
acima daquelas montanhas, acima daquelas nuvens que obscurecem a montanha. Digo
que o guerreiro na verdade escala em busca de seus objetivos, pelo simples fato
de que a escalada, diferente da caminhada, não permite que a pessoa descanse,
deite-se, é um exercício constante, e quando perdemos um pouco a atenção nesta
escalada pela liberdade, caímos aquele percurso inteiro que escalamos, e toda
queda tem suas consequências. Quando caímos e nos vemos ali jogados, perdemos
parte da energia que empenhamos na subida, na escalada, e devemos refazer-se
desde os primeiros passos.
O guerreiro é
chamado assim não pela beleza do nome, não pela força que o nome impõe, mas
pela vida de dificuldades que se abre a sua frente, onde cada passo, onde cada
ação é uma batalha a ser guerreada, e como cada batalha, pode levar a vitória e
a derrota. Cada minuto que o guerreiro esmorece e pensa em descansar, em
desviar-se do caminho, mesmo que por pouco tempo, o guerreiro perde uma
batalha. O guerreiro que se viu livre da ira, quando põe-se em uma situação que
fica irado, é um guerreiro que não mediu o passo que iria dar, não mediu a luta
que ia lutar, e perdeu aquela batalha. O guerreiro que se viu vitima de seus
hábitos destrutivos, entregou uma pequena vitória a mente social, aos
voladores, a inconsciência. O guerreiro que se entrega, por minutos que seja,
está perdendo preciosos minutos de sua batalha pela liberdade, e esta
arriscando-se a cair e não mais conseguir levantar.
Houveram
muitos guerreiros que nos precederam, três memoráveis para mim que tiveram a
sua vida de impecabilidade como exemplo que foram seguidos por milhares até
hoje. O mais antigo dos três que vou citar foi Buda. Este, nascido em berço de
ouro, filho de um rei, observando a vida, as pessoas, o nascer e o morrer, o
envelhecer, percebeu a ilusão do mundo, a ilusão que é a vida, e a prisão que é
a mente social. Assim, seguido por sua senda de pessoas que acreditaram em suas
palavras, e além disso buscaram seguir o seu caminho de abnegação dos ditames
sociais, este conseguiu partir para a liberdade, ou como dizem, partir para a
outra margem, e até hoje tem ensinamentos mágicos deixados que podem nos ajudar
em nossa jornada de vida, muitos mudados ao longo dos anos, e deturpados pelos
que seguiram, mas muitos ainda originais. Este grande iluminado nunca escreveu
uma palavra, apenas as narrava a quem quisesse ouvir, e ensinava o seu caminho
a quem o quisesse ouvir. Não era ninguém além de um homem como qualquer homem
que passe por aqui, que leia estas palavras, e não chegou em lugar algum que
não possa chegar quem o seu conhecimento seguir, e suas palavras acreditar.
O segundo foi
Jesus. Este mudou todo o rumo da sociedade que vivia. Ditando palavras, ensinou
que o caminho que leva a liberdade é o caminho do self, do eu, e erroneamente interpretado
depois, deturparam a sua mensagem de libertação para acalentar templos, a
opulência de monarcas religiosos, e a fartura dos que oprimem através da fé.
Mas em seu tempo ensinou a verdadeira liberdade, como fugir do mundo de ilusão,
como deixar de lado o pecado sendo impecável, como deixar os prazeres e
subjulgar a mente com a austeridade. Mas
este conhecimento puro foi muito deturpado pela mente social, e hoje é
instrumento de rebanhalização de massas para seguir como cordeiros para o
abocanhamento dos predadores que guiam a nossa sociedade. Mas foi um grande
mestre, e as suas palavras, quem quiser podem acessar e ver a verdade deixada
por elas. Este foi também um homem que nunca escreveu uma só palavra, apenas as
narrava a quem queria ouvir e segui-lo, foi impecável em sua vida, do início ao
fim, e com isso certamente atingiu a liberdade, e chegou a um lugar onde todos os
homens que aqui passarem podem acessar, se seguirem os verdadeiros ensinamentos
deixados por ele.
O terceiro foi
don Juan Matus. Homem que já estava além deste mundo, talvez o maior feiticeiro
de nossa era. Este nunca deixou nada escrito. Homem como qualquer homem que
aqui passa, arquitetou um plano guiado pelo espírito, para fechar a sua linhagem
e deixar o conhecimento ancestral de que era guardião aberto ao mundo. Seguia
uma vida austera, trilhou o caminho árduo do guerreiro que a todo tempo embate
a si mesmo, e mostrou o caminho a todos que o seguiram, ao seu grupo, como os
outros dois. Com as palavras que representam o seu legado, deixou o caminho que
o levou a liberdade acessível a todos, e foi impecável até o seu fim, e ainda o
é depois. Este foi também um homem, que amava a liberdade como os outros dois,
que pregava o caminho exato que caminhava, e chegou a um lugar que todos nós
aqui, independente de credo, raça, cor e sexo também podemos chegar, se
seguirmos os ensinamentos deixados por ele.
Os três
homens, como diversos outros, como diversas histórias e mitos ao longo das
eras, deixam viva a chama da possibilidade em nossa vida, o sonho da liberdade,
a imagem do impossível que é possível, a eterna contradição que pode nos levar,
homens limitados, homens domensticados, homens mansos a nos tornarmos homens
guerreiros, homens exploradores, homens ilimitados, deuses de nós mesmos que
somos, e para isso é necessária apenas uma coisa de nossa parte. O intento
inflexível, nas palavras de don Juan, a fé inabalável nas palavras de Jesus, e
o esforço correto nas palavras de Buda, desta forma atingiremos o reino dos
céus nas palavras de Jesus, a outra margem nas palavras de Buda, a terceira
atenção nas palavras de don Juan, mas todos diriam em uníssono que dependemos
de nós mesmos apenas para que este intento de liberdade seja atingida.
A guerra é uma
constante na vida que quem se propõe a se guerreiro. Observar tudo como uma
batalha é um imperativo, deve ser uma constante. Uns diriam que devem descansar
se cansados estiverem, mas eu digo que não. Não temos o direito de descansar
uma hora que seja, nem para dormir, porque ali reside a arte de ensonhar. Só
quem tem o direito de descansar é quem já atingiu a todos os objetivos que
almeja, e se descansados estivermos, estaremos com a guarda baixa, e ai vem a
verdadeira derrota. Ninguém pode derrubar um guerreiro se não ele mesmo quando
abaixa as guardas de um guerreiro. Tudo na vida é uma arte sincrônica, tudo
está perfeitamente alinhado, as mensagens os ditames estão a todo momento em nossa
frente, os desafios nos rodeiam a toda hora, e só nós podemos nos manter
cônscios deste mister que é a vida austera do guerreiro.
Baixar a
guarda é entregar-se ao inimigo, seja em qualquer lugar, seja em uma conversa
na internet, seja em um momento de bobeira na frente da televisão, seja em uma
distração no bar com amigos. O guerreiro abdicou de todo o desnecessário do
mundo, e só assim consegue o que não está disponível no mundo. O que temos no
mundo são para as pessoas que seguem a vida como todo o gado, estes conseguem o
que a vida dá. O guerreiro utiliza a vida, seja ela qual for, como o seu campo
de batalha, e faz deste campo de batalha os eu palco onde tem como único
expectador a morte. Sentir que tudo que fazemos na vida é uma batalha de vida e
morte nos dá o impulso necessário. Não devemos deixar o mundo, pois isso seria
fugir da batalha, mas devemos entrar nele não esperando as recompensas da vida.
Existem pessoas que buscam os estudos para ganhar os títulos, nós devemos
encarar os estudos como um desafio, como don Juan dizia, como uma forma de
enamorar o conhecimento, seja ele qual for, e neste desafio, os ganhos são
descartados pelo guerreiro. As interações humanas são para isso também, apenas
para refinar a impecabilidade do guerreiro, que se enerva com uma situação
aqui, se chateia com outra ali, e vê que as interações sociais que o afetam são
os pontos de sua persona que devem ser combatidos. E assim, vez um combate, vez
outro, engrandece o seu espírito, lapida o seu espelho, até que um dia consiga
refletir apenas o infinito. Claro, todos aqui ainda temos falhas, eu que vos
escrevo talvez ainda mais que vocês, não sei e nem cabem aqui comparações, mas
estas falhas devem ser reconhecidas, e superadas, combatidas, até a nossa
exaustão, até a nossa morte se necessário, pois nada vale uma vida se não for
de combate para um guerreiro, do bom combate de quem quer lapidar o seu
interior como um armeiro que bate na lâmina vez e outra, que a aquece e a
fulmega, que a torce e retorce, as veze por anos até conseguir o fio certeiro
de sua espada. Assim é o guerreiro, não é um ermitão, pois precisa da vida para
lapidar-se.
O guerreiro
mantendo essa posição de combate prepara-se apenas para a luta maior, no
universo impessoal e predador que nos aguarda depois de nossa partida
definitiva. Esta terra que hoje vivemos talvez seja o único porto seguro que
teremos em nossa existência, e devemos gratidão a chance de poder exercitar o
nosso espírito em tão valorosa luta antes de nossa partida, se conseguirmos
efetivamente partir. A verdadeira luta está lá fora, mas hoje, nesta terra, é
hora de enfrentar a luta de dentro, e nos lapidar o mínimo necessário para a
juíza morte, e se esta nos julgar dignos, não consigo mensurar os desafios e as
maravilhas que no outro mundo estão a nos aguardar.
Intento a
todos.
Buenos Dias Guerreros
ResponderExcluirmais uma vez Hermano Vento, fortes palavras trouxestes.
O Guerrero tem de fazer por merecer seu arsenal.
Disciplina, uma das armas que o Guerrero aquece e forja na bigorna de seu coração, junto com humildade, paciencia, autocontrole, sobriedade, parcimonia e outras mais. Belas palavras, porém difíceis de serem alcançadas principalmente quando não se tem alguém para cobrá-las como um sargento do exercito. Em nosso caso, exercitadas por nós mesmos, por vontade própria sem ninguém para nos obrigar, por isso o nome caminho com coração pois o fazemos de coração, escalando, caminhando ou até voando em nossos sonhos. Não esqueçamos outra, uma das armas mais dificeis que o Guerrero tem de conquistar:
O DESAPEGO.
Don Juan dizia que os rituais eram atifices utilizados pelos feiticeiros para emoldurar a disciplina.
ResponderExcluirA disciplina é a maior arma, além de parar o dialogo interno, para banirmos os sombrios de nossas mentes pois eles não tem a minima concentração.
Dárion.08:28 06/09/2012
* * *
Muito interessante Ênio,
ResponderExcluiro objetivo de se escalar a montanha não tem nada haver com a montanha, mas com as habilidades e com o preparo que se adquire depois da escalada.Essa foi a mensagem que eu entendi.
abraço
Darion,
ResponderExcluirOs sombrios são os seres inorgânicos? Eles não possuem concentração? E de que forma a nossa disciplina afetam eles? abraço
Rafael, os sombrios são os voladores, um tipo de seres inorgânicos. Eles nos dão a mente superficial, a mente social, ela é uma mente indisciplinada, que não consegue se concentrar. Só a disciplina nos leva a derrubar a mente social, e nos transforma em seres impalatáveis aos sombrios.
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