Deixando as bagagens - tornando-se indisponível
“A minha vida parecia continuar normalmente. Meus amigos agindo como
sempre tinham feito. Como de costume, pensávamos em sair e ir a festas, ao
cinema, ou simplesmente ‘jogar conversa fora’ ou procurar restaurantes que
estivessem oferecendo ‘tudo que você conseguir comer’ pelo preço de uma
refeição. Entretanto, apesar da pseudonormalidade, um novo fator estranho
parece que entrou em minha vida. Como o sujeito que estava tendo a experiência,
pareceu-me que de repente tinha me tornado alguém com uma mente extremamente
estreita. Tinha começado a julgar os meus amigos da mesma forma que julgara o
psiquiatra e o professor de antropologia. Quem
era eu, afinal, para julgar os outros?”
(CASTANEDA, O lado ativo do
infinito, p. 117)
Caros
caminhantes venho aqui hoje utilizar essas páginas para algumas reflexões que se
fazem necessárias para mim. A cada momento da caminhada temos que refletir
sobre o que fizemos, sobre onde andamos um momento de pausa para refletir, para
olhar para frente, medir a caminhada, e medir para onde temos que caminhar. Isso
é necessário de tempos em tempos, mensurar os ganhos e derrotas, assim,
mantemos a consciência e o foco, principalmente pelos caminhos por onde
trilhamos. O guerreiro deve ser econômico, ter foco, ser impecável em seu
caminho, e ser resiliente, ou seja, saber adaptar-se a situações, saber voltar
atrás quando sabe que errou, e recomeçar.
Durante estes
dias resolvi fazer a mágica que sempre o faço, aprendida com o nosso amigo
Dárion, certas dúvidas que tenho, correlatas ao caminho que seguimos, resolvo
concentrando a minha visão no assunto, e buscando a resposta, e desta vez, veio
de forma perfeita com o trecho do livro que inicio este breve escrito. Estas
eram as minhas duvidas, os meus percalços atuais no caminho, e resolver estas
questões era essencial para continuar caminhando, e deixar o vórtice que estava
preso, e sequer sentia.
Uma parte de
mim estava realmente presa em dois aspectos e percebi isso com inteira
perfeição. Percebi que estava solidificando em demasia uma máscara, a máscara
da preocupação, e estava me esquecendo que era apenas uma máscara. Sendo mais
explícito, eu estava envolvido de tal maneira com um fórum de debates sobre os
assuntos que aqui discutimos, que estava me perdendo de minha verdadeira busca.
Com a desculpa de participar do fórum em questão para ajudar as pessoas ali,
dividindo os presentes que o espírito me dá, estava me tornando um leviatã, e
querendo impor o que eu penso, e reduzir o pensamento que era divergente ao
meu. Eu queria ali impor que se era um local para discutir a obra, que
discutíssemos o caminho, e nada mais, mas “quem era eu, afinal, para julgar os
outros?” Eu não aceitava que pessoas fossem ali para discutir banalidades,
cotidianidades, queria discutir e encontrar pessoas que eram o espelho de minha
busca, e comecei a me chatear e a sentir que aquilo ali, era apenas um reflexo
do mundo cotidiano, do mundo a minha volta. Não era aquilo uma fuga, era um
reflexo, eram ali pessoas, como as pessoas que nos cercam, naquela proporção de
5000 que leem Castaneda, 500 que acham interessante, 50 que percebem ali haver
uma verdade, 10 que tentam seguir e comprovar o que ali tem, 5 que conseguem
caminhar, e 1, quiçá, que tem o intento inflexível de continuar caminhando,
porque encontrou ali seu caminho do coração. E os outros 4999? Estão errados? “Quem
era eu, afinal, para julgar os outros?” E comecei a entender as coisas.
Existe uma
infinidade de caminhos possíveis e existe uma infinidade de barreiras também
possíveis em cada caminho. Aquilo ali para mim, a divisão do que recebo para
mim, havia tornado-se uma das barreiras na minha jornada, não era um problemas
das pessoas, as pessoas não são obrigadas, por certo, a seguirem o que sigo,
mas o problema era apenas meu, eu estava preso a uma máscara, eu estava preso a
impressão que esta máscara me dava de que eu queria efetivamente ajudar as
pessoas ali, e queria efetivamente dividir o que eu recebia de presente do
espírito. Mas não era isso que eu estava fazendo. Eu estava julgando, e
julgando, me afastava do conhecimento silencioso, de observar apenas, sem
tocar.
“...você é
exatamente como seus amigos. Essa é a verdade que o está fazendo tremer nas
bases. Uma coisa que você pode fazer é aceitar as coisas como são, e está claro
que você não consegue. A outra coisa que você pode fazer é dizer: ‘EU não sou
assim, eu não sou assim’ e repetir para você mesmo que você não é assim.
Entretanto, prometo que um momento chegará quando você perceberá que é assim,
sim.”
(CASTANEDA, O lado ativo do
infinito, p. 121)
Então entendi,
como as pessoas que ali estão tem a necessidade apenas de acalentar as suas
solidões, conversando com outras pessoas que tem um ponto em comum, eu estava
ali. Era apenas isso, uma comunidade, um fórum, um encontro de eus, todos
querendo falar de si, presos ali, enquanto a vida passava lá fora. Percebi que
estava como todos, preso, gastando 3, 4 horas de meus dias ali, conversando,
defendendo posições, digladiando para sustentar o discurso da vitória, como
todos. Todos conta todos, e eu sequer havia percebido que era como todo mundo,
apenas com um rótulo diferente. Então decidi partir.
Não me achei
melhor ou pior para tomar a decisão, apenas parti. Entendi os presságios que me
diziam para largar tudo que fosse desnecessário, e não há nada mais
desnecessário que julgar, do que ficar debatendo egos, e defendendo posições, o
guerreiro não tem nada a defender. Percebi então que escrevo aqui apenas para
amenizar o peso do que visualizo, o peso do infinito, divido apenas o que vejo,
e não imponho, é um canto do universo, minúsculo, onde quem quer entra, e sai,
concorda ou discorda, e ponto, sem debates infundados, sem nada disso, aqui
apenas vomito o que recebo, e amenizo o peso do infinito nas minhas costas,
tiro as bagagens, e não luto por elas, apenas isso. Ali, naquele lugar, eu
defendia, lutava, e assim acumulava bagagens, brigando, defendia o indefensável
ego. Apenas levado pela mente forânea, e desprendendo uma energia preciosa, que
poderia ser usada para algo realmente útil, para a consciência.
“Os guerreiros
não guardam nada com eles – continuou ele. – Esvaziarem-se dessa maneira é uma
manobra de feiticeiro. Leva-os a abandonar a fortaleza do eu.
(CASTANEDA, O lado ativo do
infinito, p. 102)
Era isso, eu
havia pego o tema sobre as conversas informais e formais dos feiticeiros, e
havia a modificado em minha mente, aliás, meu ego o havia, e eu estava
defendendo posições, e criando fortalezas, ao invés de abandoná-las, e amenizar
isso apenas como um contador de histórias, um narrador das histórias que me
eram sopradas, e que me era permitido viver junto ao espírito. EU havia caído,
e não queria entender, eu havia julgado e não queria ver, eu havia deturpado o
que eu mesmo havia visto por várias e várias vezes, tinha me tornado o que
sabia ser o desvio do caminho, e sequer estava percebendo isso. Me perdi,
entendo, e perdi muita energia assim, mas tudo está voltando a sua normalidade
agora, quando o guerreiro depara-se com algo que o está afogando, ele dá um
passo para trás, pondera, e espera uma solução.
Este é o
começo de uma etapa final em minha vida, a etapa que consiste em apagar-se, aos
poucos, tornar-se indisponível, morrer para o mundo. Uma etapa necessária, que
inicia-se com o guerreiro dispensando o que é dispensável em sua vida, bebidas,
amigos, televisão, futilidades, discussões inúteis, e assim, cada pedaço é
ceifado da vida do guerreiro, e ele pouco a pouco vai se tornando leve, cheio
de energia, até ter a força para cortar todo o laço que o prende a realidade, e
morrer para o mundo, este sim, o verdadeiro desafio, desafio que eu espero ter
forças para lutar. Pagando as dívidas, despedindo-se de tudo e todos, e
partindo, como se nunca mais fosse voltar. E se o espírito permitir, o guerreiro
partirá nesta jornada para o outro lado, livre de amarras, e se o presente for
ainda maior, o guerreiro terá mais uma chance para voltar a esta Terra, já
morto entre os vivos, mas desperto, consciente, podendo guardar para si este
mundo como o que verdadeiramente é, um presente, e não uma prisão.
Intento
caminhantes.
Hermano Vento fostes fundo. Enquanto não perdemos a forma humana continuaremos julgando. Julgando a tudo e a todos. Julgando inclusive a nós mesmos, como também aos outros. Julgamos o através de nossas expectativas. Gostamos do que nos é conhecido, dos que nos parece. De nossos padrões. Em nosso processo de evolução, sinto que devemos trocar o julgar pelo “sentir”, fazendo o não-fazer, de não passar pelo crivo do julgamento, pois o julgar vem da “mente” e o “sentir” vem do coração. Para tal empreitada devemos recuperar uma faceta que perdemos quando crianças, a espontaneidade. Devemos ser espontâneos. e isso ninguém quer, simplesmente por uma razão, a espontaneidade as vezes, dói assim como a verdade.
ResponderExcluirDárion 10:11 18/09/2012
In lak ech ala Kin
Uma vez há anos atrás, nessa época eu ainda bebia. Nesse dia não tinha bebido nada, Vinha voltando de ônibus para casa ,desci do ônibus, atravessei a rua e do outro lado da rua um ladrão escondido esperou eu passar. Quando passei, ele pelas costas, deu um chute em minhas costelas e disse que ia levar um anel que eu tinha em meus dedos. Então dei-lhe um soco na cara e arranquei a faca de suas mãos, Dei sorte que na mesma hora vinha uma viatura e viu tudo e levou o ladrão. Não fui para a delegacia e continuei o caminho. Quando cheguei em frente a casa de meus pais, parei me sentei na calçada para parar a dor pois o ladrão havia acertado em minhas costelas quebradas. Fiquei ali me contorcendo de dor enquanto meu pai observava tudo do portão, parado. Ouvi-lhe dizer: “Tá morto de bêbado.” Enquanto deveria ter ido até ali e ver o que estava se passando. Não chegou nem perto. Fiquei ali até melhorar e fui para minha casa. Isso é julgar. No outro dia contei-lhe o acontecido.
ResponderExcluirDárion
Julgamento e preconceito andam lado a lado.
ResponderExcluirDárion
Um exemplo:
ResponderExcluiras vezes nossa espontaneidade aflora, então nosso julgamento entra em ação e nos pegamos dizendo:
- Vou parecer ridiculo fazendo isso.
Dárion 12:37
Pois é, Hermano...
ResponderExcluirO lance do não-julgamento é realmente difícil. Sempre temos mais facilidade com alguns assuntos que não nos envolvem tanto, porém quanto mais profundo aquele assunto nos toca, mais duramente tendemos a julgar. Ainda assim, apenas o intento de não julgar já é por si só muito poderoso.
Houve um tempo em que eu nutria uma profunda indiferença pelo mundo, porém em meus assuntos mais particulares como os familiares e amigos, era uma severa julgadora. Aos poucos isso foi se desconcentrando, como um nó cego que afrouxamos... Hoje julgo coisas que antes não julgava, mas também estou aprendendo a não julgar tanto as coisas mais próximas a mim. Devagar e sempre...
Fico feliz que tenha esclarecido seus conflitos interiores em relação ao fórum.
Esses dias algo curioso aconteceu comigo... Após uma viagem que pra mim foi muito intensa e especial que fiz recentemente, contei para um grupo de amigos sobre a experiência. Surpreendi-me então com o erro que estava cometendo sem perceber: esperava que aquelas pessoas fossem compreender e talvez até querer ir à mesma montanha em que acampei, mas a maioria delas me acusou de estar 'romantizando' algo que 'na verdade é muito duro', que passar só uma noite não dava pra ter uma noção verdadeira do que era aquilo, que sobreviver na mata era uma ilusão e bla bla bla... Quando percebi, fiquei triste por eles não terem compreendido, e então percebi que havia expectativas minhas sobre eles, que não eram obrigados a concordar comigo. É uma pena que eles desconheçam as alegrias que senti - ou melhor, não acreditem que ela exista - mas não há nada que eu possa fazer... talvez um dia eles mudem de idéia, talvez morram pensando isso... Hoje, pra mim, não importa mais.
Intento!
Intento, caro amigo Enio ...
ResponderExcluirPois é amigo, quando sacamos que qualquer tipo de imposição de idéias é uma "violência", fica claro que uma atitude impecável seria "semear". Idéias devem ser semeadas e não impostas. Mesmo que em solo infértil (como no caso de uma meio virtual - comunidade)devemos apenas jogar as sementes sem esperança alguma que possam germinar. Às vezes, os ventos do Espírito levam-nas para outros campos mais férteis e estas germinam. Mas, nunca saberemos nem temos tempos para manter a esperança que algo assim aconteça. O que podemos é ter uma ativa paciência, apenas. E um desapego total das pessoas e das coisas. Albert Einstein disse algo do tipo: "Se quizeres seguir uma vida feliz, amarre-se a uma meta (propósito), não as pessoas ou as coisas"
Hoje mantenho-me "ainda" na comunidade, mas por "impecabilidade", pois me foi passada por um amigo que, hoje nem mais lá está, no intuito de desapegar-se e economizar seu tempo e energia gasta alí, deixou em minhas mãos.
O julgamento está em tudo, faz parte da nossa mente. Como sabes, o próprio Dono que me passou a comunidade me julgou quando houve trolagem preconceituosa lá, acreditando que eu estava sendo condizente com a situação. Interessante, pois após nossa conversa para esclarecer as coisas, ele percebeu o seu julgamento e deixou exposto o "tamanho do Ego dele" sem receios. Então a única coisa que podemos fazer foi rir de nós mesmos rsrsrs
Houve um tempo que alí se apresentou pessoas que realmente estavam interessadas na busca e no Conhecimento. Essas pessoas conheci pessoalmente e hoje, ainda, mantemos uma relação de busca de "Grupo". Elas não mais participam da comunidade, estão agindo cada qual de sua maneira, em suas buscas pessoais. Quando nos encontramos procuramos sintonizar e aglutinar nossas energias numa massa ou no objetivo do grupo. É difícil, pois a vaidade está quase sempre em primeiro plano. E a luta é deixa-la no seu devido lugar, assim como a auto-importância. Disto, resulta e resultou desentendimentos, conflitos e confunsões. Porém, até mesmo esse aspecto tem seu papel fundamental. Papel este que serve para separar o joio do trigo, para testar àqueles que realmente tem o Caminho do Conhecimento como meta verdadeira. Para fazermos conscientes de nossas escolhas do coração.
Hoje não espero nada de nada. Da comunidade desde que assumi já não tinha ilusões, a não ser meu senso de impecabilidade para dar seguimento a algo que me passaram. Do grupo só deixo os Espírito se manifestar e eu fluir com ele como aconteceu da ultima vez. É assim que as coisas são e não podemos forçar nem querer se iludir, muito menos impor nada. Não podemos controlar nada, nada ... só podemos fluir e fluir com as coisas e o mundo. Quanto mais leves e fluidos, maior a capacidade de não interferir nos rumo das coisas e o verdadeiro domínio está bem aí: "Em não interferir no rumo das coisas".
Intento à todos"